Ri-te, Ri-te ... A 3ª edição do HaHaArt Film Festival arranca com comédia para subverter expectativas
Hundred of Beavers (Mike Cheslik, 2022)
É rir à portuguesa, sem necessidade de restringirmos ao alarve, até porque, segundo o pŕoprio director, Manuel Oliveira, o HaHaArt Film Festival chegou para subverter o esperado. Nesta sua terceira edição, o festival promete ultrapassar a gag e superar o seu formato; com uma masterclass, uma retrospectiva [Close Up], duas secções inaugurais que colidem com a Competição e com as sessões especiais. Temos Junta Yamaguchi a abrir as festividades [“River”, 2023] e um exército de castores e outros animais peludos para fechá-lo [“Hundreds of Beavers”, 2022], no meio há um Joker longe do selo DC e de Todd Phillips [“The People’s Joker”, 2022] e ainda André Ruivo, da sua ilustração à sua imaginação cinematograǵfica. Em HaHaArt Film Festival, a gargalhada tem prestígio.
O Cinematograficamente Falando … conversou com Manuel Oliveira sobre o terceiro ano desta montra cinematográfica para que Pombal seja a capital nacional do cómico durante quatro dias [24 - 28 de outubro].
Com uma terceira edição, o que poderia dizer sobre o processo de “aprendizagem” e de aprimoração do HaHaArt Film Festival?
Acima de tudo, tem sido uma oportunidade para todos os envolvidos, de mergulhar num género de um modo que talvez tenha ultrapassado até as nossas próprias expectativas. Este foco num cinema específico parece limitador, mas na verdade abriu de tal maneira os horizontes dentro da equipa, que se tornou no principal motor motivacional por detrás do festival e da ambição de crescer. A criação de novas secções – como a exibição de uma retrospectiva, a promoção de uma masterclass, a exibição de longas-metragens – e a expansão de outras – como a secção infantil – é um grande passo para uma organização que se mantém com os mesmos recursos dos últimos dois anos. Acima de tudo, estamos a otimizar e a fazer o máximo que conseguimos com os recursos que temos! Tem sido um processo muito gratificante e sentimos que há muito espaço para crescer e melhorar.
A mesa redonda sobre a comédia como agente subversivo parece ser um dos pontos altos da edição deste ano. Como vê a importância de debates como este no contexto de um festival de comédia? Acha que a comédia é suficientemente reconhecida pelo seu poder subversivo, social e, tendo em conta os tempos incertos de hoje, político? Por outras palavras, podemos considerar o HaHaArt Film Festival um festival de filmes políticos?
Nem todo o cinema de comédia é reconhecido pelo seu poder subversivo ou de impacto social e cultural. Muitas vezes, o maior dos preconceitos sobre o cinema deste género surge daí mesmo: da familiaridade e da perpetuação de determinadas ideias para obter reações fáceis. Nesse sentido, o HaHaArt Film Festival é um festival de filmes políticos, sim, porque tentamos mostrar o outro lado do género. Consideramos que todos os filmes em competição – ou pelo menos quase todos – são, de um modo ou outro, subversivos, mesmo aqueles que entram em determinados moldes com menos resistência. Isto deve-se também à importância que damos, no processo de programação, a deixar claro que, para o HaHaArt Film Festival, a comédia no cinema é muito mais do que fazer rir; é uma visão narrativa e um modo de abordar o público. E isto também é, conscientemente, um gesto político e subversivo.
Uma das curtas em competição: "O Procedimento" (Chico Noras, 2024)
Este ano, o HaHaArt Film Festival aposta numa programação que desafia as convenções da comédia, ao incluir filmes como "River" de Junta Yamaguchi [abertura] e "Hundreds of Beavers" [encerramento]. Gostaria que me falasse sobre essas escolhas e melhor, o que se pode considerar filme de abertura e de encerramento num festival como este?
Acima de tudo, estas escolhas são importantes para a identidade do festival. O HaHaArt Film Festival é jovem, está na sua terceira edição. Escolher filmes para abertura e encerramento nesta altura do campeonato é, para nós, uma maneira de transmitir ao público essa ideia. Especialmente tratando-se de sessões de longas-metragens, que até este ano tínhamos tido apenas uma. Tanto o “River” como o “Hundreds of Beavers” são filmes que definem muito bem o HaHaArt Film Festival: abordagens arrojadas que subvertem expectativas sobre o género, mas que ao mesmo tempo trazem uma familiaridade dentro dos seus moldes. Pensamos que, em conjunto com a exibição do “The People’s Joker”, formam uma trindade muito caleidoscópica, mas que, no final do dia, ilustram muito bem a nossa identidade.
A comédia é frequentemente subvalorizada em termos de reconhecimento artístico. De que forma o HaHaArt Film Festival pretende desafiar essa perceção e elevar a comédia ao mesmo patamar de outros géneros cinematográficos?
Acima de tudo, mostrando o que há dentro do género que demonstra isso mesmo. Quando se trata de cinema de género, seja ele qual for, é fácil abordá-lo como conservador ou limitado pelas suas lógicas internas. O cinema de comédia sofre com essa visão, à qual ainda se acrescenta a perceção de que a comédia é a irmã mais feia da tragédia. Um preconceito cultivado desde há muito na cultura ocidental e que coloca o género em desvantagem. O que ambicionamos é mudar expectativas e expandir olhares, ao abrir portas à abrangência do género e à multiplicidade de abordagens do cinema de comédia contemporâneo, seja através do debate ou dos filmes que escolhermos exibir, como é o caso da já referida tríade que apresentamos fora de competição. Acreditamos que, ao ultrapassar alguns preconceitos sobre o cinema de comédia – que achamos ser mais um produto do contexto sociocultural do que propriamente das características do género –, podemos ver o que, na sua universalidade e particularidade, há de verdadeiramente artístico e pertinente.
A inclusão de uma retrospectiva dedicada a André Ruivo, possivelmente mais conhecido como ilustrador do que cineasta, através da secção Close Up, sugere uma aposta em nomes menos convencionais do género cinematográfico. O que considera que a obra de Ruivo traz ao festival e ao público em termos de inovação e natureza da comédia dita cinematograficamente canónica?
Primeiro, traz um destaque a um tipo de cinema – o de animação – que tentamos sempre incluir no debate em torno do cinema de comédia. Depois, a relação da obra do André Ruivo com a ilustração e o cartoon satírico permite pegar no que há de particular no cinema de comédia e expandir para outras disciplinas. No caso dos seus filmes, consideramos que existe neles a representação da “portugalidade” de um modo muito divertido e dinâmico, algo que acontece com a sua ilustração, mas que nos filmes ganha outras dimensões, tendo em conta os jogos de diálogo, as metamorfoses, os timings e outras particularidades cinematográficas.
The People's Joker (Vera Drew, 2022)
O festival tem como um dos seus objetivos criar e desenvolver o espírito crítico do público em relação ao género de comédia. Que impacto espera que este evento tenha na perceção dos espectadores sobre o género e na adubação de uma apreciação mais profunda da comédia?
Gostamos de acreditar que qualquer amante de cinema que venha a uma das sessões do HaHaArt Film Festival sai de lá com um sentimento de entusiasmo. Primeiro, pela tal quebra com a perceção do que é cinema de comédia. Segundo, entusiasmo por ter experienciado, como se espera de um festival de cinema, uma amostra do melhor que o cinema contemporâneo tem para oferecer. E esperamos que essa experiência os siga até casa e permaneça com eles no momento de escolher e pensar o cinema de comédia.
Com a crescente internacionalização do festival, como é que o HaHaArt Film Festival se posiciona em relação a outros festivais de comédia, tanto a nível nacional como internacional? O que o distingue e como vê o seu futuro no panorama dos festivais de cinema?
Até ver, somos o único festival que se foca neste género em Portugal. Na Europa e no mundo, há alguns que seguimos atentamente e com os quais temos feito contacto. Colectivamente, os objetivos entre nós são semelhantes. Claro que cada um tem a sua identidade própria. O que distingue o HaHaArt Film Festival é o rigor com que internamente tentamos definir e separar o que é o cinema de comédia e o que é a comédia no cinema. O que também nos distingue é o facto de sermos um festival de cinema em Pombal, fugindo aos grandes centros urbanos. Estamos numa fase em que estamos a tentar envolver a comunidade local, através do CCP – Cineclube de Pombal, que é o organizador principal deste evento. Isto faz do HaHaArt Film Festival um festival com um ambiente familiar e sem hierarquias, onde todos falam com todos, num espírito de cinefilia.
Ao longo das edições, a comédia tem-se afirmado como um género essencial, mas muitas vezes marginalizado, ou decretado como uma futilidade para “tempos sérios” que a nossa contemporaneidade parece assumir. Quais são os desafios mais significativos que enfrentam na programação de filmes de comédia e como esperam que o HaHaArt Film Festival possa contribuir para a renovação do interesse no género?
Os tempos são sérios, como acabam por ser sempre. Voltando ao tema da nossa mesa redonda deste ano, penso que a subversão, desafio e questionamento são claros no cinema de comédia. A ideia de brincar com coisas sérias, muito na moda, exprime-se de várias formas no cinema que tentamos promover. E aqui falamos, evidentemente, da comédia negra ou da comédia política. Por outro lado, desafia ainda a “seriedade” das expectativas sobre a arte e o género, acabando por ser também subversivo de uma forma auto reflexiva.
Os maiores desafios são a construção de públicos, tendo em conta a localização do festival e os seus recursos, e a desconstrução dos tais preconceitos que achamos discriminatórios no género. Temos a certeza, no entanto, de que o que não faltam por aí são excelentes filmes de comédia à espera de serem descobertos ou redescobertos, e é em dá-los a conhecer que está a maior contribuição do HaHaArt Film Festival.
Toda a programação e informação sobre o festival aqui