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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Na Cave penetrando os nossos profundos “interiores”

Hugo Gomes, 05.10.14

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D.W. Griffith observava que, para fazer um filme, bastava juntar uma mulher e uma arma, dando a entender quão básica e rudimentar se podia tornar a indústria cinematográfica. Em “Im Keller" existe uma sequência em que três conhecidos discutem sobre o “estado do mundo” de forma tão generalizada, estereotipada e, em todo o caso, desinformada sobre o que realmente se passa ao seu redor, o qual ilustra perfeitamente essa ideia. O diálogo é motivado pelo tema da Mulher, enquanto o trio partilha uma notória paixão por armas. Apesar disso, Ulrich Seidl não nos entrega mais um filme sobre a simplicidade ou mediocridades humanas. Pelo contrário, aposta numa temática que celebra a diversidade de mundos isolados.

O filme segue as várias “viagens” à intimidade das personagens, retratadas nas respetivas caves, espaços convertidos em refúgios de identidade, por vezes tocando a perversidade voyeurista. O cineasta austríaco impregna o filme do seu já característico fetichismo, regressando à sua faceta cruel de trocista da diversidade humana. Mais uma vez, Seidl apresenta-se como o maior inimigo das suas próprias personagens – que coloca num verdadeiro circo de aberrações, à mercê do julgamento do espectador e, solenemente, da sua compaixão.

O espectador, aliás, é confrontado com um sentimento de culpa, por se sentir cúmplice na violação da privacidade destas figuras insólitas, como um intruso num mundo que claramente não lhe pertence. E, acreditem, algumas destas figuras são de digestão difícil. Tal como na trilogia “Paradise”, Seidl demonstra-se incapaz de povoar o seu cinema com emoções genuínas: oferece-nos, em vez disso, um olhar crítico e mordaz, pautado por um humor negro e irónico que muito poucos cineastas conseguem executar com tamanha precisão.

“Im Keller” destaca aquilo que muitos já suspeitavam: por detrás das “sociedades perfeitas” esconde-se uma bizarria inerente à condição humana. Aliás, numa leitura metafórica, cada indivíduo possui a sua própria cave!