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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Ver Índia por um travelling

Hugo Gomes, 03.05.14

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“Tales on Blindness”, de Cláudia Alves, inicia com o relato de uma célebre lenda indiana, onde seis indostânicos cegos tentam descrever um elefante, sendo que cada um deles apalpa uma parte específica do animal. O resultado esteve longe da unanimidade, cada um acabou por descrever o animal de maneira diferente, todos eles errados, mas ao mesmo tempo certos, uma metáfora à perspetiva.

Sob esse pretexto, a documentarista divide a sua obra em seis capítulos, cada uma delas correspondendo às partes anatómicas características do elefante da lenda, iniciando assim uma viagem de Lisboa à Índia ex-colonial, tentando recuperar o perdido legado português nestas remotas terras. Enquanto avançamos no filme, mais longe nos distanciamos de Portugal, não em termos geográficos, mas nos seus laços há muito enleados com o subcontinente indiano. Um registo que aposta como investigação e que acaba cedendo ao modelo de guia turístico. Ou seja, Cláudia Alves abandona o tom que havia inicialmente embarcado e paira por entre travellings demorados de contemplação natural, mas formado por imagens belas que parecem evidenciar um vazio de conteúdos que eventualmente confrontou durante a sua viagem.

Triste, sabendo que na Índia, são imensos os recantos por onde seguir e as histórias merecedoras de serem desvendadas, muito mais aquelas que estão ligadas à nossa conexão cultural para com o país da canela e especiarias. Só no último momento é que Cláudia Alves faz o seu grande achado, um nacionalista indiano que afirma o orgulho do seu país e apela à luta e preservação dos valores culturais, renegando as influências coloniais, quer dos portugueses ou dos ingleses. Uma árdua crítica que acende por momentos um debate feroz, mas desigualmente correspondido.

Resumidamente, esta é uma obra de alguns valores acentuados e "acidentes" de ouro. Mas “Tales on Blindness” é longo na sua duração, o que não seria um problema se a documentarista tivesse suficiente material e ideias para construir um documentário equilibrado e não sofresse de uma esquizofrenia contemplativa. Vale as intenções e a beleza das imagens de um país exótico que já fez parte da nossa História.