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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Uma vontade voraz de alienar

Hugo Gomes, 07.05.14

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Existe um tipo de planta carnívora, do género Nepenthes, que atrai pequenos animais, como insectos e pássaros, através das suas folhas coloridas, fazendo com que estes “escorreguem” e fiquem aprisionados na sua “bolsa”, toda esta imersa de um suco rico em enzimas digestivas. Tais enzimas gradualmente desfazem a criatura aprisionada. Essas plantas vêm à lembrança neste “Debaixo da Pele” (“Under the Skin”), onde Scarlett Johanson é um(a) alienígena que se disfarça de mulher e que atrai os homens (somente) para uma armadilha mortal usando os dotes do seu curvilíneo corpo.

Baseado num conto de Michel Faber, este é um filme que tinha tudo para se tornar no próximo “sci-fi flick”, mas nas mãos de Jonathan Glazer torna-se num simulacro ao realismo. Nunca uma “invasão” do Outro Mundo se tornou tão credível e ao mesmo tempo tão sexy, acentuando a luxúria numa atmosfera conseguida. O ambiente, com o auxílio de uma banda sonora ocasionalmente minimalista de Mica Levi, transmite-nos o arrepio na espinha em simbiose com uma sensualidade agonizante. Glazer completa o quadro com uma mise-en-scenè que por vezes parece delineada para um videoclipe.

Depois de uma meia hora interessante e naturalista com uma Scarlett Johanson nunca vista, sob um olhar frio e cortante, “Debaixo da Pele” dá um “valente trambolhão” após a revelação da premissa, verdade seja dita, que demora demasiado a arrancar, para depois incidir-se numa intriga meramente existencialista. Nisto despe-se do seu anterior naturalismo quase documental e assenta-se numa narrativa contemplativa, finalizado por um final carente de um verdadeiro climax.

“Debaixo da Pele” funciona muito mais do que um mero exercício de ficção científica. Aliás, Scarlett Johansson lidera aqui uma critica à extrema relevância do sexo na nossa sociedade e o realçar do lado animal no ser humano. Apesar das suas limitações, eis uma das mais fresca e intimista proposta do cinema de ficção científica do ano. Pelo menos, mesmo com os seus “calcanhares de Aquiles”, magneticamente faz-nos querer regressar.