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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Tudo em todo o lado ao mesmo tempo ... menos no cinema!

Hugo Gomes, 21.03.23

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Acredito na existência do grande ecrã, e com isso a defesa de que qualquer filme, indiferente da sua qualidade, merece o seu holofote, a projeção na tão adequada sala de cinema. Assim sendo, a “fava” calhou a Sam Mendes, que desde “American Beauty”, foram consecutivos filmes seus a conquistarem o seu habitat natural [o cinema], até mesmo os mais “pequenos” [“Away we Go”, que olhando em retrospectiva é seja talvez dos seus mais bem sucedidos]. Ironicamente, é com “Empire of Light”, uma obra sobre o Cinema enquanto sala e da “magia” emanada desta, a alcançar meramente o rastilho do desigual mercado VOD. Poderemos conformar com argumentos comerciais em avaliação de imensos factores, porém, é com tais pretextos que questionamos o lugar de quem garante a viabilidade dos títulos para sala comercial e de quem decide o seu destino, usando “videntismo” quanto à sua performance financeira? Se é bem verdade que “Empire of Light” não contém traços que o identificam como um “arrasa-quarteirões” no prisma português (nem no resto do mundo), também seria matreiro duvidar a sua potencialidade numa sala. Acredito até que faria mais ‘dinheiro’ do que alguns dos nomeados aos Óscares

Falando em Óscares, um fantasma sobretudo, aqui enquanto ponto falhado para Sam Mendes, que era visto como uma espécie de “darling” da Academia, e é fora dessa luz [uma nomeação, e somente a de Fotografia para Roger Deakins] que “Empire of Light” se apresenta a nós como um “patinho feio” na filmografia do realizador. Digamos, quase … Ambientado na Inglaterra da década de 80, este é um filme servido na segurança das suas ambições. “Oscar Bait”, como muitos acusam e com alguma razão, até porque “cartas de amor” ao Cinema soam manientos truques hoje em dia, mais, sabendo que Mendes não demonstra qualquer afeição por este “universo”, nem acena ao classicismo (até porque nunca fora desse registo) nem à memória cinéfila. 

É, como a personagem de Olivia Colman [a protagonista], que solicita ao projecionista do seu “Império” - “Eu quero ver um filme” - como se fosse a primeira vez. Mas não encontramos fascínio nos olhos de Colman, refletindo o pouco carinho de Mendes pelo legado, o que fizera (ao contrário de Spielberg e o seu The Fabelmans ou de maneira mais cínica, sem descartar o seu preito, Damien Chazelle) foi uma bandeja para agradar quem no Cinema não vê a sua espiritualidade, a sua transformação, terreno para lá do exibido na “parede”. 

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O “Império” desaba antes sequer de ser um. A artificialidade impera como seu Imperador, sintético e pintado na agressividade das suas luminosidades, as cores confundem-se no brilho do esplendor e da suposta magnificência, um “Edward Hopper” a deparar-se na luz a sua positividade (ou tragédia quotidiana filtrada). “Empire of Light” é tão reluzente que chega a ferir os olhos, literalmente e igualmente figurado, ostentando uma narrativa atabalhoada, de agendas encavalitadas em outras agendas de forma a conquistar o público desta contemporaneidade. Fala de saúde mental, xenofobia, racismo, meritocracia, privilégio, classes sociais, assédio sexual como laboral, misoginia, temáticas servidas como breves “snacks”, e o Cinema permanecendo em segundo plano ao longo deste cenário comunitário (Spielberg, por exemplo, usou o Cinema como via de relacionar-se com a família e Chazelle para incutir nela uma memória histórica). Nem sequer acompanha as tais tarefas hercúleas, repostas em tão pouco tempo. Desta forma, a vertente cinematográfica, a sala, a projeção e o espectador, o embalo que esse território que desejamos identificar, é somente relembrado enquanto epifania, como cura de algo, como na referida sequência.

E é aí que acontece o seu grande Pecado: no preciso momento em que o Cinema é tratado como medicinal, automaticamente deixa ser um “espelho" para as nossas vidas e assume como um produto com prescrição, para um determinado uso e um dito propósito. E a cinefilia é toda uma paixão, não-correspondida por sinal, não um abuso de Poder. Sam Mendes abusou do Cinema para um objetivo apenas, e não o de criar novos laços. 

Todavia, nada disso impede que “Empire of Light” não mereça a sua devoção no devido lugar, ao invés disso é olhar para uma suposta fábula sobre Cinema no conforto do Lar. Só eu é que vejo alarmante este gesto?

Erradicando o ‘rapaz’ em nós

Hugo Gomes, 07.12.18

Curiosidades-de-Boy-Erased-filme-cancelado-no-Bras

O segundo passo do ator Joel Edgerton na realização faz-se por um filme-denúncia. Remexe nas memórias do escritor Garrard Conley, filho de um pastor Baptista, que após revelar a sua homossexualidade é enviado para uma instituição de forma a “curar-se”.

Boy Erased” apresenta-nos Lucas Hedge (“Manchester By the Sea”, “Lady Bird”) no papel de Conley, que se assumirá como um guia para um protótipo destas casas de conversão gay, sempre pontuado de doutrinas religiosas e alusões a cantos infernais e movimentos pecaminosos. Todo este processo tende em soar como irmão bastardo entre os Alcoólicos Anónimos e um estabelecimento militarizado (aqui até mesmo a posição é sinônimo de virilidade). Este Hedge / Conley evoca-se como um “insider” pronto a esboçar esta realidade ainda existente em terras yankees, fundando assim um encenado documento para com esta desinformação. É como se um artigo da New Yorker tratasse, minado de reflexão e tendências jornalísticas, originando um filme sobretudo esquemático e descritivo onde as personagens não são mais do que meras representações (curiosamente, um dos “utentes” é Xavier Dolan).

Nesse termo, “Boy Erased” justifica a sua visualização para fins de conhecimento e conscientização, o que prova acima da tentativa de Edgerton prevalecer como um realizador de R maiusculo. Endereçado por uma planificação sobretudo académica onde não faltam os graduais fade in e fade outs como mandam as leis emocionais de Spielberg, o realizador parece não ter controlo numa miopia castradora para com as eventuais direções do filme, fechando, ou melhor, enclausurando com uma falsa luz messiânica do que é Cinema.

Todo este processo depara-se com as similaridades do modus operandis destas mesmas “casas”, uma manipulação mental e sentimental que a homossexualidade é anti-natura, assim como Edgerton julga o além-academismo numa anormalidade. Fora do cenário protagonista desta história, o filme tende em solidificar a sua dramatização com momentos pai-filho ou em spotlights repentinos de Nicole Kidman (no mesmo registo de “Lion”, ou seja, uma secundária dependente do seu destacado monólogo), tudo sob a melodia do arrasa-corações.

No final, percebemos duas coisas. Uma é que Joel Edgerton não tem “visão” para realizador (ao contrário de um Bradley Cooper que surpreende em renunciar essa linguagem de “bom americano de estúdio”). Segundo, Lucas Hedge tem a força, mas não a suficiente para realçar este telefilme disfarçado de Cinema.