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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Na noite de Lisboa, nem todos os filmes são pardos

Hugo Gomes, 28.02.22

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The State of Things / O Estado das Coisas (Wim Wenders, 1982)

Lisboa, menina e moça, ou será antes, Lisboa, madura e experiente? Quem me conhece, sabe bem do meu fascínio para com a capital. No entanto, não vou fazer disto uma ode à cidade que me viu nascer ou dos pontos “altos” e umbilicalmente turísticos que levam, e muitos, a encontrar deleite nas paisagens banhada do rio Tejo (ouve-se em "língua estrangeira" a denominação Tagus, um ser corrente e mítico, ou lá o que seja). A cidade com que me apaixonei e que cada vez mais me leva a procurar nela uma razão para permanecer nesse estado de encantamento, contrariando o “destino” que parece relembrar das impossibilidades do mesmo, é a mesma cidade “pintada” em muito do cinema mais crítico sobre da região, aquela sem medo de demonstrar a sua decadência mergulhada em noites soturnas, uma reunião de criaturas errantes e mal-amparadas prontas para aquele “copo” duradouro no balcão contínuo e estendido em cantos do Galeto, ou do sempre resistente (ou será “resiliente”, essa palavra em voga?) Cais Sodré, a agora ruela rosada situada a poucos metros das margens “ribeirinhas”. 

Uma noite de bons vivants, ou assim pensam ser, de perversos ou simplesmente incompreendidos que penetram nos peepshows de becos, “vejam, mas não tocam”, ou dos esquecidos, amargurados, os solitários vencidos pela derrota que olham com tamanho pessimismos à bebida servida à sua frente. A noite de Lisboa não é mágica, mas é saudosista por tempos áureos, o qual nunca existiram, apenas perpetuam como lendas inconformistas entre os “trovadores de tasca”. O cenário em desenvolvimento e de expansão em “Os Verdes Anos” (Paulo Rocha, 1963), com Rui Gomes e Isabel Ruth perdendo no seu interior - por entre labirintos de árvores em jardins de refúgio a salões de dança (num travelling único que desde a sua prova nunca mais o esqueci) - e cuja incompatibilidade de ambos leva o protagonista a procurar companhia numa cidade noturna cuja sua divulgação era impedida pelos altos-órgãos (“uma afronta à boa moral lisboeta”, imagino que pensaram desta forma). 

Mais tarde, nos últimos sopros do Estado Novo, essa Lisboa é capturada por personagens sem eira, nem beira, pontuadas pelas sardas de Maria Cabral como distrações para a sua crise existencial na “modernidade” levada da breca em “O Cerco” (António da Cunha Telles, 1970) ou do jovem curioso que resiste ao sedentarismo extraindo desse quotidiano falsos-profetas e Dulcinéias sem brilho em “Perdido Por Cem” (António-Pedro Vasconcelo, 1973), essa primeira longa-metragem contagiada pelos tiques da fervorosidade da Nouvelle Vague conservava uma noite sem dormidas, de encontros imediatos e espontâneos entre teatros à beira da ruína, residenciais de urgência para noctívagos sob o cuidado de um João César Monteiro de cerveja na mão e de jogos de póquer ilegais na companhia de Paulo Branco, aquelas apostas anteriormente acordadas em salões de bilhar. 

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Perdido por Cem (António-Pedro Vasconcelo, 1973)

Já na década de 80’, nos seus primeiros passos, Lisboa cedente à sua autodestruição, ilustrava-nos uma noite de atrasos culturais perfeita para “quem parou no tempo”, ou que devaneia com o inatingível. “Kilas, o Mau da Fita”, obra de sucesso de José Fonseca e Costa, título escorraçado pelo crítico da altura [Augusto Seabra], cercava ainda mais essa cidade cinzenta, de sex appeal pacóvio e de brandos costumes fingidos por uma libertinagem de moda. Os fura-vidas ou o típico alfacinha absorvido pela tentações de uma "metrópole" de bairrismo evidente e dos locais vincados não como passagem, mas de “segundas casas”. De braços abertos para receber os “fugitivos do dia” e aprisioná-los nos seus vícios. Esta capital caberia num dos êxitos da banda "Táxi" - “Sozinho” - onde a noite é mais que uma noite, uma cidade na camada de outra cidade, com os habitantes alternativos, hábitos alternativos e habitações alternativas, e a manhã indesejada porque nela pronuncia-se o fim de uma Lisboa oculta para o renascimento da Lisboa de postal.

Os “estrangeiros”, de certa forma, captaram esse “fado” proeminente, seja o escape de Wim Wenders ou de Christine Laurent, por entre rodagens e ensaios (“The State of Things”, “Vertiges”) respetivamente, os bares de cheiro a mofo soam abrigos para almas perturbadas, ou da transformação da cidade-portuária num porto imaginário onde marinheiros anseiam conhecer a sua derradeira sereia, em “A Cidade Branca” (Alain Tanner, 1983). Lisboa, o resgate de todos os pecados do mundo entranhados numa só arquitetura, com o Café Império, orgulhoso do seu vazio e ao mesmo tempo dos ocasionais clientes que aguardam sem vez, uma imagem imortalizada numa outra primeira metragem, “O Sangue” (Pedro Costa, 1989). "Sabes qual é a maior invenção do Homem?", a pergunta é feita repetidamente, do meu lado respondo Lisboa, sem sucesso. A década de 90 instalou-se, o encantado desencanto não vinga mais, a marginalidade revelou um outro tipo de “criaturas”, “leprosos” que servem como avisos por parte dos nossos pais para que as noites tivéssemos. Lisboa mudaria nestes anos e no fim dos mesmos, abrindo para a multiculturalidade e para o capital de outras coordenadas, o turismo em máximo expoente da ação. Paulo Abreu elaborou no seu ensaio docuficcional - “Alis Ubbo” - uma cronologia a essas metamorfoses, realçando a anterior “menina e moça” como uma resistente entre épocas. 

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Ramiro (Manuel Mozos, 2017)

Mas a noite, essa mesmo, regressou ao seu estado de desencanto, obviamente orbitando nos arredores dos eventos promovidos de uma cidade-modelo Time Out. Um público “fiel” aos “comícios improvisados” no interior do Galeto,dois dedos de conversas” que se alargam para imperiais e snack-bar de horas “ordinárias”. Um público fiel aos últimos redutos do Cais’, observando a sua juventude a fugir por entre os seus dedos, ao mesmo tempo que mentaliza o término dessa longa noite, de lábios aquecidos enquanto saboreiam um pão com chouriço. Um público fiel à última sessão do Nimas, após a projeção percorrem a Avenida do 5 de Outubro procurando o “cantinho aberto” para prosseguir a tertúlia cinematográfica, até porque são nessas mesmas noites que nascem as melhores dissertações sobre o Cinema, aquelas histórias ocultas ou as revelações sinceras, tudo isso acompanhado por aquele hambúrguer pós-meia-noite e da imperial tirada ao sabor da praxe. 

Esta é a Lisboa que muitos preservam, que dialogam em segredo e em código, e que lamentam pelas drásticas mudanças, aquele fecho ou figura sucumbida, a noite de outrora cada vez para lá da miragem. Essa mesmo, convertida em não-lugar nas mãos de Bruno De Almeida (“Cabaret Maxime”, 2018), ou na passividade rústica a mercê do seu desaparecimento em “Ramiro” de Manuel Mozos, aliás, o homem, que talvez por outra via, pensa em Lisboa como um território cinematográfico [“Lisboa No Cinema, Um Ponto De Vista”, 1994], e através dele recita os seus mais requintados contos. Ou será antes, pontos de vista?

Room Service!

Hugo Gomes, 09.06.20

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Chambre 212 (Christophe Honoré, 2019)

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Anomalisa (Duke Johnson & Charles Kaufman, 2015)

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The Best Exotic Marigold Hotel (John Madden, 2011)

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Don't Bother to Knock ( Roy Ward Baker, 1952)

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Four Rooms (Allison Anders, Alexandre Rockwell, Robert Rodriguez & Quentin Tarantino, 1995)

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The Grand Budapest Hotel (Wes Anderson, 2014)

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Home Alone 2: Lost in New York (Chris Columbus, 1992)

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1408 (Mikael Håfström, 2007)

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2046 (Wong Kar-Wai, 2004)

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The Shining (Stanley Kubrick, 1980)

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Some Like It Hot! (Billy Wilder, 1959)

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Room 304 (Birgitte Stærmose, 2011)

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The Bellboy (Jerry Lewis, 1960)

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The Million Dollar Hotel (Wim Wenders, 2000)

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Chelsea on the Rocks (Abel Ferrara, 2008)

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Hotel (Jessica Hausner, 2004)

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Love Steaks (Jakob Lass, 2013)

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Mekong Hotel (Apichatpong Weerasethakul, 2011)

Era uma vez … um anjo que cobiçava os Homens.

Hugo Gomes, 16.02.19

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Ele olhava de cima para estes minúsculos pontos em vanglória intensa, enquanto desperdiçavam a sua existência com futilidades. Mas o anjo não quis saber de morais, apenas desejava aquele (des)encanto, e acima de tudo a liberdade destes, a negação das asas, as mesmas que o mantinham preso ao seu céu. Tanto pediu que acabou por se tornar num eles; colorido, pecaminoso e efémero de desejos. Num ápice essas imperfeições converteram-se em qualidades. O anjo caiu, coexistiu com a gente mortal para depois, após ter experienciado todos os sabores da vida, voltar ao seu Reino. Se viveu feliz para sempre? Não sei, mas a eternidade foi lhe devolvida e agora é o “fruto” que mais lhe convém.

Para sempre nos nossos corações cinéfilos – Bruno Ganz

 

Cinematograficamente Falando ... 11 anos de vida!

Hugo Gomes, 27.07.18

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Paris, Texas (Wim Wenders, 1984)

Então, mas este estaminé faz os seus 11 anos de existência e nem celebro dia?!

Bem, sim, passamos a primeira década e continuamos em movimento, mesmo em modo lento. Enfim, mea culpa!

Agradeço a todos que me acompanham e que me ajudaram a tornar o Cinematograficamente Falando … naquilo que é hoje.

Muito obrigado! ;)

O Estado da Luta

Hugo Gomes, 18.02.18

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O Estado das Coisas (1982)

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Hammet (1982)

A denúncia é uma carta fechada no envelope que mais se enquadra, e Wim Wenders apenas a preparou da maneira que lhe mais condiz. O Estado das Coisas resultou nessa expressão, essa manifestação a três dimensões. A três, porque o filme refere uma ficção dentro doutra ficção que por sua vez sustentam um retrato de meta-cinema. As experiências vividas pelo realizador naquele que foi o seu primeiro projeto em terras americanas, Hammett, um retrato biográfico de Dashiell Hammett, cujo trauma foram as decisões artísticas frente a Francis Ford Coppola e a Zoetroppe, o produtor. A imposição de um preto-e-branco, mutável para com a natureza do filme, colocou em risco uma colaboração há muito desejada. Coppola, que era Coppola, estava contra à coloração da biografia, o que desde então tornaram esta produção num conflituoso “braço de ferro”. O preto-e-branco de O Estado das Coisas é o statment do artista frustrado e pronto a guerrilhar através do seu cinema.

 

Viajamos para Famalicão! Arranca a 2ª edição do Close-Up, Observatório de Cinema

Hugo Gomes, 13.10.17

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"El espíritu de la colmena" (Victor Erice, 1973)

Numa viagem, no seu sentido mais poético e elusivo, o que menos importa é o destino. São os trilhos, essas veias sanguinárias que nos transportam para uma experiência à mercê da vivência. E são as experiências que vão este segundo episódio do CLOSE-UP – Observatório de Cinema de Vila Nova de FamalicãoDe 14 a 21 de outubro, a ocupar os mais diferentes espaços da Casa das Artes, e tendo como mira o sucesso da edição anterior, o CLOSE-UP apresentará mais de 40 sessões de cinema, workshops direcionados a escolas e famílias, uma produção própria (de Tânia Dinis) incluída no panorama no feminino de produção portuguesa, e a exposição fotográfica de André Príncipe (realizador de Campo de Flamingos, Sem Flamingos), intitulada de “O Perfume de Boi”, a ter lugar no foyer.

O primeiro dia será marcado pelo filme-concerto de “A Man with a Movie Camera”, de Dziga Vertov, devidamente sonorizado pelos Sensible Soccers (encomenda do CLOSE-UP). O gosto da melodia pop do grupo a tentar provar cadência para com uma das obras mais influentes da História do Cinema. Como qualquer viagem, digna do seu nome, o CLOSE-UP será dividido por diferentes etapas (secções) que nos acompanharão ao longo destes sete dias de pura reflexão cinematográfica. O Tempo de Viagem revela-nos uma metáfora sobre a maturação, o crescimento induzido por esses caminhos dados a lugares incertos. Andrei Tarkovsky é a “rock star” desta secção com “Nostalghia, a sua “aventura” em Itália. O existencialismo procurado por um poeta russo em terras toscanas e romanas funciona como um sacrifício que nos guia quase em modo retrospectivo e introspectivo ao cinema do seu cineasta. Wim Wenders é outro importante signo deste mesmo espaço, não fosse ele um dos grandes “caminhantes” do road movie.

Em “Fantasia Lusitana” esperam-nos quatro longas-metragens portuguesas em oposição a um programa de nove curtas, incluindo uma sessão dedicada a Tânia Ribeiro com a estreia de “Armindo e a Câmara Escura”. No lote nacional, destacamos principalmente as exibições da mais recente longa de Salomé Lamas, "El Dorado XXI", e de Luciana Fina, “O Terceiro Andar”. Vinda da nova vanguarda soviética, a cicerone Larisa Shepitko e Elem Klimov serão figuras relembradas nesta edição de Histórias de Cinema. Mas não serão as únicas. A partilhar o espaço está a dupla Peter Handke e Wim Wenders com “The Left-Handed Woman” e o sempre poético “The Wings of Desire”, bem como David Lynch, indiscutivelmente o realizador do ano, nem que seja pelo reavivar da série “Twin Peaks” que tanto deu que falar, no Observatório, representado pelo spin-off cinematográfico, “Fire Walk with Me”.

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Eldorado XXI (Salomé Lamas, 2016)

O resto da programação será constituído por sessões direcionadas para escolas e família, e ainda Infância & Juventude, que como o nome indica será um olhar coming-to-age; desse crescimento que por si deverá ser visto como uma viagem. E que melhor filme para transpor essas duas jornadas alusivamente interligadas que “American Honey” de Andrea Arnold? Claro que nem todas viagens são felizes e a juventude pode ser inconstante, inconsequente e até inconcebível, como o caso de “The Tribe”, de Myroslav Slaboshpytskyi, filme que, infelizmente, chegara demasiado tarde ao circuito comercial português, tendo em conta o seu historial de controversas passagens em festivais por esse Mundo fora. Nesta seção destacamos ainda o clássico de Victor Erice, “El espíritu de la colmena”.

A música e o cinema vão se fundir para criar um encerramento memorável, assim promete esta 2ª edição do CLOSE-UP, com três curtas de Reinaldo Ferreira, ou Repórter X + Dead Combo. A proposta parece indigesta, incompatível e sobretudo experimental, mas o cinema é um experimento que se transformou, como se pode verificar, na mais complexa das experiências. A viagem está marcada. 

O cinéfilo e a solarenga tertúlia da desilusão

Hugo Gomes, 15.12.16

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Qualquer cinéfilo que se preze é incapaz de se conformar com as descrições de “arte menor”, ou “não arte”, assim como “mero entretenimento de feira”, o qual são dirigidas ao Cinema em geral. O verdadeiro cinéfilo nega, com todas as suas forças, a franqueza e simplicidade face em comparação com as outras artes. O cinéfilo é impuro, por vezes limitado à sua verdade, mas ao invés disso do que desprezar o amor pela Sétima Arte, nunca abandonando-o à sorte do menosprezo artístico. E se para muitos o Cinema não possui a profundidade da literatura, o uso imaginativo do “faz-de-conta” do teatro, a contemplação divina e quase artesanal da pintura, ou a monumentalidade da arquitetura, para o cinéfilo é nada mais, nada menos, que a fusões de todas essas plataformas artísticas, o filho bastardo que aos poucos toma o seu lugar.

No entanto, abandonada a oligárquica ideología de cinéfilo, sabendo que o Cinema não é par para a literatura e à dramaturgia, Wim Wenders aventura-se num extremo jogo “faz-de-conta”, experimentando uma adaptação de uma peça de Peter Handke (o dramaturgo, e fiel colaborador, tem um pequeno papel neste filme) para superar as limitações que inicialmente o colocaram. Infelizmente, Wenders cede à “burguesia” de um cinema erudito, tentando sobretudo apoiar-se nos textos que, para sua desgraça, não contrai a poética sonoridade nem os ecos de filosofia citada. Se o cineasta alemão tenta percorrer Eric Rohmer neste seu quadro vivo, esta prova auto-rejeita-se, os diálogos não foram o seu forte muito menos a proclamação destas prosas faladas, despejadas sem a orgânica, nem compostura.

Porém, Wenders brinca com as dimensões, atropela-se nas plataformas artísticas que ele próprio cita e tenta dar luzes a uma fértil amostra imaginativa, uma alusão da criação térrea de uma realidade. Assim, são duas que se embatem e dispersem, vidas artificiais pulsadas pelo toque do seu criador na sua máquina de escrever. Jens Harzer é um Deus para estes seres preenchidos por linhas, mecanizadas nas suas palavras, e é então que o improviso surge, os fatos que alteram a cor consoante a vontade do mentor, as falas que são interrompidas pelas mudanças musicais … e novamente a realidade paralela a funcionar quando entra Nick Cave em cena, a música pode ser o nosso álibi imaginativo.

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Mas o nosso leitor questiona neste preciso momento, do que se trata este “Os Belos Dias de Aranjuez” ("Les beaux jours d’Aranjuez”)? A resposta esconde-se por entre estes artifícios manipuláveis, Wim Wenders tenta reinventar o seu cinema, colocando e transcendo das suas limitações enquanto criação visual. Obviamente, que esta nova obra não goza desse statement artístico, pelo contrário este retrocedo a um cinema burguês o coloca na pista de onde o seu cinema evoluirá. Tal como o relato de uma das suas personagens, durante uma viagem a Aranjuez, a desilusão o tomou ao ver que a chamada “Casa del Labrador” não passava de um anexo no Parque Real, mas é nas groselhas, outrora domésticas, que adaptaram-se ao assilvestrado do meio, expandido e tomando o lugar das amoras e outros frutos que habitavam nos bosques para além do Tejo. Por outras palavras, Wenders descarta o seu cinema, assume a arte de outro e espera que esta tome a sua forma. Trata-se de cedência para mais tarde evoluir. Esperemos que sim.

Contudo, o cineasta alemão tem sido dos poucos que tem associado o 3D ao cinema dramático, “despindo” das suas conotações circenses, porém, faltará uma maior emancipação para que sinta o uso dessa mesma tecnologia.