Um duelo ao som da melodia
Podemos apelidá-lo de “tearjerker” de segunda categoria, um melodrama que se empoleira de bico de pés perante o selo qualitativo oriundo dos grandes estúdios, orquestrado (melhor palavra aqui) pelo mais “lacrimejante” dos realizadores da Hollywood clássica, Frank Borzage, mas existe nele um momento perfeitamente divinal.
Falo de I’Ve Always Loved You (1946), um à primeira vista romance entre mestre e discípula orientado no mundo da música clássica, porém, o filme é mais que isso, é um conto de superação profissional e de género (mesmo que nesta questão haja nele um lençol de conservadorismo) em que as personagens se relacionam com a música como uma linguagem emocional distinta.
A genialidade encontra-se no confronto entre Myra (Catherine McLeod), a aprendiz, e o “grande” maestro Goronoff (Philip Dorn), ocorrido no Carnegie Hall, Nova Iorque. Aqui sob o olhar atento de um público que reconhece a rivalidade descortinada na performance musical, Myra tenta brilhar através das suas proezas no piano enquanto Goronoff a sabota perante uma orquestra submissa à sua enfurecida batuta. O momento prolonga-se, a música ecoa pela grande sala de espéctaculos oscilando entre a doce melodia até ao rompante uníssono, os olhares entre os dois competidores cruzam-se de lés-a-lés, os pensamentos de Myrra sufocam a cadência enquanto os gestos agressivos e assertivos de Goronoff solicitam por mais um round.
É como um combate de boxe, aliás, nunca se vira o glamoroso Carnage Hall transformado num ringue entre dois pugilistas - o underdog promissor contra o convicto campeão - o entretenimento de aristocratas assumindo-se no “desporto de brutos”. Não vira tal transladação semiótica desta maneira, não até surgir entre nós Whiplash de Chazelle, também ele o embate entre mestre/aluno, maestro e “trovador”.