Trabalhar cansa ... até depois de morto
A cor berrante, viva e artificialista não deixa margem para dúvidas: “The Plague of the Zombies” (1966) é um filme do estúdio Hammer, o único da produtora centrado em mortos-vivos, estreado dois anos antes da abordagem inaugural e carnívora de George A. Romero em “Night of the Living Dead”, e, possivelmente, um dos últimos filmes a apresentar zombies com contornos haitianos, antes de a temática se transformar em desconstrução ou tributo (recorde-se o muito esquecido filme de Wes Craven, “The Serpent and the Rainbow”, ou a reinvenção imagética de Bertrand Bonello, “Zombi Child”).
A história decorre numa província remota da Cornualha, onde o médico local, Dr. Peter Thompson (Brook Williams), incapaz de lidar com o aumento da mortalidade em circunstâncias estranhas e medicamente inexplicáveis, pede ajuda ao seu mentor, Sir James Forbes (André Morell, que já havia sido inspetor em “Stage Fright” de Hitchcock). Forbes parte de imediato para a aldeia, acompanhado pela sua filha. Ao chegar, depara-se com um culto estranho em torno de um novo fidalgo que, segundo rumores, viajou para as Caraíbas e voltou lá “renovado” e sob novas ambições. Além disso, há uma mina desativada envolto em mau agoiro.
Este é um dos filmes mais politizados da linha de produção pela qual o estúdio Hammer ficou conhecido, isto, à boa maneira do género, sintetiza questões político-sociais com elementos sobrenaturais e alegóricos. Neste caso, os zombies são escravos sob o controlo de feitiçaria negra, explorados por um “nobre” sem escrúpulos, um espelho distorcido do colonialismo british e das lutas entres classes e sindicais (a revolta do 'proletariado' zombie, a mais manifestada imagem da declaração política neste filme). Por outro lado, e em contradição, o heroi de glórias passadas, representado por Sir James Forbes, um "estrangeiro" de sangue puro-inglês, oriundo da “modernidade” que ele chama de cidade. Em terra alheia, ele impõe a sua sabedoria científica, teológica e detetivesca, ganhando de imediato a confiança das autoridades locais e, também ele Poder estabelecido, clerical. Com a Justiça ao seu lado e Deus no ombro, Forbes avança na sua investigação, sem prestar contas a ninguém. Talvez a personificação do "Poder" necessário, essa nova força política e “doutrinadora”.
Realizado por John Gilling (também responsável por “The Reptile”, onde a sua mulher-réptil faz uma breve aparição entre os zombies plebes, interpretada por Jacqueline Pearce), “The Plague of the Zombies” é uma extravagante fantasia que já soava caducada desde a sua contemporaneidade, chegando a nós como uma curiosidade mórbida no vasto catálogo de produções Hammer, tratando os mortos-vivos como vampiros góticos desbotados; a sequência da ascensão da defunta do seu túmulo respeita toda essa semiótica, já estabelecida pela produtora, e a solução proposta para o futuro (a criatura nunca mais seria a mesma), a decapitação, método drástico e radical para eliminar este mal obstinadamente moribundo.