Uma autópsia hiper-realista
Um “clássico” no coração de uma geração ganha uma “nova” vida … nova sob aspas, porque aqui a vida é insuflada com uma animação fotorrealista que nos traz animais tecnológicos com uma rigorosa credibilidade. O detalhe não é deixado de barato, mas a novidade fica-se somente pelo visual: o resto é canibalismo, a cópia quase "frame-a-frame", seguindo a agenda automática de replicar memórias. Existe neste jogo de “live actions” da Disney (salienta-se que este “The Lion King” nada tem de “live action”) um oportunismo mercantil, reciclar um espólio e com isso explorar criativamente os meios para entregar as nossas nostalgias como garantia de bilhete. De certa forma é um plano sujo em que todos ("mea culpa") somos cúmplices.
Mas com “The Lion King” esse embuste está à vista de todos, pois o original de 1994 é um dos mais amados produtos da Casa Mickey. Mesmo sob o teor de sofisticação estética, o grafismo tradicional de outrora continua a ostentar a sua elegância, expressionismo e, sobretudo, tendo em conta o resultado deste “gémeo”, um maior conhecimento dos códigos narrativos de cinema. Basta comparar a morte de Mufasa, o imponente leão alfa majestosamente personificado por James Earl Jones (que novamente repete o papel), a sua queda seguida por um "zoom-out" de Simba, o seu filhote, num grito desesperado. Uma “edição” (as aspas servem por precaução visto ser uma animação e não uma filmagem) que indicia uma causa-reação. Ora na versão de 2019, mesmo que a sequência se repita, há um vazio estético, sim, e a sensação entregue ao espectador é de um percurso visto e revisto vezes sem conta – ou seja, o momento trágico perde a sua magnitude.
Sem referir também o momento mais Hamlet (a obra de Shakespeare sempre foi uma assumida influência), a aparição do pai que aqui é uma defraudação visual e mais que tudo, emocional. Aliás, é a emoção que falta e muito a este "doppleganger", uma encenação com promessas de sofisticação que se fica por isso mesmo – um novo embrulho. "The Lion King" converteu-se na prova viva de que as “modernices” não ressuscitam sentimentos, e escutando os avisos de “nunca voltar ao lugar onde foste feliz”, nada nos faz regressar a 1994, ou ao primeiro contacto com o Hakuna Matata.