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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Trabalhar cansa ... até depois de morto

Hugo Gomes, 11.09.24

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A cor berrante, viva e artificialista não deixa margem para dúvidas: “The Plague of the Zombies” (1966) é um filme do estúdio Hammer, o único da produtora centrado em mortos-vivos, estreado dois anos antes da abordagem inaugural e carnívora de George A. Romero em “Night of the Living Dead”, e, possivelmente, um dos últimos filmes a apresentar zombies com contornos haitianos, antes de a temática se transformar em desconstrução ou tributo (recorde-se o muito esquecido filme de Wes Craven, “The Serpent and the Rainbow”, ou a reinvenção imagética de Bertrand Bonello, “Zombi Child).

A história decorre numa província remota da Cornualha, onde o médico local, Dr. Peter Thompson (Brook Williams), incapaz de lidar com o aumento da mortalidade em circunstâncias estranhas e medicamente inexplicáveis, pede ajuda ao seu mentor, Sir James Forbes (André Morell, que já havia sido inspetor em “Stage Fright” de Hitchcock). Forbes parte de imediato para a aldeia, acompanhado pela sua filha. Ao chegar, depara-se com um culto estranho em torno de um novo fidalgo que, segundo rumores, viajou para as Caraíbas e voltou lá “renovado” e sob novas ambições. Além disso, há uma mina desativada envolto em mau agoiro.

Este é um dos filmes mais politizados da linha de produção pela qual o estúdio Hammer ficou conhecido, isto, à boa maneira do género, sintetiza questões político-sociais com elementos sobrenaturais e alegóricos. Neste caso, os zombies são escravos sob o controlo de feitiçaria negra, explorados por um “nobre” sem escrúpulos, um espelho distorcido do colonialismo british e das lutas entres classes e sindicais (a revolta do 'proletariado' zombie, a mais manifestada imagem da declaração política neste filme). Por outro lado, e em contradição, o heroi de glórias passadas, representado por Sir James Forbes, um "estrangeiro" de sangue puro-inglês, oriundo da “modernidade” que ele chama de cidade. Em terra alheia, ele impõe a sua sabedoria científica, teológica e detetivesca, ganhando de imediato a confiança das autoridades locais e, também ele Poder estabelecido, clerical. Com a Justiça ao seu lado e Deus no ombro, Forbes avança na sua investigação, sem prestar contas a ninguém. Talvez a personificação do "Poder" necessário, essa nova força política e “doutrinadora”.

Realizado por John Gilling (também responsável por “The Reptile”, onde a sua mulher-réptil faz uma breve aparição entre os zombies plebes, interpretada por Jacqueline Pearce), “The Plague of the Zombies” é uma extravagante fantasia que já soava caducada desde a sua contemporaneidade, chegando a nós como uma curiosidade mórbida no vasto catálogo de produções Hammer, tratando os mortos-vivos como vampiros góticos desbotados; a sequência da ascensão da defunta do seu túmulo respeita toda essa semiótica, já estabelecida pela produtora, e a solução proposta para o futuro (a criatura nunca mais seria a mesma), a decapitação, método drástico e radical para eliminar este mal obstinadamente moribundo.