Um brinde! Porque "28 ½" não é para todos
Ninguém se esquece do primeiro verão, do primeiro beijo, do amor estival do qual se cria expetativas de longo prazo (ou sem prazo algum), nem mesmo do olhar juvenil, cheio de positivismo e cor, que, sem culpa alguma, possuímos. “O futuro será brilhante”, é desta forma que o nosso consciente, ingénuo e enganado, nos prende a um corpo passageiro.
“O Primeiro Verão", acima do trabalho hercúleo de Adriano Mendes (realizador, argumentista, ator, editor, diretor de fotografia e editor de som), é um filme sobre isso mesmo, desse otimismo que inocentemente abraçamos, que nos levam a crer em juras amorosas para esta eternidade e mais um dia ou da mera imortalidade. Nada é decadente, tudo é estático. Até que, alguém (ou alguma coisa) provou com diferença a Mendes, ou talvez tenha sido a própria Vida (colocamos maiúsculas para salientar a sua entidade), e todas as mudanças que isso acarreta. Logo, o sol brilhante, os constantes risos e brilhos no olhar que bem testemunhamos em “O Primeiro Verão” são substituídos pela soturnez de “28 ½”, e essa mudança drástica (apesar do hiato de seis anos entre a primeira longa e este novo filme [estreado no Indielisboa de 2020], sentíamos as saudades daquele mundo) é exercitada na figura de Anabela Caetano (a protagonistas das duas histórias que tão bem poderiam ser a mesma pessoa).
Sim, a anterior razão de vida de Adriano Mendes na obra inaugural é o impasse melancólico nesta nova estância, uma jovem cujo título revela a sua idade [mais próxima dos 30 do que dos 20], e tal como muitos jovens que deixaram há muito de serem jovens (perdendo o estatuto de promessa), é confrontada com o cinzentismo daquela vida pós-objetivos, pós-sonhos, pós-fantasias e pós-romances idealizados. O que fazer? Sorrir, talvez por indiferença ou talvez por defesa, num longo jantar de convívio, aquele exato momento que poderia ser uma troca cultural é antes um desafio à sua atuação social - “sermos os melhores anfitriões possíveis e nunca exibir as nossas frustrações perante os outros."
Doloroso, é verdade, de igual forma que deparamos com a nossa impotência perante o “mundo em cacos” o qual tentamos ignorar - a sequência do comboio, o momento mais hitchcockiano que o nosso cinema português já produziu (e não por decorrer no interior de uma carruagem, mas pelo trabalhado “suspense” oferecido a um espectador com conhecimento suficiente, por exemplo, de que a personagem de Anabela Caetano tem destreza física e experiência para lidar com tão incomoda situação). E são estas constatações, este peso concentrado que nos faz duvidar de tudo e de todos. Perdemos a inocência, fiquemos só a aguardar pelo inesperado, com a fé de este “incógnito” resgate-nos deste estado de existencialismo passivo.
Esses sentimentos, meus amigos, são apenas sinais. Sinais de que chegamos à “próxima paragem”, à fase adulta, ao início da maturidade que muitos esperam que atinjamos. Mesmo assim, é na maturação que “28 ½” afasta-se, a passos largos, de “O Primeiro Verão”. Adriano Mendes já não acredita em “encenações em frente ao espelho”, ao invés disso, acredita que tudo é passageiro, incluindo a nossa existência.