Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

"O cinema de Hong Kong é pouco visto em Portugal": vem aí o 2º Making Waves para contrariar a tendência!

Hugo Gomes, 24.09.25

ah-ying.webp

Ah Ying (Allen Fong, 1983)

Está a chegar uma corrente vinda de Hong Kong ao Tejo, parece desaguar no Cinema Ideal nestes tempos. Portanto, façam ondas … O Making Waves, a segunda mostra de Cinema de Hong Kong de Lisboa, acontecerá nos próximos dias, de 25 a 28 de setembro com vista para o rio donde partiram os exploradores para a rota marítima do Oriente, mas longe dessas eras colonizadoras, hoje é Hong Kong a ‘colonizar-nos’ com uma mostra breve e altamente curada do cinema que se pratica naqueles cantos remotos. O que podemos dizer sobre o Hong Kong cinematográfico sem referir os lugares-comuns das vagas anteriores, ou do expoente cinema de acção ou até mesmo desse continente à parte de nome Wong Kar-Wai, esse “bichinho” que conquista corações por esse mundo fora. 

A programadora Vanessa Pimentel respondeu ao desafio do Cinematograficamente Falando … falar-nos desta mostra e as razões para ser uma rota oriental para cinéfilos portugueses. Que segredos cinematográficos ainda tem Hong Kong guardados?

A mostra surge como uma ponte entre Hong Kong e Lisboa, mas também como um gesto de mediação cultural. Quando se seleccionou estes seis filmes, pensou mais em revelar Hong Kong ao público português ou em provocar o olhar que Lisboa tem sobre si mesma através desse espelho asiático?

O programa Making Waves visa a promoção do mais recente cinema de Hong Kong, fora do seu território. É um programa que acontece em várias cidades do mundo, desde a Ásia até à América, em que, cada cidade e cada programação faz a sua própria seleção. Como sabemos, o cinema asiático e, em particular, o cinema de Hong Kong é um cinema menos visto em Portugal - a Ásia é um lugar longínquo.  

Nesse sentido, quando a Blue Lotus Lisboa abraça este projeto, fá-lo com a intenção de dar a conhecer ao público, em Lisboa, o que, do nosso ponto de vista, de melhor se tem produzido no cinema de Hong Kong, deixando em aberto a leitura que quiser ter, sobre Hong Kong, sobre Lisboa e sobre o mundo. Esta mostra é, também, marcada pela presença de público bastante heterogéneo, com diferentes origens e backgrounds, penso que a multiplicidade dos olhares é um dos seus pontos fortes.

Quais os desafios encontrados de uma para a segunda edição da mostra?

Julgo que o desafio mais óbvio de uma segunda edição será certamente superar a primeira. Numa seleção bastante diferente da seleção do ano passado, manter a qualidade dos filmes que propomos era a primeira prioridade, seguindo-lhe a possibilidade de trazer pessoas relacionadas com cada filme para termos as conversas - Q&A  que se seguem às sessões e penso que ambos foram cumpridos. Temos seis filmes premiados ou que marcaram presença em Festivais de Cinema internacionalmente reconhecidos, um restaurado, da primeira Nova Vaga de Hong Kong, de 1983 e, com todos os filmes, temos uma actriz, uma produtora, uma montadora e três realizadores que estarão em Lisboa, para partilharem connosco as suas experiências. Será, sem dúvida, interessante ouvi-los e poder perguntar-lhes sobre o que nos interessa. 

Por fim, e não menos importante, está a capacidade de atrair público que é, naturalmente, outro dos desafios importantes. Temos boas expectativas e acho que podemos conseguir um bom resultado, a ser posto à prova já no dia 25 de Setembro.

allshall1-lvmc-videoSixteenByNineJumbo1600.jpg

All Shall Be Well (Ray Yeung, 2024)

O programa oscila entre novos nomes e um clássico restaurado, “Ah Ying” (Allen Fong, 1983). Que leitura quis propor ao colocar lado a lado estas duas extremidades, o cinema mais fresco e a herança de uma Nova Vaga já distante?

A ideia é sempre criar uma perspetiva mais abrangente do cinema de Hong Kong. Hoje em dia, com a quantidade de títulos que vão sendo restaurados, em Hong Kong e não só, abre-se a possibilidade de trazer à sala de cinema títulos que não poderiam ser revistos, de outra forma. O cinema de Hong Kong é pouco visto em Portugal, no seu todo, ou seja, tanto os títulos mais recentes, como os mais antigos. Trazer um filme restaurado é dar a conhecer mais um título igualmente importante e revelar um pouco mais do património cinematográfico de Hong Kong, dando a possibilidade, como referi acima, de alargar a perspetiva que podemos ter

Há uma evidente intenção de confrontar o público com temas universais — saúde mental, maternidade, género, resistência física — mas sempre ancorados em Hong Kong. O que é que se perde e o que é que se ganha quando se universaliza uma cinematografia ainda marcada por tensões locais?

As cinematografias das mais diferentes regiões podem versar sobre os mais variados temas. A universalidade talvez nos torne mais próximos uns dos outros, mas têm sempre uma abordagem particular, penso que a ‘individualidade’ ou a componente autoral não se perde e enriquece qualquer universalidade. Tomando como exemplo a questão do casamento entre pessoas do mesmo sexo, um tema que se discute em vários sítios do mundo e que colide, na nossa sociedade, com princípios católicos, somos confrontados, em “All Shall Be Well” (2024) com a inexistência da possibilidade legal para reconhecer a união de duas mulheres, aqui, numa perspetiva particular de Hong Kong, levantando outras questões como o problema da especulação imobiliária e da habitação  - curiosamente, outro tema mais universal do que seria desejável e que é foco de grande tensão, dadas as limitações naturais do território. 

De resto, em todos os filmes estão presentes características particulares de Hong Kong, desde as paisagens e cenários aos hábitos culturais, às perspectivas sociais e individuais, facilmente as ‘universalidades’ se particularizam nos autores que as invocam, julgo que essa é uma componente de grande evidência e importância, neste programa.

Segundo os press releases, a mostra pretende “criar uma ideia mais concreta de Hong Kong”. Mas não haverá o risco de, ao concentrar seis filmes num curto espaço de tempo, cristalizar uma imagem que, sendo parcial, se confunda com uma verdade total?

A nossa intenção é trazer ao público em Lisboa mais e mais cinema da Ásia, no caso concreto, o Cinema de Hong Kong, abrindo portas ao imaginário português para esta cinematografia de paragens mais distantes. Pensar que qualquer região ou cinematografia se pode fechar em apenas seis títulos, seria largamente redutor. O ano passado trouxemos sete títulos e este ano mais seis, todos muito diferentes entre si, na forma, na estética, na técnica e na temática. Quando se fala em ‘criar uma ideia mais concreta’ não significa fechar um conceito, mas sim torná-lo concreto, através de imagens, sons e histórias que nos são dadas a ver e ouvir e não uma mera especulação ou ideia pré concebida do que é ou pode ser Hong Kong. 

Um exemplo da possível clarificação de preconceito, são os dois documentários que trazemos este ano que, apesar de bastante diferentes entre si, nos mostram a extensa paisagem natural de Hong Kong e não a habitual cidade repleta de arranha céus que estamos mais habituados a ver. Por outro lado, a vinda dos realizadores e atores estreita esse contacto e permite-nos saber mais sobre a realidade de Hong Kong.

e65edb5e-9839-46ff-b78f-2f425ee08146_064407aa.webp

Four Trails (Robin Lee, 2023)

O que me pode dizer sobre os convidados? Da sua importância para uma mostra destas como a sua selecção?

Como já referi em respostas anteriores, a vinda dos convidados é uma oportunidade única para conversar sobre os filmes que vamos ver, mas também sobre como é fazer um filme em Hong Kong e sobre a sua realidade. Qualquer filme que tenha um elemento principal da equipa disponível para falar sobre o seu trabalho enriquece sempre a experiência da sessão a que se refere e permite que o público se relacione com a história e a experiência partilhadas na sala, de forma mais intensa. Por exemplo, este ano teremos a atriz [Hui So-Ying] que protagoniza o filme restaurado “Ah Ying”, o que não é habitual. Por outro lado, será extremamente enriquecedor tê-la entre nós para partilhar a sua experiência, em particular, neste filme que se inspira, em parte, na sua própria história.

Como encara o atual cinema de Hong Kong, tendo em conta que os principais movimentos artísticos, e até produtivos, parecem ter entrado em desuso ou expirado na sua criatividade. Ou existe desde sempre uma ideia redutoramente ocidental quanto ao cinema de Hong Kong?

O cinema, em todo o mundo, tem vindo a deparar-se com variados desafios e as (im)possibilidades de produção são ainda mais variadas e de diversas índoles, estando sempre presente a nuvem da ‘morte do cinema’ com as diferentes dificuldades de financiamento e a pressão para a ‘standardização’ em determinados canais, um pouco por todo o lado. Sou bastante otimista e julgo que a capacidade de reinvenção e a vontade de filmar e de contar histórias pode e tem superado as adversidades, dando lugar a novas estratégias de produção que permitam a concretização de novos filmes. Este programa é, a meu ver, sinal de que o Cinema de Hong Kong não sofre de criatividade expirada e tem, pelo contrário, um património rico e gerações mais velhas e, também, estreantes a produzir cinema de forma autêntica e com qualidade reconhecida.

Por fim, ao trazer para Lisboa esta segunda edição do Making Waves, até que ponto sente que está a programar para a comunidade asiática residente, para o público cinéfilo português, ou, secretamente, para si própria enquanto espectadora que também procura ver o que raramente chega às salas?

Naturalmente, o que nos motiva na Blue Lotus Lisboa é a ligação  que temos à Ásia e essa é base fundamental para um projeto que ambicionamos ver crescer e evoluir na direção de um Festival de Cinema Asiático em Lisboa.

Na elaboração da programação tentamos, como já referi, manter uma qualidade elevada nos títulos apresentados. De resto, programamos para todos os que estejam interessados e que queiram ver esta cinematografia tão importante e de rara visibilidade em Lisboa, sempre na expectativa de podermos cativar e chegar a mais pessoas. Temos todo o gosto em ter nas salas um público heterogéneo, de diferentes raízes e motivações, a riqueza desta mostra está, também, na diversidade e na partilha de perspetivas motivando o diálogo entre universos tão distantes.

Toda a programação poderá ser consultada aqui.