Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

O beijo da discórdia

Hugo Gomes, 18.06.20

matthias-maxime-xaver-dolan-filme-beijo-gay.webp

Um beijo! O necessário para alterar radicalmente uma amizade de longa data, levando companheiros de infância a rever emoções reprimidas perante uma sociedade que se assume patriarcal. E o beijo, esse ato-chave que determinará o destino de Matthias (Gabriel D'Almeida Freitas) e Maxime (Xavier Dolan), surgiu durante uma farsa, um papel numa curta-metragem, o que permite a "Matthias & Maxime" fazer a a caricatura de um certo cinema presunçoso, mimado e intelectualmente inconsequente.

Mas partindo, por breves momentos, para fora do universo desta oitava longa-metragem de Dolan, deparamos com um cineasta mudado, mais maduro, pronto para reviver as memórias passadas e gloriosas, tais como as personagens, que resistem ao objeto estranho das suas vidas, desejando retroceder nessa questão de desejos. O realizador, portanto, anseia pelo retorno do seu estatuto de prodígio, conquistado aos 21 anos com a consagração da primeira longa-metragem (“J'ai tué ma mère”, apresentada na Quinzena de Realizadores em Cannes em 2009).

Vale a pena recordar que, a partir daí, seguiu um percurso artístico colado ao seu espírito pop, respondendo indiretamente aos cânones lançados pelos críticos e cinéfilos que o acompanhariam. Abandonou a ideia de se tornar num novo Orson Welles, que lhe fora constantemente endereçada por causa da tenra idade, e o “elogioso” encosto a Jean-Luc Godard com o ex-aequo do Prémio de Júri de Cannes com “Mommy” (até à data a sua obra-prima), onde expressou um comentário de desdém ao incontornável nome da Nova Vaga.

A atitude ditou, primeiro, o repúdio por parte de cinéfilos mais acérrimos e conservadores, e segundo, tornou evidente um ego inflamado que cegaria Dolan para os filmes seguintes: "Juste la fin du monde”, acolhido com apupos no mesmo festival que outrora o premiara, para além de um cansaço formal e umbiguismo no recalque dos seus temas-fetiches (famílias disfuncionais, com enfoque nas problemáticas figuras maternais, homossexualidade como tabu e aura artística e solipsista de jovens “marginais”); e um "filme de estúdio" que lhe correu ainda pior do que o esperado (“The Death & Life of John F. Donovan”).

Xavier-Dolan-9.jpg

Com isto, Xavier Dolan tornou-se numa figura “popluxo” apadrinhada por Hollywood, mas que demonstra em “Matthias & Maxime” uma determinação em se distanciar desse "Dolan-celebridade", garantindo um filme mais cercado de intimismo e habitado nos lugares frequentados pelo seu imaginário. Aqui encontramos a sua (bem-vinda) marca, desde as mães-monstros aos dilemas amorosas que remexem na sexualidade ocultada, passando pela distorção da masculinidade e, a nível estético, a cumplicidade da montagem de fins temporais com uma coletânea musical ao gosto nostálgico / pecaminoso de Dolan.

Matthias & Maxime” é essa pílula da cobiça para refazer caminho e seguir pelo seu tom característico. Talvez o ego magoado do (ainda) jovem realizador (31 anos) seja a cicatrizada lição para um futuro possível - a sua esperada transformação como autor, aquilo que, por momentos, admitimos nas luzes da ribalta de “Mommy” (2014). Infelizmente, os passos querem-se pequenos e cuidadosos, porque ainda temos contacto com um realizador de manhas, debatido com dúvidas existenciais. Uma delas é a qualidade técnico-visual: um descoordenado malabarismo de enquadramentos, planos que marcam um afastamento da ação central e estabelecem-se como voyeuristas nestas juras de compaixão (bem conseguidos), até aos graduais close-ups intermitentes que transmitem uma linguagem desalmadamente televisiva, pontuada pela vingadora "reality TV" (as qualidades “poplixo”).

Outras forças desmotivadoras a terem conta neste “Matthias & Maxime” são as voltas e voltas que Dolan dá para tecer o seu drama de descobertas amorosas e confrontos sentimentais. E de forma egoísta  e desigual, na perspetiva da sua própria personagem, atribuindo-lhe uma ênfase trágica que contrapõe com o Matthias de Gabriel D'Almeida FreitasApesar destas reservas, vale a pena contemporizar: são adversidades de quem se manteve longe da criatividade artística e perto dos holofotes precoces da fama. Positivamente, será este o caminho a seguir no seu cinema. Ainda há esperança para Xavier Dolan se redimir.

Tão Só o Fim do Mundo, os autores, as suas fraquezas, solipsismo e os seus egos

Hugo Gomes, 22.10.16

maxresdefault.jpg

A difícil arte de ser Xavier Dolan, as complicações geradas por ser aclamado em tenros anos e consecutivamente ao longo da sua, até então, imaculada carreira. Se por um lado, ouvimos constantemente citações de historiadores e outros especialistas cinematográficos de que um “autor, até a obra mais fraca é melhor que tantas de outros realizadores“ [a política dos autores, génese teorizada pelos Cahiers du Cinéma], por outro, através de reflexões sobre o sentimento vivido por este “Juste La Fin du Monde” ("Tão Só o Fim do Mundo"), um outro conselho surge ao meu alcance: “quando se gosta de um autor, somos os primeiros a admitir que ele errou“.

Porém, antes de começarem com as “pedradas“, questiono o seguinte, será correto considerar o ainda jovem franco-canadiano Xavier Dolan, num autor cinematográfico? Porque não!? Contudo, não é esta a derradeira questão aqui envolvida, aliás, muitos esperam que o nosso “cineastazito” prove de uma vez por todos que é digno desse título (sendo que em “Mommy” já havia provado que as aclamações precoces não foram um erro). Mas em “Juste la Fin du Monde”, a recente obra que ganhou mediatismo com os “surpreendentes” apupos na sessão de imprensa de Cannes, existe um claro tom de “auto-estima elevada“. Talvez tenha sido esta sensação de “triunfo antes do sabor” que causou o maior choque entre o então adorado Xavier Dolan e os críticos que apelidavam o seu novo trabalho como “desastre artístico“.

Adaptação de uma peça teatral de Jean-Luc Lagarde, “Juste La Fin du Monde” beneficia de um ambiente caótico de procrastinação, enquanto a intriga começa a ganhar forma, desenvolvendo para lado nenhum, dando a sensação de impotência e clara frustração ao espectador. Esta é a história de um escritor homossexual que vai encontro da sua família para anunciar a sua breve morte, visto que é um seropositivo de HIV. A respetiva família, que desconhecia o seu paradeiro e o estilo de vida levado a cabo pelo seu ente querido, tenta o receber da melhor forma possível, mas os assuntos inacabados, que o nosso protagonista deixou para trás, o confrontam.

presentation_juste_la_fin_du_monde.jpg

Sim, Xavier Dolan acerta na “mouche” quanto ao teor a ser invocado neste drama de complexidades familiares, mas o que não anteviu é que por vezes o cinema tem que desligar do palco teatral para assumir a sua vida emancipada. Resultado disso, evidentemente, é um esforço descomunal na caracterização dos seguintes personagens, inseridos num rótulo de morte anunciada, a outra é os desempenhos, prometedores mas “fogo de vista” face a uma claustrofobia descontrolada deste enredo de manutenção de relações afetivas.

Existem demasiadas pontas soltas aqui, obviamente que Dolan não irá resolver tendo em conta o respeito pela obra original, mas falta de extensão, do alinhamento, e da renegação com a artificialidade constrangedora com que tenta transformar drama de 2ª Arte para Sétima Arte, o leva para “becos sem saída” de criatividade intrínseca. Ao menos assumisse tudo como “teatro filmado” como Manoel de Oliveira sempre o fizera. Assim sendo, as personagens parecem “morrer” demasiado cedo, as atuações não se vingam perante tal voluntária barafunda (mesmo que Vincent Cassel, Gaspard Ulliel e Marion Cottilard mereçam destaque) e a técnica (fotografia, por exemplo) entra em conflito com o trabalho de escrita e de coordenação.

E assim chegamos a outra questão, será que a obra merecida dará a sua devida reavaliação, a revisão por novas audiências? Não nego, cheira-me a filme a ser valorizado daqui a uns valentes anos, mas também não é com esta “fruta podre” do cesto que nos vai fazer desligar do potencial de Dolan. Por isso, que venha esse “The Death and Life of John F. Donovan”, porque está provado que o fim do mundo não é matéria para o nosso realizador.

Os Melhores Filmes de 2014, segundo o Cinematograficamente Falando ...

Hugo Gomes, 15.01.15

É com algum atraso que revelo aqueles que foram para o Cinematograficamente Falando …, as 10 melhores obras cinematográficas de 2014. Distopias alternativas, relações complicadas, passeios pela História e visões únicas do Mundo em que vivemos, são estas os derradeiros filmes, tendo como base as obras estreadas comercialmente em Portugal nesse mesmo ano.

 

#10) Her

R.jpg

"Talvez seja um pouco herege enunciar Her como um dos melhores romances dos últimos 5 anos, porque mesmo sentindo a sua vertente romântica e deliciosamente encantadora há que reconhecer a sua discreta, mas mesmo assim, determinada faceta negra. Com uma banda sonora daquelas que fascina qualquer um, The Moon Song de Karen-O é um prazer lírico e poético, em Her de Spike Jonze é um prazer apaixonar, contudo refletir sobre os caminhos que o nosso mundo social segue a fortes passos."

 

#09) Enemy

GYL.jpg

"Em Enemy, Denis Villeneuve aposta e vence, um thriller de atributos invejáveis ditado por um estilo único e labiríntico. E voltando à questão inicial, sim, Saramago era bem capaz de adorar esta visão libertina e simultaneamente inerente da sua criação literária, uma tese de autor sobre outro autor. O regresso do cinema provocador num filme para quem acredita que o cinema pode ser profundo e ao mesmo tempo, esteticamente cativante."

 

#08) Nightcrawler

nightcrawler-reporter-na-noite.jpg

"Jake Gyllenhaal veste a pele de um "abutre humano" em cenário desumano de oportunidade e hipocrisia. Nightcrawler é o Taxi Driver da nova geração, porém, mais agressivo, negro e sem um ponta de esperança numa humanidade cada vez mais regida à fama imediata e aos enclausuramentos estabelecidos pelos tempos televisivos."

 

#07) Ida

MV5BMTQzNzY4NzA5Nl5BMl5BanBnXkFtZTgwMTk1OTk4MDE@._

"Ida é um filme diatómico, um projeto amargurado e melancolicamente simbólico que nenhum país gostaria de ostentar na sua filmografia, mas que por um lado este é um trabalho de união que a Polónia tão bem concretizou. Uma jornada ao passado isentes de glória e drama digno hollywoodesco, existem poucos filmes assim."

 

#06) The Grand Budapest Hotel

896044.jpg

"Depois desta demanda, talvez a mais próxima da perfeição por parte de Wes Anderson, será difícil ultrapassar-se sem cair na limitação do seu estilo (fazendo lembrar o misterioso Terrence Malick). Enquanto não chega essa futura obra que irá ditar o rumo enquanto cineasta verdadeiramente acarinhado na indústria, Grand Budapest Hotel é uma fantástica aventura que nos remete ao misticismo do cinema, algo que parecia perdido.

 

#05) Mommy

mommy.jpg

"(…) em Mommy nem nos interessamos em salvações musicais, porque neste mundo confinado à entrega de um aos outros, Dolan é um "Deus" nada misericordioso, que não executa castigos divinos nem sequer recompensas. O magnetismo maternal, os fantasmas por trás desse mesmo deslumbramento, fazem de Mommy um filme de linguagem, de respostas sem perguntas e da afirmação de um realizador que por direito merece ser relembrado. Desencantado mas primoroso."

 

#04) Nebraska

alexanderpaynenebraska.jpg

"Agora também é verdade que esta pequena grande produção a preto-e-branco não funcionaria na totalidade se não fosse o seu elenco; um natural e simultaneamente soberbo Bruce Dern a apresentar a decadência temporal e Will Forte a surpreender no seu papel mais dramático, sem esquecer de uma divertida e arrogante June Squibb (impagável). Nebraska é um retrato humanista, emocionante e delicado, uma futura obra-prima do cinema independente norte-americano. Must see!"

 

#03) The Congress

1015033-ari-folman-s-congress-wins-european-film-a

"The Congress é um filme genial, extenso e nada tímido para com as suas próprias expressões e ideais, o anúncio da morte do cinema e da sociedade são arranques imaginativos e profundos para a confirmação de um dos mais proeminentes cineastas da actualidade. Depois da Valsa', chega-nos a solicitude."

 

#02) The Act of Killing

the-act-of-killing.jpg

Praticamente toda gente está a habituado a encarar o género do documentário com o formato das produções televisivas, mas enganem-se quem pensa que tal é apenas serviço pedagógico. The Act of Killing é o grande exemplo disso, uma veia onírica que abate o panorama real dos nossos dias, os medos de uma sociedade estampados sob um selo fantasmagórico. Aqui não há julgamentos, a ética é mera inutilidade perante a grandiosidade deste filme que nos remete ao mais negro da natureza humano. Corajoso, incisivo e na sua maneira de ser, poético

 

#01) La Grande Bellezza

R (1).jpg

"(…) Sorrentino é multifacetado na sua direção, por vias de mimetização (segundo as más línguas), consegue invocar Federico Fellini e o seu neo-realismo como também a veia satírica de La Dolce Vita, até aos planos algo simétricos e renascentistas de um Peter Greenaway. Ou seja, até na sua realização, Sorrentino incute a diversidade cultural, homenageando algum dos novos artistas, aqueles desprezados pelos puristas da Pintura e de outras Artes, que são os cineastas, porém sente-se em simultâneo um mise-en-scené por vezes digno do Teatro mais intimista."

 

Menção Honrosa: Nymphomaniac Part 1, The Broken Circle Breakdown, Gone Girl, Boyhood, Philomena