Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Só que amanhã, sei-o bem, é sempre longe demais

Hugo Gomes, 11.05.24

c-e-ancora-domani-foto-di-claudio-iannone.webp

O sucesso que nos foi vendido enquanto publicidade - "o filme italiano que derrotou o fenómeno 'Barbienheimer' no seu país de origem" - chega-nos como uma lição válida de como transformar a História em ficção, sem nos parecer pedagogia institucional. Esta primeira longa-metragem realizada por Paola Cortellesi, "C'è ancora domani" (“Ainda Temos o Amanhã”), é um exemplo feliz de "História viva" em tela, desfrutando das tessituras históricas e insinuando nelas uma ficção passível de se alicerçar num filme de múltiplas camadas (lê-se à luz da historiografia, como também se lê à luz do seu lado novelesco). Ao contrário do seu antígona, a "História morta", como mencionada diversas vezes e que tem ganho uma grande estima pelo público generalizado, gravemente dependente do realismo e dos simulacros da mesma (veja-se o exemplo de "Dunkirk" de Christopher Nolan, onde a rigidez da sua reconstituição está acima da sua capacidade de ficção), a História viva atira os factos históricos como um episódio moldável, sendo o pano de fundo para uma criação narrativa em primeira instância. 

Aqui, Delia (Cortellesi), uma mulher avassalada pela vida conjugal, por um marido tóxico e abusador (Valerio Mastandrea), por uma existência condenada ao labor e laborinhos sem sonho algum de ambição, e a convivência com um sogro parasitário e de má índole (Giorgio Colangeli) que contribui para o condicionamento dos seus dias. Estamos em Itália nos anos 40, Pós-Segunda Grande Guerra, com o anterior regime italiano vencido e humilhado e com militares norte-americanos estrategicamente posicionados nas ruas como perpetuação dos ideais da sua vitória (há um presente soldado afro-americano que tenta criar empatia com a protagonista, uma válida referência a "Paisà" de Roberto Rossellini), trata-se de um ambiente por si esmagador para Delia, não pelo seu abafado individualismo, mas pelo facto dela ser uma mulher num mundo de homens ridículos e ridicularizados. 

Contudo, ela persiste, até porque o ponto de viragem histórico, apenas defraudado por sinopses e textos jornalísticos e críticos incapazes de contornar o destacável facto, é astutamente mantido e distorcido como um clímax e, por sua vez, um plot twist com direito a vinhetas, a sua breve emancipação (a sua história é apenas um, e nunca verdadeiramente excepcional como se apercebe ao longo do desenrolar do terceiro ato). É uma das honras para que o filme de Cortellesi não ceda ao fácil engodo mercantilista, nem sequer a um escancarado panfleto político-feminista como muitos anteciparam; antes disso, brota sensibilidade, uma manobra narrativa de teor classicista, com espaço para um humor à maneira da dita "commedia à italiana", ou seja, gags entrelaçam na crítica social, e é nessa habilidade de driblar as armadilhas temáticas, como a recorrente violência doméstica, que este asseado "Feios, Porcos e Maus" triunfa com destemor. Cortellesi opta pela representação alegórica através de musicalidades, dando alternativa à violência gráfica que o qual se poderia suscitar, preservando mesmo assim uma sugestiva agressividade. 

São exemplos de camadas que nos levam a uma surpresa no dito cinema popular italiano (e em preto-e-branco!), diversas vezes contaminado pelos tiques televisivos e pelas vedetas da socialite. Por fim, apelamos que a não-indústria portuguesa olhe para este "C'è ancora domani" como um experimento feliz do que é fazer cinema para o público em geral sem ser grunho e submisso à dominância televisiva.

Roma fora de casa ... e de horas

Hugo Gomes, 28.04.24

adagio.jpg

Não fiquemos surpreendidos com as constatações estéticas que este “Adagio” nos apresenta de imediato, tendo em conta que a sua mão assinante é a de Stefano Sollima, realizador que povoa os três mundos; Itália e a sua indústria, Itália para o Mundo por via Netflix e Hollywood (“Sicario: Day of the Soldado”). Com este novo filme, terceira parte de uma possível e não-pensada trilogia, são abocanhados os dois primeiros “mundo” com foco no terceiro, até porque Sollima, perante uma Roma apocalíptica - onde os ventos sopram com notícias de uma incêndio de enormes proporções com o clarão, as cinzas e o odor a queimado servindo como um postal, e pelas intermitentes cortes de energia que lançam o caos escurecido na capital italiana - é uma atmosfera que tem tudo e ao mesmo tempo familiarização pelos diversos panorâmicas em modo drone, é uma periférica comum na nossa atualidade, desde a produção mais rasca até ao grande orçamento. Portanto, as vistas da cidade, tão bem condizem na grande tela como no pequeno ecrã, assim justificando o “N” colorido que dará a vez à “Netflix” na antecipação dos créditos iniciais.

Falar de cinema, com C, hoje em dia, a nível visual, é cada vez mais uma discussão pela desapropriação e deserdação das mesmas categorias grandiloquentes e plenitudes, ou seja aqueles ditos planos unicamente ligados à experiência de sala transladaram para produções caseiras, domesticando essa linguagem como um “ferro a fogo” para com a sua ambição. Sollima entende muito bem isso, essa sensação de grandeza, não prescrita somente à sua linguagem de vista, mas também no pretensiosismo da sua narrativa. ora, confessamos, fiel ao seu espírito “Suburra”, o realizador reveste a cidade e a usufrui como uma personagem à parte, ou, vulgo no verdadeiro protagonista, o testemunho silencioso de um crime e a sua sucessão de malapatas que vão despertar uma organização criminosa há muito entendida como extinta. 

Nesse âmbito, o casting faz as suas maravilhas, entrelaçando os possíveis, três grandes atores da cinematografia italiana da contemporaneidade - Toni Servillo, Valerio Mastandrea e Pierfrancesco Favino (com uma caracterização de meter dó) - estes gigantes trazem consigo uma aura de lenda, mesmo que a sua apagada mitológica seja forçadamente improvisada no seu momento. É nesta trindade que encontramos marcos narrativos que delineiam os seus actos (ou arcos), seja a escuridão de Mastandrea como o pontapé de arranque à trama propriamente dita, a loucura de Servillo como o “adagio” (apropriando-se do título) que o enredo investe e por fim, o pathos de Favino como o clímax. Os três nomes que balançam nos seus respectivos arcos entende-se, são também eles as gárgulas da cidade de Roma, depositando na antiga metrópole a sua personificação. 

Sollima, com este retrato todo, mais uma vez mesclado os seus temas prediletos - corrupção, corrompimento e salvação - gera uma produção requintada (e requentada) com um ritmo que vai do frenético ao pausado, ao calculado ao despedaçado, mas sempre respeitando o paladar de um espectador despreocupado com transgressões ou leituras mais intensificadas. Porque “Adagio” posiciona-se no grande ecrã como no pequeno, sem distinção e sem convicções de um lado que seja.  

Professores, inspirações até no Cinema

Hugo Gomes, 25.02.23

school-of-rock_oral-history1600.jpg

Jack Black em "School of Rock" (Richard Linklater, 2003)

3133834.webp

Drew Barrymore em "Donnie Darko" (Richard Kelly, 2001)

7.png.crdownload

Jerry Lewis em "The Nutty Professor (Jerry Lewis, 1963)

jeremy-irons-the-man-who-knew-infinity.jpg

Jeremy Irons em "The Man Who Knew Infinity" (Matt Brown, 2015)

beautiful-mind.jpg

Russell Crowe em "A Beautiful Mind" (Ron Howard, 2001)

tosirwithlove1967.93472.jpg

Sidney Poitier em "To Sir, with Love" (James Clavell, 1967)

best-prof-sherman-klump-nutty-professor.webp.crdow

Eddie Murphy em "The Nutty Professor" (Tom Shadyac, 1996)

2007_the_great_debaters_001.jpg

Denzel Washington em "The Great Debaters" (Denzel Washington, 2007)

Ryan Gosling_Half Nelson.jpg

Ryan Gosling em "Half Nelson" (Ryan Fleck & Anna Boden, 2006)

_b4f17840-e658-11e7-bb33-29502a427e3f.webp

Aamir Khan em "Taare Zameen Par" / "Like Stars on Earth" (Aamir Khan, 2007)

adrien-brody-detachment.webp

Adrien Brody em "Detachment" (Tony Kaye, 2011)

substitute.jpg

Tom Berenger em "The Substitute" (Robert Mandel, 1996)

29962-h1535xw2279-b__lgen_04-1000x674.jpg

Jürgen Vogel em "Die Welle" / "The Wave" (Dennis Gansel, 2008)

T02Iv4VgqaV3-dangerous-minds-1-q-teaser.webp

Michellle Pfeiffer em "Dangerous Minds" (John N. Smith, 1995)

MV5BMTgwMTU5ODMzMV5BMl5BanBnXkFtZTgwMTQ0NDgxMDI@._

Kevin Kline em "The Emperor's Club" (Michael Hoffman, 2002)

1724.webp

Robin Williams em "Dead Poets Society" (Peter Weir, 1989)

Das-Lehrerzimmer-1©-Alamode-Film-scaled.jpg
Leonie Benesch em "The Teacher's Lounge" (Ilker Çatak, 2023)

2765_25_5x17_5cm_300dpi.jpg

François Bégaudeau em "Entre les Murs" (Laurent Cantet, 2008)

la-mia-classe-di-daniele-gaglianone.webp

Valerio Mastandrea em "La Mia Classe" (Daniele Gaglianone, 2013)