“Vamos falar sobre o teu futuro”
Com Denis Villeneuve de fora, sem Emily Blunt e Jóhann Jóhannsson (este último por motivos fatídicos), a sequela de “Sicario” avança entre nós com algum ceticismo. Contudo, vale a pena salientar que este “Day of the Soldado” segue o mesmo registo acinzentado do original. Sublinhando mais uma vez – demasiado cinzento – inclusive para os nossos dias, cuja consciência política parece ter atingido tamanha sensibilidade.
O italiano Stefano Sollima é o novo mestre do leme, trocando uma guerra, anteriormente a máfia “cefalópode” em “Suburra” e na série “Gomorra” por um outro palco bélico – o verdadeiro confronto armado oriundo do outro lado da fronteira – aproveitando com benefício toda a situação que se vive desta crise de migração ilegal mexicana e dos constantes escândalos fronteiriços da administração Trump. Mas vamos por partes quanto ao dito tom cinza neste prometido thriller de ação.
A primeira sequência tem de tudo para agradar uma certa fantasia trumpista, os terroristas islâmicos vindos da rota dos bad hombres e toda a consciência de um perigo real que cerca a tão “agraciada” América. Sim, é uma pertinência de ideias políticas bastante à direita, ou republicana tendo contexto o universo político norte-americano, é o mediatismo, o medo real ou irracional perante uma aproximação globalizada graças aos medias e a “cachoeira informativa” o qual deparamos constantemente. Através desse “cavalo de Tróia” que arrasa os valores democratas, “Sicario” circula para uma outra via, a da militarização, percorrendo os bastidores; um desencantado “Doutor Estranho Amor” que vai “contagiando” o medo maniqueísta criado até então. Os “heroicos” americanos convertem-se nos verdadeiros catalisadores, sob o desejo de um mundo aos seus pés e de uma guerra iminente, incentivada por interesses políticos.
Sollima filma todo o percurso, uma não-discreta “invasão”, como se um filme de guerra tratasse, tão próximo daqueles exemplares decorridos no Golfo Pérsico ou das outras e inúmeras variações em solo árabes. Sim, já perceberam, “Sicario” é, em generalizada designação, um filme de guerra. O Soldado do título resume-se às soluções projetadas para um termino de um conflito imaginário, a Guerra como plano final como se materializa-se no popularizado provérbio de “combatendo o fogo com fogo”.
O realizador responde com confiança ao lugar deixado por Villeneuve (digam o que dizer, “Sicario” era o seu melhor filme), de mão firme nas sequências de ação e dos muitos zenits filmados com a graciosidade dos drones (a inovação e a possibilidade destes mesmo planos graças a este tipo de tecnológica). A realização, é sim, adaptativa aos maneirismos do original, porém, falta-lhe o toque à Michael Mann que o filme de 2015 concretizava com aprumo (mais Mann que muitos filmes do próprio Mann, como verificamos na pertinente cena do trânsito), e à banda sonora da autoria de Hildur Guðnadóttir, a ferocidade monstruosa de Jóhann Jóhannsson.
“Day of the Soldado'' é assim uma continuação esforçada em acompanhar o ritmo estabelecido, tecendo as diferentes ideologias em prol de um realismo teorizado, impondo questões e nunca respostas substantificadas. Se o início é pura urticária a democratas, com os reflexos das últimas demências de Eastwood, já o final encontra essa consolidação política, desde uma emotividade pedagógica que amolece as personagens, passando por momentos finais tenebrosos, negros e repescados a uma ambiguidade sem igual.
Sollima passou o teste de Hollywood, é lúcido que baste e com isso mexe e remexe no argumento de Taylor Sheridan (que vem provando ser melhor guionista do que realizador) com bravura e energia.