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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Toni Servillo: "discordo desse estatuto de ator político"

Hugo Gomes, 11.05.23

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Toni Servillo em "La Stranezza" (Roberto Andò, 2022) 

O nosso "Jep Gambardella"! Com um charuto entre os lábios e uma expressão descontraída, talvez influenciada pelo clima ameno, antecipando o verão em pleno abril, ele recebeu-me a mim e ao jornalista Roni Nunes na sala de reuniões do Hotel D. Pedro. A sua visita coincidia com a celebração do Festival de Cinema Italiano, onde iria apresentar as sessões do seu mais recente filme - "La Stranezza" - novamente dirigido por Roberto Andó ("Viva La Libertà"), onde interpreta a icónica figura do teatro italiano, Luigi Pirandello, e na do filme que marcadamente fora seu primeiro protagonismo no grande ecrã. Curiosamente, este foi o primeiro trabalho em conjunto com Paolo Sorrentino, numa obra intitulada "L'Uomo in Piu" (2001), que viria a ser o "início de uma bela amizade", para citar Claude Rains num célebre clássico americano.

Toni Servillo tem sido cobiçado desde a primeira edição do festival, e não é para menos, pois é atualmente um dos atores mais requisitados e prestigiados do panorama cinematográfico. Aproveitando o convite, ele presenteou o público do Teatro Maria Matos com uma interpretação de Dante, da autoria de Giuseppe Montesano. Servillo é um homem dividido entre o teatro e o cinema, alcançando grande popularidade com o filme "La Grande Bellezza", onde interpretou o jornalista Jep Gambardella, que nas noites tórridas de Roma buscava o que havia perdido ao longo da sua jornada pela vida. Este filme foi aclamado em Cannes e conquistou o Óscar de Melhor Filme de Língua Estrangeira, tornando-se hoje uma referência na carreira tanto do ator como de Sorrentino. No entanto, gerou amores e ódios, especialmente entre aqueles que o veem como uma pretensiosa aproximação a Fellini.

Mas "La Grande Bellezza" possui um espírito audaz e tumultuoso, moldando Servillo numa espécie de Jep amado e desgastado. Tudo o que se seguiu está de alguma forma enraizado nesse registo, assim como no afastamento desse papel. Depois disso, o ator foi Silvio Berlusconi num ambicioso projeto do seu amigo Paolo ["Loro", 2018], interpretou um detetive pouco convencional no thriller "La ragazza nella nebbia" (Donato Carrisi, 2017) e deu vida a dois ícones da dramaturgia italiana: Eduardo Scarpetta em "Qui Rido Io" de Mario Martone (2021) e agora, Pirandello na sua busca pelo autor na nova colaboração com Andó.

Segue-se a conversa gerada a partir do nosso encontro:

Em “La Stranezza”, Luigi Pirandello é descrito como um homem austero, um pouco melancólico e vivendo uma crise criativa. Como surgiu a composição desta personagem?

Pirandello era, sem dúvida, um homem austero, e embora eu não saiba se ele era melancólico, certamente era profundamente inquieto. Essa inquietação tinha raízes tanto em sua vida pessoal quanto em sua vida intelectual. E é exatamente essa jornada criativa desse homem, que tinha em mente o que ele chamava de "verdadeira estranheza", antes mesmo de transformá-la em sua célebre peça "Os Seis Personagens à Procura de um Autor" ("Sei personaggi in cerca d'autore"), que quisemos explorar neste filme.

Pirandello concebia um mecanismo dramatúrgico novo, revolucionário e nunca antes visto. A ideia brilhante de Roberto [Andó], juntamente com seus co-argumentistas [Ugo Chiti e Massimo Gaudioso], foi desenvolver esse mecanismo inédito a partir do encontro com uma companhia de teatro amador, que o convidam para assistir a uma de suas apresentações. Ao observar esse espectáculo, Pirandello contempla uma mescla entre o que acontece no palco e o que acontece na vida real.

Outra das características do filme é que a fronteira entre o dramático e o cómico é muito ténue e, de facto, no filme trabalha com uma conhecida dupla de comediantes [Salvatore Ficarra e Valentino Picone]. Como correu esta mistura de tons?

Foi precisamente essa ideia que fez deste filme o mais visto em Itália no ano passado, alcançando uma receita de 5.600.000€ nas bilheteiras. Este feito foi um marco pós-pandémico extremamente importante para o cinema italiano. O público ficou surpreendido pelo facto de termos um filme cujo centro é uma figura incontornável da literatura italiana, Pirandello, e que conta com dois dos nossos comediantes mais carismáticos. Este facto quebrou o preconceito de que o "cinema de autor de festivais" não é acessível ao público em geral.

Acredito que essa surpresa tenha conferido ao filme uma imprevisibilidade e, consequentemente, despertado uma curiosidade benéfica, equilibrando o seu apelo tanto para os amantes do cinema mais culto como para o público em geral. Acima de tudo, trata-se de uma obra contemporânea, capaz de unir esses dois elementos de uma forma única.

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Toni Servillo em "La Grande Bellezza" (Paolo Sorrentino, 2013)

Visto que interpretou Eduardo Scarpetta no filme de Mario Martone [“Qui rido io”] e agora Pirandello, além disso apresenta uma longa carreira teatral, gostaria de saber como se sente ao interpretar estes grandes vultos do teatro italiano, e se leva a sua experiência teatral para a produção desses mesmos filmes? 

Bem, essa coincidência surgiu do facto de ter trabalhado com dois realizadores que, tal como eu, são devotos do teatro. Foi uma verdadeira honra fazer estes filmes sobre duas figuras tão distintas, mas de extrema importância para a história do Teatro Italiano. Mais do que isso, foi uma alegria imensa, pois amo o teatro e continuo a praticá-lo ao mesmo tempo que me envolvo no cinema contemporâneo.

Ambas as artes sempre estiveram presentes na minha vida, especialmente após a pandemia. A emoção de ver as salas de cinema e teatros gradualmente a encher novamente, como nos velhos tempos, é indescritível. Para mim, o teatro representa uma oportunidade de encontro entre pessoas, de debate, uma celebração dos sentidos e da inteligência. Foi, sem dúvida, a mensagem mais bela que nós, homens do teatro e do cinema, pudemos transmitir ao público através destes dois filmes.

Na Festa do Cinema Italiano apresentou a sessão de “L'Uomo in Più”, o filme inaugural de Paolo Sorrentino e o início de uma conhecida colaboração que ainda hoje perdura. Que impacto o filme teve em si, e na sua carreira? E já agora, é mesmo você que canta?

Sim, canto [risos]. Lembro-me, em primeiro lugar, que essa foi a primeira vez em que assumi toda a responsabilidade de ser o protagonista de um filme. Recordo com imenso prazer e carinho essa experiência. Desde o início, senti o apoio e testemunho dos pensamentos do Paolo [Sorrentino], que me incentivou a expressar minha própria face, minha forma de me movimentar. Durante a realização desse filme, essa conexão foi muito intensa e, acima de tudo, após o entusiasmo que ele gerou no Festival de Veneza, sendo a estreia de um autor jovem e talentoso, e posteriormente em Cannes, com 'Le conseguenze dell'amore', onde o filme competiu. Foi nesse momento que percebi que estava iniciando uma grande aventura..

Nessa aventura deparamos com “La Grande Bellezza”, o maior êxito da vossa colaboração. O que mais recorda desse filme? Imaginou que teria o impacto que obteve?

Olha, o que mais me recordo deste filme é que a vida nunca deixa de nos surpreender. Quando o fizemos, nunca, absolutamente nunca, imaginávamos que ele teria tanto sucesso. É fascinante como a vida sempre corre mais rápido do que o cinema, do que as nossas intenções, e nos surpreende continuamente. Foi realmente um presente que a vida nos concedeu, mas acima de tudo, uma enorme surpresa, uma surpresa gigantesca. Sentimos que estávamos a fazer algo que amávamos com alegria, mas jamais poderíamos imaginar que impressionaria tanto o público ao redor do mundo.

Mas porquê esse filme fascinar tanta gente? 

Digamos que ao usar Roma, com todo o seu encanto antigo como cenário, e ao simbolizar o fumo, com o seu encanto tão antigo, estamos representando uma perplexidade geral. E acredito que seja uma das razões que contribuíram para o sucesso deste filme. Ou seja, ao manter Jep Gambardella e Roma unidos em um sentimento de perplexidade, de oportunidades perdidas, de vidas cheias de beleza para aqueles que também estão ligados ao passado e à memória.

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Eu e Toni Servillo

Foi Giulio Andreotti em “Il Divo” e Silvio Berlusconi em “Loro”, ambos de Sorrentino, a juntar ainda as variações políticas de Roberto Andó, como “Viva La Libertà" e “Il Confessioni”, com isto pergunto, considera-se um ator político?

Não, discordo desse estatuto de ator político. Embora eu acredite que qualquer pessoa que escolha estar em público, independentemente da arte ou forma, assume uma responsabilidade política, como mencionou. Os filmes que citou estão ligados a uma tradição de cinema com um caráter político, proveniente de cineastas como Francesco Rossi ou Elio Petri, que conseguiram manter uma linguagem cinematográfica moderna e, ao mesmo tempo, influenciaram fortemente o debate político na época. De certa forma, estou inserido nessa tradição italiana bastante marcante. Além disso, é um prazer para mim fazer parte de filmes como esses, ou até mesmo como "Gomorra" de Matteo Garrone, que não foi referido, que é um exemplo bastante politizado na minha carreira. São filmes que levam as audiências a refletir e como acréscimo, sentir.

Já agora, anda por aí um rumor de que é um “workaholic” … [risos]

Nada disso, embora a minha mulher pense que sim! [risos] Na realidade, sinto-me privilegiado, sortudo em conseguir trabalho, o qual tenho colhido alguns frutos saborosos. 

E quanto a novos projetos?

De momento, em cartaz em Itália, tenho o novo filme de Gabriele Salvatores - “Il ritorno di Casanova”. Vou protagonizar o próximo título de Marco D’Amore, “Caracas”, ator da série “Gomorra” que se tem aventurado na realização, e ainda trabalhar com Stefano Sollima num filme chamado “Adagio”. 

2 ou 3 coisas que eu sei da cinefilia (ou possivelmente nenhuma) ...

Hugo Gomes, 07.05.23

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Espero que Godard não se revire na sua tumba devido a esta semi-apropriação, mas dou por mim a pensar no pouco, ou cada vez menos, se fala de Cinema nos dias de hoje. Cismamos numa sociedade gradualmente divorciada do Cinema enquanto ato ou evento cultural, sociológico e até mesmo político (para além do ativismo que se têm diluído com o capitalismo feroz), ou pela transladação de muitas dessas características aos produtos sob a máscaras de falsas-séries ou de "televisão do século XXI", porém, nem essa degradação que falo, e outros falam incessantemente. Digamos, que este texto não é mais que um desabafo - daqueles que surgem a meio da nossa existência como uma crise qualquer, de natureza identitária, existencial ou até mesmo artística (dou-vos de bandeja, os “calhaus” para o meu “apedrejamento”) - até porque tenho encontrado no “cinéfilo” um sujeito cada vez irritante. 

Primeiro, sigo pela básica ordem que o cinéfilo é um “amante de cinema”, um ávido consumidor (palavra pejorativa, eu sei), ou mais que isso, um cultuador de filmes e todos os seus adereços, que através dessa sua experiência adquire ferramentas para um conhecimento para lá do comum dos mortais desses mesmos territórios. Eventualmente, deparo-me com essa figura cada vez abstracta, por um lado, colhedor de um ego absolutista (falar de Cinema é falar dele e apenas dele), por outro é a ideologia a dominar os palanques discursivos: ora como o cinema deve ser assim e não assado, e do outro campo quem acredita que cinema deve ser assado e não assim. Dou-me por mim a odiar a “toca do coelho” que em certo dia tropecei e de lá nunca mais sai (nem desejo o fazer), porque o que constato é esta embirração pelas nossas confortabilidades. O cinema de arrojo que muitos anseiam sentir e a segurança das estéticas que outros apelam enquanto unidade de espectador, nenhuma destas facções diluem, nem embatem em discussões harmoniosas. É um confronto bélico, de um contra o outro, subdivididos por ligas, ora a modernidade e o clássico, novamente inimigos, sem reconhecer as suas ligações venéreas. 

Talvez isto seja meramente cansaço da minha parte, ou … a cinefilia chegou a um estado de intensa exaustão. Conforme seja a realidade, o que poderemos estar todos de acordo é que pouco falamos sobre Cinema, e devemos falar mais sobre o dito Cujo.

A crítica em marcha de retirada

Hugo Gomes, 25.03.23

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That’s what a critic is, not necessarily an expert or an authority, but a companion.A.O. Scott

Para muitos estes são os sinais do tempo, para outros as mudanças que vêm para ficar, sendo triste que tudo culmine numa gradual extinção de um cargo, ou mais que isso, num ofício de arte. Tenho debatido, quase incansavelmente, sobre o futuro e a possível natureza resiliente da crítica de cinema, e alguns e defensáveis gestos do qual proponho são ocasionalmente (vá, maioritariamente) incompreendidos como atos radicais (por exemplo, encaro as ‘estrelas’ e as respectivas pontuações como “cancros” e condicionadores do pensamento nesta forma). 

Entretanto, um dos veteranos críticos, A.O. Scott da The New York Times, decidiu abandonar o posto após 20 anos de ativo, e para justificar a sua determinada evasão, a plataforma lança este áudio [conversa preparada, digamos assim] em que explica os fatores que o motivaram a tal cisão. Entre eles, como é de esperar, a transformação do cinema “americano”, com a dominância de “franchises” (Marvel e Disney no centro das culpas, e não é por menos) e a "relevância" cultural ao streaming, como também o divorcio entre público e o Cinema propriamente dita, assim como zombies denominados de “fandom”, pouco democráticos por sinal. Há tanto por onde seguir e refletir, em Portugal, o que “resta” na imprensa especializada encontram-se nos seus “dias contados”, por exemplo, através da cobertura do último Festival de Berlim, no geral fraca, desinteressada em descobertas, ora por culpa dos órgãos que pouco espaço dão a este tipo de matérias, ora por responder a “interesses externos”, poderá ser servido como prova da “tese”. 

Saí do meio “especializado”, porque senti essa pressão, esse desinteresse, e de forma a não perder-me na “vulgarização” ou despersonalização decretei a minha "evacuação". Nesta minha experiência, o que percebi é que ninguém quer saber de Cinema, apenas os regentes "tentáculos" do seu marketing, e desta forma a reprodução e reprodução dos mesmos conteúdos. Encontro isso nos outros “órgãos”, cada um refém desses mesmos fatores.  São dores que parecem não interessar ao comum dos mortais (pudera, existe outros problemas mais importantes, dirão a maioria) e por vezes “falo sozinho” como alternativa em não aguentar as infelizes declarações de que a crítica de cinema serve exclusivamente “para levar as pessoas ao cinema” (não, simplesmente não, é mais que isso). 

A.O. Scott resumiu em 40 minutos de conversa esses Pecados, tão provenientes da crítica americana que se tem alastrado pelo resto do Mundo, e durante esse tempo confortei-me, por momentos, numa companhia agridoce. Não estou sozinho, apesar de constantemente sentir que estou a falar para o “boneco”.

Para ouvir aqui

Prémios Curtas - 1ª Edição

Hugo Gomes, 07.03.23

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Na próxima sexta-feira (10 de março) irá decorrer a 1ª Cerimónia de entrega dos Prémios Curtas, Auditório Fernando Pessa (Lisboa), apresentado por Rui Alves de Sousa (jornalista e radialista da Antena 1) e com exibição de três curtas-metragens (“Glória de Fazer Cinema em Portugal” de Manuel Mozos, “Arena” de João Salaviza e a animação “Nestor” de João Gonzalez [o mesmo de “Ice Merchants”, nomeado ao Óscar]). Integrei o júri em conjunto com Bruno Gascon (realizador de “Carga” e “Sombra”), Mia Tomé (atriz e radialista), Edgar Morais (ator), Inês Moreira Santos (crítica e blogger), Teresa Vieira (curadora, crítica e radialista da Antena 3), Rafael Félix (crítico) e André Pereira (videografo e editor de vídeo). 

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Os nomeados poderão ser conferidos aqui.

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A ressureição da Crítica de Cinema?

Hugo Gomes, 09.02.23

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Foto retirada do Facebook da Ifilnova - Instituto de Filosofia da Nova

Será que a crítica de cinema está mesmo morta? Como muitos desejam decretar? Aclamei, numa masterclass da Universidade da Beira Interior, em 2022, de que a Crítica de Cinema necessitava reconfigurar-se aos novos tempos e a solução seria “regredir”, ou seja regressar ao seu romantismo. Acredito que no futuro não haverá espaço para a crítica de cinema nos jornais e em outros órgãos de comunicação, porque neste jogo de poderes e  influências existe o sonho de tornar a crítica num “braço estendido" do marketing, portanto, é quase imperativo devolver a este ofício a sua capacidade e liberdade de pensar. Como tal, com curiosidade, essa vertente que me conquista mais e mais, integrei o curso de quatro dias na FCSH, uma atividade do OutLab/IFILNOVA, sobre isso mesmo … Crítica de Cinema.

Após três aulas, orientadas por Daniel Ribas, Luís Mendonça e Teresa Vieira, constatei, e com bastante agrado, a afluência das mesmas por jovens, ultrapassando, obviamente, o estabelecido limite de 30 integrantes. Sim, provou-se que a Crítica de Cinema não está enterrada, e ainda consegue ter a capacidade de cativar essa camada jovial, o próprio futuro da arte (porque sim, é uma arte, e o crítico o seu artista, mas isso poderá ser outro debate) está bem entregue à sua supervivência. Novos nomes surgirão com certeza, infelizmente não operarão nos tradicionais meios, mas também é necessário rompê-los, quer os Poderes estabelecidos, quer as ideologias que têm sido confundidas como Cinema (refiro obviamente a homogeneidade por vezes descrita do “que é o Cinema”).

Porque a Crítica mantém o cinema vivo, no sentido em que possa ser pensado, discutido e interpretado (multi-interpretado, para sermos exatos), preserva os cânones, questiona-os, e rompe-os. É a formação de um novo olhar, e acima de tudo, um aliado fiel à Sétima Arte.

Que venham daí esses novos Críticos, há muito para fazer!

Mais que canibalismos ...

Hugo Gomes, 29.12.22

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Ruggero Deodato

Foi num banco de jardim em frente ao Cinema de São Jorge, no qual tive a oportunidade de conhecer Ruggero Deodato, no meio dos festejos do MOTELx o qual se sintetizava como o ilustre “Mestre Vivo”, em 2016. 

Era uma “entrevista às três pancadas” arranjada pela equipa de comunicação do festival, mas curiosamente foi através daquele acaso, improvisado momento, que tornou-se especial, uma conversa maioritariamente educada numa noite amena que só o início de setembro consegue-nos dar. Lá estava eu, ao lado do meu colega Roni Nunes (ambos cobrindo o festival para o site C7nema) questionando o realizador por vias de trivialidades, até que num ato de fúria, insurge-se perante as comparações a Umberto Lenzi, conterrâneo seu também "especializado" em exploitation canibal (“Ma che cazzo, sempre Umberto Lenzi! Ma per che? Non posso piú!”). 

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Ruggero Deodato na rodagem de "Cannibal Holocaust" (1980)

Para Deodato, "Cannibal Holocaust”, a sua “obra-prima”, o seu filme-currículo, era mais que um objeto de selvajaria, era um choque entre o civilizado e o silvestre, e portanto, a questão permanente sobre o verdadeiro “bárbaro”? O nativo da floresta tropical ou o índio da selva de asfalto? São pertinências que pouco se atribuem a Deodato, salientando o preconceito em relação a um género e a um estilo, mas a verdade é que o seu filme, brutal e visceral (até hoje motivo de polémica pela crueldade animal, mantida no corte final), é uma comichão àquilo a que tornamos. Civilizados só de nome, somos mais selvagens que os próprios “selvagens”, porque aprendemos a destruir e a viver da destruição, e mais que isso a venerar essa mesma destruição. Narrativamente ou fora dela, “Holocausto Canibal” parte do pressuposto horror para nos aliciar a olhar, como um atrativo circense, e indignados ficamos no final da jornada dirigindo agressivamente ao realizador, porém o espelho está voltado a nós, não fomos obrigados apenas tentados ao apelativo engate dessa sedenta - Horror. 

Ruggero Deodato viu o pior de nós e disso fez uma obra. Hoje, tal criação concentra-se como uma Caixa de Pandora, como se a raiz desse mal residisse num mero “objeto” (neste caso filme). Talvez sentimo-nos melhores por isso, enganosamente melhores.

Ruggero Deodato (1939 - 2022)

"Chelas nha Kau" - Sessão especial no Cinema Fernando Lopes

Hugo Gomes, 20.10.22

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Amanhã, estarei no Cinema Fernando Lopes, em Lisboa, para moderar a conversa numa sessão especial de “Chelas Nha Kau”, um documentário produzido pelo Estúdio Bagabaga e elaborado pelo coletivo “Bataclan 1950”, sobre a relação do bairro com uma juventude em busca de novas oportunidades através da música. Na sessão estará presente Thiago Dantas, montador responsável do filme, Islu e Sandro Santos do “Bataclan 1950” e ainda José Falcão, da associação SOS Racismo. Pelas 21h30, apareçam!

Mais informação aqui

Segundo Take: "Irina Palm" entre António Araújo e Hugo Gomes

Hugo Gomes, 21.07.22

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Convidado (novamente) por António Araújo e o seu podcast Segundo Take para uma conversa sobre cinefilia, escrita de cinema, o quase desconhecido "Irina Palm" com Marianne Faithfull e os 15 anos do Cinematograficamente Falando.
 
Para ver ou para ouvir