Um beijo húmido na improvável sororidade
A proximidade com que o espectador ocidental se envolve nesta história de hormônios e crushs faz com que “Girls Will Be Girls”, a primeira longa-metragem de ficção de Shuchi Talati, seja vista como mais um típico coming-of-age proustiano de uma jovem de 16 anos, aluna exemplar, que cede às tentações do seu corpo, disciplinado por um sistema educacional e familiar que o corpo, disciplinado pelo sistema, seja educacional ou familiar o dispõe, responde. Os estímulos estão lá, desde os beijos praticados nas costas da mão, seja nos estudos atentos aos órgãos reprodutores ilustrados em manuais ou outras ‘didactices’ de forma a explorar as possibilidades desse vasto universo da sexualidade, ou pelas escapadelas longe dos olhares alheios.
"Girls will be Girls" anseia por ser um produto bem-comportado, rígido na sua própria doutrinação, mas nas entrelinhas deparamos, tal como a protagonista, num filme com desejo de romper as suas amarras, da assertividade da sua aprendizagem enquanto "promissora jovem", e da repreensão sexual. É no fundo um foge-e-esconde amoroso, com secretismos românticos, ou sexo entre a descoberta e a clandestinidade, sobre uma figura reflexiva da sua sociedade ultra-controlador e disciplinar numa gradual emancipação, e para essa via requer-se uma cumplice, aliás a anterior antagonista, a mãe (Kani Kusruti, "All we Imaginas as Light"), enfiada acidentalmente numa espécie de triangulo amoroso imaginário, ou quem sabe, o desejo de um Lolita inversa como pílula de uma juventude igualmente negada.
Distanciadas por gerações, interligadas pela sua oposição criada por essa linha que as descompõe enquanto mulheres exemplares, encontramos, sim, em "Girls will be Girls" um filme feminista, no sentido em que elas despertam da sua sonolência social e entendem que para progredir frente às adversidades prometedoramente incólumes a união [sororidade] é a solução, mas até lá é uma dança pelo crescimento, pela revelação dos corpos, sentimentos, da lasciva condição o qual nos mantêm humanos. E por essa sensibilidade, o filme desliga de qualquer indicio de panfletarismo, daqueles hoje injectados no proclamado "cinema feminista", detendo nem um esforço de subtilidade.
A urgência dos tempos, quase distópicos de retrocesso, talvez comprometa a mais ensaios desse tipo, denúncias de imediatismo e de clarividências fáceis, mas no cinema, ler para além do óbvio é também um exercício necessário para o espectador. Para que este não se torne um mero exemplar binário e polarizado, e sim o espectador crítico. "Girls will be Girls" triunfa pela sua disposição de ser codificado e de ser sentido como uma experiência coletiva e por vezes longínqua do nosso ser.