Uma ex-máquina!
Para Iris (Sophie Thatcher, “Heretic”), Josh (Jack Quaid) é o seu e único mundo. Apaixonou-se por ele, segundo recorda, numa ida ao supermercado, quando o desajeitado rapaz fez estremecer a bancada de laranjas, o riso veio de seguida, o amor à primeira vista deu-se no inaugural cruzar de olhares. Memória vivida, ao que parece! Só que não. Tal nunca aconteceu, até porque, tecnicamente, Iris não existe. Quer dizer, tem fisicalidade, uma presença, digamos assim, mas não uma existência. Não é humana, é uma robô na linha dos "autómatos amorosos". O amor incondicional é um artifício.
“Companion”, de Drew Hancock, insere-se no thriller da expansão da IA e do seu constante debate, piscando o olho a conceitos há muito aprovados por Isaac Asimov e Philip K. Dick, inevitavelmente, até certo ponto, reagindo a essa modernidade com algum arrojo, trazendo um efeito de Turing invertido, em que Josh precisa de convencer Iris de que é uma máquina, enquanto ela nega, agarrada ao que acredita ser a sua vida e consequentemente às suas (fabricadas) memórias. Nada de desconhecido ou ambíguo para o espectador, que desde o início o sabe: Iris é uma máquina, sapiente e talvez, consciente. Não há segredo, nem twist que valha que ofusque essa informação previamente estabelecida.
Nesse jogo, há um lampejo de “Ex Machina”, mas o desejo é passageiro, muito passageiro. Os traços de terror começam a sobrepor-se e “Companion" perde a astúcia para se render ao entretenimento casual, mimetizando a fórmula de Wes Craven sem nunca reproduzir as suas, por vezes brilhantes, encriptadas sociopolíticas. Mas, enfim, a indústria manda-nos modelos destes, rápidos de consumir, sem grande maçada para a nossa massa cinzenta. Mesmo assim, Thatcher convence-nos de que é um produto à distância de uma encomenda.