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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

"Dance to me to the end of love"!

Hugo Gomes, 13.06.19

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8 1/2 (Federico Fellini, 1963)

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Scent of a Women (Martin Brest, 1992)

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Pulp Fiction (Quentin Tarantino, 1994)

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Mia Madre (Nanni Moretti, 2015)

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 The Lobster (Yorgos Lanthimos, 2015)

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Os Verdes Anos (Paulo Rocha, 1963)

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Le Notti Bianche (Luchino Visconti, 1953)

Há barafunda por debaixo das saias da Rainha

Hugo Gomes, 05.02.19

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Tendo a atenção da monarca como grande prémio, duas primas confrontam-se intelectualmente dando origem a uma rivalidade que atingirá patamares de mirabolante loucura. Esta é a premissa do novo filme de Yorgo Lanthimos, realizador grego que assinou algumas das obras mais atípicas desse território cinematográfico que nesta nova aventura por Hollywood procura o seu momento de emancipação.

A liberdade segue a passos lentos. Depois de “Alps” (2011) e “Canino” (2009), terem conquistado a atenção de uma comunidade cinéfila vasta - convém sublinhar a nomeação ao Óscar do último, possivelmente o mais doutrinariamente corajoso dos nomeados de Filme Estrangeiro pela Academia - Lanthimos em conjunto com o seu argumentista-cúmplice (Efthymios Filippou) partem para território norte-americano. Aí, a colaboração de ambos gera a distopia amorosa “The Lobster” (vencedor do Prémio de Júri no Festival de Cannes em 2015) e o não tão consensual “The Killing of the Sacred Deer” (2017). Ambas as obras detinham, não só, a incapacidade comunicacional entre as personagens, como também uma reinvenção dos códigos sociais. Por outras palavras, eram filmes “estranhos” para o público mais “mainstream”.

A cerne desta dupla poderia apanhar Hollywood por entre os dedos, enquanto depositam neste legado toda uma bizarrice metafórica dos nossos comportamentos mais animalescos. Enfim, depois do “Sacred”, realizador e argumentista rompem-se e cada um segue para o seu lado. Filippou é “recambiado” de volta para a Grécia e expõe o seu talento no drama “Pitty” (2018), já Lanthimos a jornada por este cinema ainda é uma partida.“The Favourite” não é só a quebra de uma criativa colaboração, é um Cinema cada vez mais longe das raízes demonstradas por Lanthimos e o eventual encontro para com uma herança hollywoodesca.

Já se falava de Kubrick na sua obra anterior - aquela Nicole Kidman em modo "rigor mortis" despojada na cama tinha refluências a “Eyes Wide Shut” - em “The Favourite” é “Barry Lyndon" como decoração e uma subsistência autoral no coração. E assim faz o que pode, usufruindo da escrita de Deborah Davis e Tony McNamara para transportar para o ecrã este arrojado filme de época sobre as aventuras e desventuras na corte da Rainha Anne da Grã-Bretanha (em pleno século XVIII), numa sátira que adquire contornos de violência emocional trazida por um trio de mulheres oriunda de diferentes graus hierárquicos. São elas que fazem a diferença. As atrizes - Olivia Colman, Rachel Weisz e Emma Stone – estabelecem um triângulo de relações acutilantes, que se laminam constantemente no decorrer da intriga.

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Porventura, é uma batalha de classes empregando os termos projetados do livro dentro do livro de 1984 de George Orwell. Em três classes diferentes, apenas duas se orientam posicionalmente de forma a garantir a preservação do ponto máximo da hierarquia. Ao jeito pingado, Lanthimos joga uma vez com políticas e as metaforiza nas imagens. Desta feita, essa representação é aplicada no trabalho conjunto deste elenco feminino … salienta-se … portento. Aliás, a questão dos atores insere-se como uma amarra rompida no cinema trazido desde então por Lanthimos. Os desempenhos mecanizados a que estávamos habituados em “The Lobster” e o “‘Sacred” são substituídos pela orgânica estratégia destas estrelas: o grego revela-se num exímio diretor de atores, o que compensa uma técnica que constantemente questionamos.

Preenchendo com diversos planos angulares e movimentos semicirculares por entre o eixo cénico de forma a captar a dimensão dos espaços confinados do palácio, este “The Favourite” é atualmente o seu filme mais desengonçado a nível visual. Falta-lhe a fluidez, aliás, dispensa-se essa atitude em prol de um desconforto voluntário. Mas este incómodo para com o olhar do espectador garante-lhe uma tendência de caos. Um vórtice caótico que nos oferece uma recompensa como solução final da metáfora. Um plano de constante transposição que serve de embate para todo este empregar de classes, com Lanthimos mais uma vez a utilizar os animais (neste caso os coelhos) para fabular o nosso foro sociológico.

É uma tentativa de emancipação a tudo o resto. Yorgos Lanthimos tenta reconstruir uma nova linguagem autoral dando frutos ao seu filme mais convencional, porém, diga-se de passagem, entusiasmante dentro do panorama atual de Hollywood.

Lanthimos, o caçador furtivo sem clemencia

Hugo Gomes, 22.05.17

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Yorgos Lanthimos incomoda, tira-nos o chão das nossas morais, desafia o politicamente correto e sob o jeito meticuloso e calculista conduz o espectador numa viagem para o além sentido. “The Killing of the Sacred Deer” é um filme frio, na sua teoria, onde as personagens, como é hábito na sua filmografia, comportam-se de forma mecanizada, operadas por um texto que não lhes condiz e movimentando planejadamente cada gesto.

Mas ao contrário do anterior “The Lobster”, a nova aventura de Lanthimos adquire um surpreendente sentimento de frivolidade colmatada, as personagens tentam gradualmente sair dos seus velcros, sonham alcançar a humanidade não reconhecida dos seus “bonecos”, até porque o realizador opera como um psicopata, psicologicamente falando, conhecendo as barreiras das éticas ocidentais e mesmo assim transpondo-as de livre vontade. Verdade seja dita, “The Killing of the Sacred Deer” não está longe do território do cinema de terror, muita vezes desafiante nessas questões morais, mas não estamos a referir um filme de terror, estamos a falar de uma estranha distopia de Lanthimos – não outra sociedade alternativa, e sim, a nossa realidade onde um elemento “alienígena”, algo impróprio, parece criar as suas raízes.

Tudo começa com um cardiologista (Colin Farrell), de família feita (esposa e dois filhos), que visita constantemente o filho de um falecido paciente, provavelmente culpado pela sua morte. O rapaz (Barry Keoghan) apresenta traumas psicológicos, o espectador fica na dúvida quanto a esses mesmos tormentos, até porque os maneirismos anormais confundem-se com a “normalidade” a lá Lanthimos (e do sempre colaborador argumentista Efthymios Filippou). Contudo, chega o momento em que percebemos que estes ciclos pretendidos corrompem-se quando o cardiologista é ameaçado por uma escolha. A escolha que o fará redefinir novamente como humano sentimental, ou talvez expondo a sua frieza no seu estado mais puro e esterilizado. Sim, essa escolha, essa difícil escolha requer a morte de um ente querido, e apenas ele terá que anunciar a sua mesma morte.

Lanthimos continua com o seu estilo obcecado pela estética, quase kubrickiana. Esta, limpa e mecanizada, uma banda sonora esquizofrênica (entre o rompante e minimalista, a condizer com o espírito do filme), personagens atípicas e aparentemente sem sopro de vidas, reféns da sua sociedade. A inovação de “Killing of the Sacred Deer” advém desse gradual rompimento com as suas próprias regras, conservando ainda o seu modo de provocar de maneira subtil, mas enganosamente explosiva o público. A vingança confrontada sob outra perspetiva e uma atormentada Nicole Kidman são os tiros certeiros para a morte deste “veado sagrado”.