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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Na sorte do humorista, ou diria antes, do coveiro

Hugo Gomes, 04.10.23

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Uma das obsessões recorrentes de Ricardo Araújo Pereira é, sem dúvida alguma, o humor, e, concretamente, a pejoratividade associada ao ato de rir. Nestes constantes esquadrinhamentos, o humorista coloca em primeiro plano a gargalhada como uma expressão sombria, animalesca (na medida em que as nossas faces se transformam drasticamente perante ela) e, ao mesmo tempo, fúnebre. Rimos porque é nisso que nos separa do restante Reino Animal: a consciência da nossa mortalidade, e mesmo assim, a defraudação perante a efemeridade que é a vida. O riso é também um antídoto temporário para as dores destes tempos difíceis, para os males do mundo, como se os distorcêssemos numa espécie de contemplação à impotência. Talvez seja essa mesma negritude que o humor seja estabelecido, e consequentemente colocado na ofensiva a ideologias reacionárias ou puristas. É também através do humor que nos confrontamos com o lado mais perverso e mórbido da vida, como um 'coveiro' que observa com rigidez a morte que o rodeia, aceitando essa inevitabilidade, cujo rir, esse remédio, seja o de consolidar com os contornos humanos que sempre desejamos ultrapassar. 

Disto isto, não haveria pessoa melhor do que Ricardo Araújo Pereira para receber Woody Allen na sua mais recente passagem por Lisboa, mais precisamente na Cinemateca [no dia 14 de setembro], que há muito não via tamanha enchente. Na conversa que antecedeu a enésima exibição de “Manhattan”, discutiram-se os diferentes tipos de risos, humores e dores, e dessas diferenças surgiu uma aliança: a morbidez com que olhamos para a insignificância da nossa existência face ao definitivo ponto final, a Morte. Algumas semanas depois, estreia em território nacional - “Golpe de Sorte” (“Coup de Chance”) - o novo filme do nova-iorquino melindrosamente maldito, onde quer que passe (o único toque na controvérsia envolvendo a sua figura a que irei referir neste texto). Num primeiro ato, ele resume-se a uma tentativa de “filme francês”. Percorrer a Europa não é novo para o cineasta, tendo Londres, Roma, Barcelona e agora (repetentemente) Paris, cenários de albergue para os seus tiques e manias (ou será escape do outro lado do Atlântico?). 

No entanto, ao contrário do nostálgico “Midnight in Paris” (2011), Allen, possivelmente em jeito de sobrevivência, abdica de estrelas ou intérpretes 'americanizados' e 'abraça' o francês de gema (Lou de Laâge, Niels Schneider, Melvil Poupaud e Valérie Lemercier), polvilhando uma intriga com os rodriguinhos associados a um senso comum de “filme à francesa”. Enumera-se então: amantes, intelectualidades, poetas urbanos, filosofares sobre a existência ou as razões do ato, tudo resumido num postal à Rohmer de levar para casa. É uma visão bastante americana de Paris em particular, e França no geral, no âmago do cinema popularucho norte-americano. Woody Allen realmente se revela nesta deslocação, quando a sua tenebrosidade assume de uma vez por todas o guião, nesse ponto, o filme altera, seja em tom, em propósito, afastando-se do que até então era um 'wannabe’, optando por construir e trilhar territórios, como diria, mais allenescos. 

A culpa, a suspeita, a tentativa de um “crime perfeito” (ou algo parecido), elementos hitchcockianos que sempre estiveram presentes na sua carreira (com a recente memória de “Match Point” (2005) como exemplo), mapeiam esta nova colaboração com Vittorio Storaro (a melhor 'coisa' que aconteceu ao cinema de Allen desde Scarlett Johansson), que parece manter-se independente do registo habitual do acórdão cómico à Allen. Até porque é humor, e portanto, a morte funciona como um ingrediente válido, e Woody sabe disso como ninguém, mesmo nos seus, e ditos, “filmes menores”.

Sempre lhe invejei o cabelo!

Hugo Gomes, 13.06.23

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The Eagle Has Landed (John Sturges, 1976)

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Flashpoint (William Tannen, 1984)

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Hollywood Ending (Woody Allen, 2002)

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The Phantom (Simon Wincer, 1996)

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Once Upon a Time in America (Sergio Leone, 1984)

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Dead Heat (Mark Goldblatt, 1988)

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Smooth Talk (Joyce Chopra, 1985)

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Hair (Milos Forman, 1979)

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Prince of the City (Sidney Lumet, 1981)

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Deep Rising (Stephen Sommers, 1998)

 

Treat Williams (1951 - 2023)

Cinefilia e homicídios perfeitos

Hugo Gomes, 21.07.22

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Manhattan Murder Mystery (Woody Allen, 1993)

 

Carol: What about this: what if they had a big insurance policy, or something like that?

Larry: Too much Double Indemnity.

 

Há poucos dias, revendo Manhattan Murder Mystery, reavivou-se-me no espírito o aspecto central nesse filme de Woody Allen, a que não dediquei um pensamento estruturado da primeira vez que o vi. Falo das relações entre as personagens, claro, mas sobretudo da coreografia amorosa que se impõe, independentemente de haver aqui um casal bem estabelecido, Larry e Carol (Woody Allen e Diane Keaton). Quando uso a palavra "amorosa" não estou a referir-me ao taxativo lado romântico das relações, mas sim a uma determinada paixão em comum que desenha afinidades entre as personagens. Assim: Carol está excitadíssima com a possibilidade de viver ao lado de um assassino, e dedica-se a uma investigação descuidada com todo o apoio e participação do amigo Ted (Alan Alda), ao passo que Larry, atemorizado com a ideia de a mulher, possuída por uma ânsia detectivesca, estar a “infringir a Constituição americana”, prefere aprender póquer com a escritora Marcia Fox (Anjelica Huston). Para completar a dessincronia, Carol gosta de ópera, Larry gosta de hóquei – paladares individuais, mutuamente tolerados mas não partilhados –, e a certa altura ela reclama com o facto de o marido, editor, presumir que ela não gostava de literatura light (um prazer que o próprio partilha com Marcia Fox).

Há um esquema perfeito em Manhattan Murder Mystery para unir pessoas em torno daquilo que lhes desperta curiosidade e motiva diálogos animados. E é por aí que, inevitavelmente, entra na equação uma aragem romântica.

Ao refletir um pouco sobre isto, não consegui evitar aquele cliché de que só se ama alguém que gosta do mesmo filme (ou da mesma canção, como diz o outro). Não acho que seja assim, mas já lá vou. O que este filme tem de mais tocante, a meu ver, é o universo das paixões, específicas e quase solitárias, que conectam duas ou mais pessoas. E vejo ali muito da minha própria cinefilia desengonçada, que tende para o gesto de esbracejar, quando quero falar de uma cena ou de um detalhe que me intrigou, como quem aponta para uma prova de crime. Por exemplo, mesmo na noite anterior a ter revisto Manhattan Murder Mystery, estava num jantar ao lado da esplanada da Cinemateca, onde passava o Invasion of the Body Snatchers de Philip Kaufman, e dei comigo com bichos-carpinteiros a recordar momentos do filme só pelo som que vinha do exterior. Já quase no fim, falei com os convivas do cameo de Don Siegel e daquele grito final de Donald Sutherland. “Como é que te lembras disso?”, perguntou-me o Ricardo, com um espanto engraçado. Não o soube explicar na altura, mas acho que tenho um impulso para “decorar” imagens. Talvez seja uma mera habilidade forense.

By the way, nessa mesa de jantar estavam amigos que não estão sempre de acordo no gosto dos filmes, mas que gostam muito de cinema. Não é essa a magia que nos liga?

Voltando à base, escolhi o plano final de Manhattan Murder Mystery para ilustrar este texto porque corresponde ao momento em que Carol reconhece que o marido foi "surpreendentemente corajoso" na situação de risco que ambos experienciaram. Como se, de repente, a chama amorosa dos dois, qual Grace Kelly e James Stewart em Rear Window, se tivesse reacendido pelo efeito da aventura, ou melhor, pelo efeito da revelação de que Larry está no mesmo plano (concreta e simbolicamente) que ela, e sente na veia a adrenalina que ela sente, mesmo que com uma dose extra de neurose. Estão, enfim, em sintonia nesse bichinho nova-iorquino dos casos misteriosos. A sintonia que também define os amigos cinéfilos, pessoas que podem falar de um filme como quem fala de um homicídio perfeito – para mim, a cinefilia passa por esse reconhecimento no outro de um amor pelo cinema que não se rege por uma Constituição do Gosto.

Obrigada, Hugo, amigo cinéfilo, pelo convite que levou a este singelo exercício filosófico.

 

*Texto da autoria de Inês Lourenço, crítica de cinema do Diário de Notícias, revista Metropolis, À pala de Walsh e da Antena 2 - A Grande Ilusão - e com um mestrado em Cinema e Televisão pela Universidade Nova de Lisboa.

Considerações soltas sobre a crítica de cinema

Hugo Gomes, 15.07.22

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Celebrity (Woody Allen, 1998)

São inúmeros os exemplos, tanto na ficção como na realidade, reveladores da opinião desfavorável generalizada recaída sobre os críticos. “Odeio críticos”, ouvi uma certa figura pública nacional dizer num programa televisivo de há uns anos. “Bom, és um crítico, não és?”, respondeu Jennifer Jones ao Peter Bogdanovich quando este lhe perguntou o porquê de ela lhe nutrir uma antipatia pessoal. E há aquele momento do "Celebridades" do Woody Allen onde uma personagem relata: “Aquele é um crítico de cinema famoso. Costumava detestar todos os filmes. Depois arranjou uma namorada boazona e, agora, adora todos os filmes.”

Sejamos sinceros. Para a maioria das pessoas, a noção de crítico de cinema recai num destes dois campos: aquele onde o crítico é parodiado como um pseudo-intelectual frustrado, servindo-se da escrita como um veículo revanchista sobre os outros para a sua eventual ausência de talento artístico (como se a crítica não fosse, também ela, uma arte); e aquele onde o crítico se limita ao papel de guia Michelin cinematográfico, estendendo firmemente o seu polegar peremptório à clássica moda romana. De quem já tem uns anos disto, em verdade lhe digo, caro leitor: o primeiro caso é falso; o segundo, redutor.

Para mim, as melhores críticas de cinema (pelo menos, as positivas) funcionam como cartas de amor. Em ambos os casos, o que conta é o entusiasmo com que se fala do objecto amado, associado a uma certa habilidade, liberdade e cuidado na prosa com o intuito de exteriorizar as opiniões e impressões que este deixou no amante enamorado. É então acertada a política cahierista “quem gosta mais escreve”. Porque, quanto maior e mais genuíno for esse amor manifestado, melhor e mais bonita ficará a carta. Por isso, se há uma coisa que peço ao abrir uma crítica elogiosa, é que nela esteja expressa a emoção que o filme suscitou no autor do texto. Quer dizer que concordo com ele? Evidentemente que não. Mas os melhores críticos levam-me também a isso, a querer rever a minha opinião sobre uma determinada obra e a revisitá-la sob o ângulo deles, descobrindo o que numa primeira visualização me surgia encoberto.

“Bom, se uma crítica positiva passa por uma carta de amor, então, por essa lógica, uma crítica negativa não passará por um mero hate mail?” Nada mais falacioso. Uma crítica negativa é, acima de tudo, uma oportunidade para se ser construtivo, contribuindo no amadurecimento e evolução de, se não da obra dos artistas em causa, pelo menos do olhar dos leitores. Claro que alguns dos recursos estilísticos utilizados (como a ironia), tons (do indignado ao vitriólico) ou excessos de linguagem (saudades de um “Danny Boyle não conseguiu sentir mais do que o cheiro a merda. Cada um tem o nariz que tem.”) poderão dificultar essa intenção. Mas sentido de humor e outras idiossincrasias estilísticas só contribuem para afastar a monotonia textual, provocando uma leitura mais viva, estimulosa e cativante. Pois um crítico não é um agente publicitário. Não se deve folhear uma crítica de cinema à espera de se deparar com um reforço adicional a uma já volumosa campanha de marketing. Nem deve ser essa a razão para uma pessoa ler outra. Deve-se, sim, ler alguém pelo seu estilo e qualidade argumentativa. A não concordância com um crítico pode, assim, ser encarada como uma chance para pensar em raciocínios que vão em direcção oposta aos nossos, construindo (ou não) outros capazes de rebaterem os primeiros, ao mesmo tempo que se aprende um pouco mais sobre a História e a linguagem do cinema. É nesse sentido que uma crítica negativa pode levar à evolução do olhar dos leitores. 

Finalmente, há que dizer que a diferença entre um crítico e quem não o é está na capacidade de verbalização. Gostamos de um crítico que concordamos porque é capaz de verbalizar aquilo que vimos quando nos falta a perícia para o fazer. Por isso, haverá sempre no mundo essas pessoas com o direito a reclamarem, em sites e jornais, a dissecação dos seus sentimentos, opiniões e ideias em torno de um objecto estético, traduzindo a sua vida interior (e, quiçá, a de outros) de uma forma inteligente, articulada e bela.

São grandes professores, os críticos de cinema. Saibamos ser com eles grandes alunos.

 

*Texto da autoria de Duarte Mata, ex-crítico de cinema que colaborou em meios como C7nema e À Pala de Walsh.

Arquiteturas do olhar

Hugo Gomes, 27.11.21

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The French Dispatch (Wes Anderson, 2021)

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The House on Trubnaya Square / Dom na Trubnoy (Boris Barnet, 1928)

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Manhattan (Woody Allen, 1979)

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My Uncle / Mon Oncle (Jacques Tati, 1958)

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Rear Window (Alfred Hitchcock, 1954)

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Strike / Stachka (Sergei M. Eisenstein, 1925)

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WR: Mysteries of the Organism (Dusan Makavejev, 1971)

Woody Allen rodopia no seu próprio encanto

Hugo Gomes, 12.12.17

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Podemos reconhecer, a partir do ano 2000, dois fatores benéficos para a sobrevivência do cinema de Woody Allen. A primeira, Scarlet Johansson impulsionou um novo fôlego e dinâmica na cooperação entre ator/autor. É evidente que um dos melhores trabalhos do nova-iorquino nasceu daí, “Match Point”, um revisitar os temas de adultério e crimes passionais que havia estabelecido no seu “Another Woman” (“Uma Outra Mulher”). E como segundo ponto temos a vinda do diretor de fotografia Vittorio Storaro, cuja entrada no universo Woody enriqueceu esses emaranhados de histórias com uma visão preparada, cuidada, e sobretudo, atribuindo a artificialidade que o seu cinema há muito desesperava.

Nesse sentido, depois de “Café Society”, este “Wonder Wheel” (“Roda Gigante”) é, até à data, o filme que estabelece esse bem cooperativo, a fotografia que se enquadra no ambiente pseudo-fantasioso de Coney Island e que respira por vontade própria. O artificialismo referido assinala-se como uma leitura dessa mesma fantasia, o escapismo visual que indicia uma transformação. Deste modo, a fotografia de Storaro converte-se do dito requinte estético, o clima que nos transporta ao seu ambiente natural, para uma tendência de expressionismo. Os atores respiram através desta mesma imagem, das cores que nos transmitem, enquanto espectadores, uma atitude reativa em relação às suas emoções, pensamentos e, porque não, devaneios.

Mas fora do ponto visual, que nos saliva, “Wonder Wheel'' é um filme que curiosamente esclarece a veia de Woody Allen enquanto, sobretudo, argumentista. O seu apetite pela tragédia e a forma como a nos entrega, um exercício de dispositivos narrativos que maltrata as suas personagens. Estas, indiciadas como cobaias desse mesmo tubo de ensaio – a busca pela tragédia propriamente dita e de que forma atingi-la. Se é bem verdade que encontramos na personagem-guia (um nadador-salvador com apetite pelo dramático personalizado por Justin Timberlake) um espelho do Allen voyeurista, é também indiscutível que essa mesma raiz o condensa num marco de direção para o arranque desta desventura. As personagens vivem uma mentira, insinua a certa altura Timberlake, código genético destes peões que habitam no mais “fraudulento” dos locais, Coney Island.

Existe sobretudo uma rivalidade entre essas “mentiras” que disputam pelo quotidiano dos viventes, a feira que assume o décor e o cinema, constantemente trazido à baila, como uma alternativa aquela matéria algo circense. Estas feiras temáticas eram em tempos a prioridade na distração dos habitantes de Nova Iorque, porém, encontraram-se condenadas pela popularidade crescente das salas de cinema, pelo facilitismo da projeção e pela qualidade da experiência que se poderia experienciar aí.

Apesar da aparente extinção dessa Coney Island levada da breca, o Cinema poupou-o do esquecimento, conservou-o nas suas fitas, um tributo de um entretenimento ao seu antepassado. E acrescento, foi com Coney Island que o cinema norte-americano seguiu em passos na sua linguagem ao encontro do real, com “Little Fugitive” (Ray Ashley e Morris Engel, 1953). Contudo, em “Wonder Wheel”, a narrativa declara o seu fascínio trágico no qual circula ao encontro dessa mesma “ferida”. A tragédia assim proclamada como um substantivo sólido é a combustão dessa mesma trama, e a rainha desta, Kate Winslet, prova ser a maravilha disputada.

Talvez em “Wonder Wheel” deparamos com o início de uma nova faceta de Woody Allen. A ver vamos.

Being Woody Allen

Hugo Gomes, 11.06.14

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O quinto trabalho de realização de John Turturro é um tofu, um substituto a …, neste caso a um filme do Woody Allen, sendo que o realizador, ator e argumentista mimetiza e muito o estilo do consagrado autor nova-iorquino. Uma história decorrida numa Nova Iorque característica (pois bem!) onde o jazz é som predominante e com as eventuais divagações da personagem de Woody Allen (interpretado por ele próprio, sem apropriações de persona) e o tom descontraído e leviano como aborda sexo e religião, ingredientes que Turturro soube e muito recriar nesta pintura sob papel vegetal. Mas a questão permanece, com toda esta “cópia”, mais do que meras influências, será que resta alguma frescura em “Fading Gigolo”?

Nem sempre a cópia fica por detrás do original, um facto que foi destacadamente pronunciado na obra de “Orson Welles” - “F for Fake” - contudo no novo e exaustivo trabalho de Turturro assistimos mais a uma aspiração do que uma superação, aliás o realizador convertido joga-se em território simpatizante e não de competição. “Fading Gigolo” é uma comédia simplória, sujeito a rasgos momentos de genialidade delirante, mas que sobrevive duma ideia e é sobre essa mesma ideia que é limado, afinado e composto, sem nunca fugir demasiado da sua promessa enquanto filme. A história remete-nos ao italo-americano Fioravante (Turturro), decidido em envergar a profissão de gigolô após ter sido convencido por Murray (Woody Allen), o seu melhor amigo, mentor e neste caso … proxeneta … um “Cowboy da Meia-Noite” sem “walks on the street” e pretensões para ser produto de luxo.

Ou seja, é a partir deste mesmo resumo que cresce um filme malabarista com todas as referências de um cinema que desde cedo John Turturro não nega, aliás como já havia referido, é fascinado. “Fading Gigolo” tenta ainda incutir nas proximidades do seu desfecho uma crítica social sobre a opressão religiosa à Mulher, o resultado desta requisição é um mero acesso à veia mais emocional e moralista que o seu projeto idealizado tem para oferecer. Perde-se em tentar ser o que não é e eclipsa todo o potencial de cinema que Turturro poderia executar. Ao invés disso temos um filme para “amigos”, apenas dotado com alguma sensibilidade fílmica. Agora que venha o verdadeiro Woody Allen