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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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A tragédia do "Titanic Nazi"

Hugo Gomes, 04.01.23

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Titanic (Herbert Selpin & Werner Klingler, 1943)

Com “Avatar” nos cinemas numa jornada para quebrar a barreira dos 2 mil milhões de dólares em bilhetes vendidos, e tendo em conta que o Oceano é o tema deste regresso a Pandora, recordamos um outro êxito assinado por James Cameron  - “Titanic” - aquele que, olhando em jeito retrospectivo, seja apontado como um dos últimos romances de grande fôlego produzidos em Hollywood. Contudo, a trágica história do soberbo transatlântico não teve inaugurada adaptação em 1997, com Kate Winslet e Leonardo DiCaprio (“I’m the King of the World”) enquanto cabeças de cartaz. 

O naufrágio ocorrido em 15 de abril de 1912, vitimando mais de 1600 pessoas, contou, 29 dias depois do fatídico evento, uma versão cinematográfica produzida pela Eclair Film Co. intitulado de “Saved from the Titanic”, centrada na história de uma sobrevivente real - Dorothy Gibson - também ela protagonista e argumentista. Segundo as críticas da altura, o filme (hoje perdido em consequência de um incêndio no estúdio, dois anos depois do seu lançamento) era bem detalhado e caracterizado graças a uma possível “memória fotográfica” por parte de Gibson, porém, também foi acusado de oportunismo, "dinheiro fácil”, quando à sua acelerada produção. Em agosto desse mesmo ano, a Alemanha concretiza a sua visão daquela primeira e única viagem do navio em “In Nacht und Eis” (“In Night and Ice”), do, na altura, jovem romeno Mime Misu, um épico de 40 minutos interessado em retratar cronologicamente o acidente. Anos mais tarde, em Hollywood, o melodramático Jean Negulesco conquista a sua versão de “Titanic” (“A Tragédia de Titanic”, 1953), abrindo caminho às vertentes romantizadas que Cameron iria reaproveitar (neste caso Barbara Stanwyck e Clifton Webb protagonizam o “casal acima de qualquer tragédia”). Já em 1958 surge-nos o inglês “A Night to Remember” (Roy Ward Baker), a versão que durante anos gozaria da popularidade do “filme sobre o Titanic”, e sejamos justos, a justiça ditada por quem realmente sofreu com a tragédia. 

Porém, no meio destes dois atos, os mudos de ‘12 e as versões posteriores da Segunda Grande Guerra, existiu uma problemática obra em redor do luxuoso barco apenas intitulado “Titanic”, ou, como é popularmente referenciado - “O Titanic Nazi” - em 1943. Sim, trata-se de uma produção da Alemanha nazi [Tobis Filmkunst], supervisionada por Joseph Goebbels, usufruindo da embarcação para difamação do espírito inglês. Nesta variação, o capitalismo fervoroso e a ganância dos CEO das White Star Line (companhia britânica de transporte marítimo) foram os reais culpados pelo naufrágio - não muito longe das acusações de húbris e cobiça tecnológica apontados pelo escritor Joseph Conrad no artigo enviado ao jornal The English Review - sendo assim, o filme abre com uma reunião de accionistas e uma cena na Bolsa, introdução serviente de ambiente natural a Joseph Bruce Ismay [o presidente da companhia], o nosso vilão, que sem escrúpulos persuade o comandante do navio para aumentar a velocidade e assim conquistar as manchetes da imprensa. 

O filme contou com alguns infortúnios e “peripécias”; desde o seu realizador Herbert Selpin ser detido pela Gestapo após críticas ao regime (foi encontrado enforcado na sua cela no seguinte dia), o orçamento mastodôntico, a proibição do filme em território alemão (Goebbels achou por bem privar o povo alemão de um filme sobre uma tragédia), a ostentação enquanto "filme-troféu" pela União Soviética no fim da Guerra. Contudo, é a história transversal à sua produção que nos “surpreende”, o navio de luxo Cap Arcona aqui usado como o suposto Titanic, mais tarde “requisitado” pelos Aliados para evacuar os sobreviventes do campo de concentração de Neuengamme. Foram acidentalmente bombardeados pela Real Força Aérea de Inglaterra durante a operação, no Mar Bâltico, um dia antes do final da Guerra. Mais de 4 mil pessoas perderam a vida, mais do dobro da tragédia titânica no Atlântico Norte.