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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Tudo bons "fanboys" ...

Hugo Gomes, 25.04.19

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Fugindo do conceito de super-heróis e consequentemente do Universo Cinematográfico Marvel (MCU) abraçado pelo produtor e presidente dos estúdios Kevin Feige, deveremos referir-nos a "The Avengers: Endgame" como uma afirmação dos chamados "filmes-evento". Algo que Hollywood fazia com frequência na sua época de ouro e entretanto se tornou escasso (só filmes como "The Lord of the Rings", “Avatar”, “Jurassic World” e “Star Wars: Force Awaken” podem ser inseridos neste grupo no século XXI).

Nesses termos, os Vingadores (e companhia) contrariaram a tendência da queda de espectadores, levando milhões às salas e perpetuando um legado que se torna num círculo íntimo para quem o vive com tamanha dedicação: a chamada "base de fãs". E podemos apontar para uma geração "marvelesca", que atende a cada episódio como um ritual religioso.

Porém, nem tudo são “rosas” neste panorama. Existe um agravamento de monocultura, desde a corrida aos bilhetes que deixam outras propostas sem receção (os multiplexes acabaram por preferir estes filmes com receitas garantidas), à generalização de uma produção industrial que se baseia (e baseará) nos moldes vencedores deste franchise, condensando as fórmulas vencidas. Sim, o Universo Marvel tem tanto de virtuoso como de perigoso para a diversidade e difusão cinematográfica. Mas neste momento, o leitor, que provavelmente acompanha este universo desde o "Iron Man" em 2008, pergunta com algum desprezo “o que é que isso me interessa?”. Até porque o presente tem que ser vivido e como tal, cumprindo a cultura do “no-spoiler” (que não é dos tempos atuais, visto que em 1960, para “Psycho” de Alfred Hitchcock, também existiam normas especiais), aqui vai uma tacada neste encerramento de uma fase que prolongou por 11 anos e 22 filmes.

A verdade é o que tornará para muitos “The Avengers: Endgame” numa “obra-prima” é essa afinidade e acompanhamento por parte do seu público fiel. Os super-heróis deixam de ser meras personagens, são agora família. Os conflitos ultrapassam a narrativa e tornam-se seus. Vivem, choram e riem com eles. Tudo isto atribui um senso de exclusividade a estes fãs... que se sentem especiais nestes seus mundos. Obviamente que em torno deste carinho pelos filmes existe uma tendência de proclamar o cinema como uma só hélice - a oleada máquina (aliás, bem-sucedida) que a MCU conquistou nos últimos anos, principalmente a partir de "The Avengers" (2012). E este “Endgame” tinha todas as razões para contradizer a formatação dessa máquina, por ser o anunciado fim de um ciclo, sem deixar igualmente de ser fiel à sua tradição, o que consegue através de calculadas jogadas para completar o seu “grandioso” puzzle, num malabarismo temporal que nos guia por ondas antológicas e nostálgicas em relação a toda a saga.

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Nesse equilíbrio criativo nada original, “Endgame” funciona como um evento por si só. Infelizmente, a sua pausada postura, que se saúda e beneficia claramente algumas personagens e relações (Chris Hemsworth é triunfal como um Thor que ganha tragicomédia a olhos vistos), é abandonada, como aconteceu noutros filmes do Universo, com a chegada de um terceiro ato.

Um pecaminoso terceiro tomo que nos revela as fraquezas deste género. Desde o “fan-service” que espezinha qualquer subtileza no seu clímax (por vezes as batalhas cruciais são as menos épicas e isso é lição que a Marvel nunca estudou) à mudança brusca das motivações do vilão Thanos (o seu “ativismo” era o motor de engrenagem de Infinity War), que nos levam a um aborrecido e pouco subtil (ou original) festim de efeitos visuais, ao nível dos mais sofisticados videojogos.

Por fim, uma elipse que alimenta ainda mais do saudosismo, essa sensação que começa a tomar conta do espectador que também é fã: a despedida é amarga, por vezes doce e tende a assumir-se como uma lamechice embirrenta, como a de uma criança que não deseja partilhar o seu brinquedo predileto. Mas “Endgame” encerra um ciclo, possivelmente um reinado, e é capaz de fazê-lo de uma maneira honesta, dentro do pretensiosismo capitalista da sua megalómana produção.

Neste "embrulho", que cada vez mais anuncia a saturação dos seus modelos (“Captain Marvel” foi a premonição), os irmãos Anthony e Joe Russo contornam o automatismo e constroem um espetáculo previsível, mas também sincero para com as expectativas destes milhões de “fanboys”. E isso... é o que mais interessa neste momento. O cinema, esse, discute-se depois...