Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Uma mulher na conquista de Hollywood

Hugo Gomes, 15.12.20

Cul-rev-1-WW84-04455r_High_Res_JPEG.webp

Erradamente induzido a um símbolo de emancipação feminina, “Wonder Woman” [o filme de 2017] conquistou uns impressionantes 800 milhões de dólares em bilheteiras de todo o Mundo, sem sequer apercebemos que a grande heroína neste cenário foi a sua realizadora, Patty Jenkins.

Não se tornou, outro erro comum que muitos caíram, na primeira mulher a comandar um filme de super-heróis, esse subgénero cada vez mais vincado (antes dela, Lexi Alexander e Karyn Kusama), mas fora a primeira a ter ao seu dispor uma produção com um orçamento acima dos 100 milhões. Por outras palavras, a mulher vinda da televisão e de uma longa-metragem telefílmica que levou Charlize Theron ao Óscar [“Monster”, 2003] assumiu-se como uma guerreira numa indústria ultra-capitalista ainda maioritariamente liderada por homens. Se existe toda uma Mulher Maravilha nisto tudo, é ela mesmo.

Portanto, como já havia referido, 800 milhões angariados dá direito a sequela, se não fosse o facto de este produto inaugural com Gal Gadot estar inserido num universo partilhado, aquelas novas denominações e definições de franchise. Contudo, com adiamentos vários, uma pandemia a ser vivenciada e um estúdio de mãos dadas com uma plataforma de streaming que, ao seu jeito, encontram uma solução para estacar (ou apaziguar) o prejuízo, eis que chega-nos “Wonder Woman 84”, um blockbuster num ano escasso deles.

Com Patty Jenkins novamente no poder, requisitou-se as simples leis da “sequelite” – “mais e melhor”- e em todo o seu esplendor, esta nova produção da Warner Bros é ela mesmo, exagerada, ambiciosa, mas nunca dependente da credibilidade, nem da simulação de tal. A realizadora tinha em mente uma invocação de um espírito longínquo, totalmente perdido neste boom do subgénero que tem variado entre a seriedade e alter-realismo ou o chico-espertismo e o extenso tom paródico, o estilo “camp”, o qual levará muitos adeptos aos tempos de Lynda Carter e as suas episódicas aventuras nos anos 70.

66212db0d237d51572889833146d8f8b71-wonder-woman.we

Confere que a Warner Bros. / DC tem sorrateiramente estabelecendo essa via, basta recordar o tecnologicamente submarino “Aquaman” (James Wan, 2018), só que é na conhecidíssima super-heroína que o estilo é assumidamente erguido nos seus momentos de ação, ou na devolução da figura pedagógica e demagoga a estes figurinos de comics. Os dias atuais levam-nos a encarar com ceticismo e desconfiança à ingenuidade gratuita, ao ativismo utópico próprio de fantasias hollywoodescas, e ao propagandismo samaritano. Sim, há uma demanda ideológica e deveras moralista no sacrifício da nossa heróica mulher, nada de sobrenatural neste registo, nem sequer no subgénero, porém, é a sua devoção explícita que enaltece esse lado escapista e “arcaicamente devedor” da BD em si.

Wonder Woman 1984” funciona, mesmo que desigual, como um tributo à aura dos comics, uma espécie de regressão que o torna limitadamente “fora da caixa” perante a tendência produtiva. O resto, meus amigos, é Patty Jenkins a operar uma produção de grande escala, simbólica, e de coração pulsátil quanto ao seu senso de dever (segundos as mais recentes notícias, a realizadora irá envergar a galáxia “Star Wars” para a Disney, espera-se uma conquista a esta Hollywood megalómana ainda, muito, masculina).

Por fim, Gal Gadot continua muito mais que uma pin-up outrora vencida, dando o corpo a este manifesto, contra duas figuras antagónicas (Pedro Pascal e uma inesperada Kristen Wiig) que carregam o tom fabulista no filme. Porque no fundo, “Wonder Woman” é, isso mesmo, uma fábula à escala de Hollywood, com uma América idealizada e convicta para o Mundo ver.