Todo o homem é uma ilha ...
Antonina Obrador, aqui na sua primeira longa-metragem, referiu como influências demarcadas uma rota cinematográfica que vai desde a naturalidade sobrenatural de Apichatpong Weerasethakul ao tempo esculpido com laivos de realismo mágico de Tarkovsky, referências essas, que convergem como uma tendência crescente entre os “nuestros hermanos” nomeadamente o cinema galego com Lois Patiño na lide e Oliver Laxe sempre à espreita. Mas “Quest” é uma obra oceânica que vê em terra firme o Mal, não de um jeito maniqueista induzido pelo fabulismo, mas como elemento da loucura dos homens, isto renegado pelo próprio barqueiro que conduz o nosso protagonista (Enric Auquer) para aquela remota ilha de nome Quest.
“O meu lugar é o mar”, referiu esse lobo-marinho perante a questão do seu passageiro quanto às margens detonadas no horizonte. Debruçado nesta local insular, a fauna e a flora detém um tom de mistério para o nosso, e trágico, aventureiro determinado em decifrar, enquanto lida com os espectros do seu passado e alguns truques pregados pela sua mente (supostamente). Nessa sua solidão voluntária, procura por entre frutos silvestres ou plantas de duna, uma flor avermelhada, que segundo as lendas que lhe chegam, florescem apenas uma vez na vida, como prenúncio de uma Lua Vermelha (coincidente com o tal Lois Patiño?), e por sua vez, apontando para uma gruta mágica, novamente constando, uma fonte de água fresca que sacia o arrependimento e condena para toda a eternidade a sede daqueles que não se filiam a tais sentimentos.
Obrador faz desta terra, deste protagonista, desta história, deste testemunho de tempo infinito num recreio de “faz-de-conta” e conduz sobretudo o olhar do espectador à sua descrença, confrontando-a, desafiando-a e a relegando-a para segundo plano. “Quest” faz parte desses filmes que aproveitam o seu espaço e o seu cenário [a povoada ilha de Maiorca] como uma outra realidade, uma mágica intenção de visionar, procurando presenças onde elas parecem não existir. Faz isso, sem recurso ao facilitismo das técnicas em vigor do mercado e das indústrias, respeitando, claramente que sim, a interpretação do espectador, a sua imaginação e a sua inteligência, porque convém ressaltar, expandir a sua razão para o elo fantasioso é uma marca dessa capacidade sapiente.
É um “know how” entendido e de misticismo aguçado, e igualmente compreensivo, ou talvez cúmplice desse isolamento vertiginosamente degradante, nesses termos existe uma lição — nunca afirmada como tal — de Jean-Daniel Pollet (1936 - 2004), cineasta francês que tão bem condensou esse sentimento de soledade, e o trabalho nessa solidão e as suas consequências mentais com reflexo à fisicalidade dos seus agentes (“La Horla”, “Tu imagines Robinson”). Obrador soube tratar desses ensinamentos como ninguém e com as lições todas "estudadazinhas", a existência dos solitários como uma presença cristalizada, de suspensão à sua própria vivência ("Pode-se estar vivo sem estar vivo? Existir sem mudar ou morrer?"). Sabendo que o ser humano é naturalmente um ser só, é mau presságio para o conceito de sociedade.
“Quest” está disponível na Filmin de dia 07 de novembro a 07 de dezembro, o filme integra a programação do festival online Atlàntida Mallorca Film Festival