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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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"Tu cuerpo es fuego. Solo fuego destructivo"

Hugo Gomes, 28.05.20

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Há uma sequência-chave, que soa como infiltrado nos propósitos das personagens e dos seus respetivos enredos, porém, colocam um “ponto no i” quanto à natureza deste “Ema”. Aí, Gael Garcia Bernal, na pele do coreógrafo Gastón, repreende as suas dançarinas e ex-amante, em relação às suas cedências ao reggaeton, referindo a moda musical (proclamado sob uma conotação de “praga”) como um instrumento que aufere uma falsa sensação de liberdade, um analgésico temporário às nossas prisões interiores, ao mesmo tempo que difunde a objetificação da mulher. Este seu discurso é sempre acompanhado por um olhar reprovador das meninas que nunca questionam os movimentos sintetizados por uma batida arrítmica o qual executam na “rua”. O filme faz esse valor de juízo pelas palavras de Bernal, mas é através dessa ideia de melodia engasgada que assume o seu perpétuo template.

Ema” é, como se tornou cliché afirmar, um objeto incendiário pronto a destruir e a autodestruir-se em prol de uma burlesca imagem libertária alicerçada a uma entidade redentora equivocada, e aqui entra Ema – a personagem, interpretada por Mariana Di Girolamo – a anti-heroína delinquente que desafiará o tradicionalismo ao seu redor como também das suas próprias e instintivas decisões. Ela e Gastón eram um casal que enfrentava o peso da inconcebível projeção de serem pais (visto que ele é infértil), sendo a adoção o único remédio para os seus males. Contudo, devido a um acidente que incendiou a sua casa e queimou parte do rosto da irmã de Ema, a criança foi devolvida à instituição, colocada novamente em adoção, tendo agora encontrado uma nova família.

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"Ema" [o filme] inicia sob esse contexto e parte pelo naufrágio da relação e as consequências posteriores destas ações, isto depois de “chocarmos” de frente com a abertura-metáfora, com Ema [personagem] munida de lança-chamas e um semáforo de trânsito consumido pela fúria das chamas. Através deste vislumbre, sabemos à partida que isto será uma obra opositora à normalidade, à constante regulamentação social, mas para o chileno cineasta Pablo Larraín (“No”, “Neruda”, “Jackie”), cuja política é visível em todos os elementos e gestos, "Ema" [agora sim, o filme] é uma ode ao anarquismo como transversalidade aos mais diversos movimentos. Não vamos aqui proclamar o feminismo que diversos órgãos têm publicitado com facilidade, Larraín não cometeu um filme desse mesmo teor, apenas uma fantasia justificada embelezada pela sua estética de videoclipe, que nos aufere a liberdade artificial de um provocador circunscrito.

Por outras palavras, “Ema”, quer filme e personagem, é um sintoma de um ativismo farsola de quem deseja rebelar-se sem planos futuros. É como o trio de “Os Sonhadores” (“The Dreamers”, 2003) de Bernardo Bertolucci, que falavam de mudanças, revoluções e uma nova era suscitada pelas suas ações, mas que se refugiavam no seu palácio de conforto e prazeres. Ema, pode não possuir esses privilégios quase burgueses, é apenas um grito de rua originado pelo desconhecimento do seu próprio ambiente e da questão politizada que a cerca.