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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Na memória das vidas passadas como nas futuras

Hugo Gomes, 25.01.22

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Somos o que sonhamos, e sonhamos com aquilo que somos. O sobrenaturalismo de Apichatpong Weerasethakul teoriza que a nossa existência é uma linha contínua, o nascimento liga-se intrinsecamente à morte, os nossos desígnios estão prescritos faz tempo e o sono faz parte dessa comunicação entre os dois estados, no meio existe a prolongação, o hiato, aquilo que normalmente apelidamos de Vida como definição absoluta. “Memoria” não inova nesse mesmo mojo autoral, o tailandês persiste nessa interação infinita entre as coisas ao seu redor, e com isso provocando uma cisão entre espaços, territórios e línguas.

Há muito que os festivais optaram pelo reconhecimento do “slow cinema”, ou “cinema lento” em tradução de Camões, o que não é mais que uma generalização da economia temporal. Deste lado uma provação tal catalogalização, até porque o cinema não vive de etiquetas, vive da sua universalidade. Porém, em língua “festivaleira”, Apichatpong é um Deus desse “mercado”, um artista feito e remodelado em contraposição à euforia e a aceleração das nossas vivências, e depois de uma Palma de Ouro (“Uncle Boonmee Who Can Recall His Past Lives”, 2010) reafirma-se como um diamante em bruto. E com esse estatuto que recaiu em “Memoria”, se por um lado o cinema do autor me faz viajar, mentalmente “expulsando-me” da cadeira do cinema para o meu estado de tranquilidade, que por si só é dialeto universal comummente falado por nações várias, por outro não consigo deixar de encontrar nesta migração para Bogotá (Colômbia), um certo “olhar estrangeiro”. 

O exotismo seu não translada de todo para este novo cenário, resultando numa homogeneização de signos culturais e a reutilização das fórmulas de dominância “anglosaxónica”, a conquista do “selvagem” pela “pureza do Ocidente”, por outras palavras a utilização e o afunilamento do filme para com a presença de Tilda Swinton transforma a paisagem colombiana num pano de fundo homónimo (mesmo que visualmente belo seja essa anonimato). Mas Apichatpong é tailandês, o leitor perguntará incrédulo, o que de ocidentalizado ou anglosaxónico existe nele? Inconscientemente, talvez por ambição de sair de um círculo de “world cinema” (mais uma vez, etiquetas mercantis) e tentar “abraçar” uma aproximação a um reconhecimento … como diria … de degustação americana. 

Entretanto “Memoria” preza-se pela experiência em sala, não somente pela imagens-instalação ou pelo tempo sem pressas, como também pelo som, a sua importância, quer narrativamente, quer interativamente com o espectador. Não desejo ser equivocado, este é um filme menor do tailandês, mas mesmo menor continua a ser Cinema, com todas as propriedades que isso acarreta.

Tilda Swinton à beira de um ataque de nervos

Hugo Gomes, 15.07.21

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Será que fazer Cinema é preciso cumprir uma devida e específica duração? Existe alguma regra raiz-quadrada que transforma automaticamente cada metragem em Cinema propriamente dito? Pedro Almodóvar prova que não. A barreira quase estigmatizada da curta para a longa é somente uma formalidade, porque o registo de menor tempo é preciso para a sua mensagem, ou diríamos antes, o seu Cinema.

"A Voz Humana" ("The Human Voice"), livremente baseado numa peça do poeta e cineasta Jean Cocteau (publicado em 1924), é uma invocação dum fantasma recorrente que assola o realizador espanhol. A homónima obra sempre fora uma inspiração, evidentemente cerne do seu intemporalmente elogiado "Mujeres al borde de un ataque de nervios" (mas antes "La Ley del Deseo" bebia desses mesmos sucos motivadores), sobre a espera incessante e destrutiva pelo seu amante. Aqui, trocando Carmen Maura por Tilda Swinton, a plasticidade mantém-se e ainda complexa num registo meta que cruza o "teatro filmado" com o cinema a olhar para a sua própria concepção.  

Swinton é das forças maiores do projeto que requer mais do que a sua capacidade de assimilar, a sua expressão em nos convencer de uma veracidade poética tida nas suas palavras, nas suas angústias, na sua linguagem corporal enquanto emana um monólogo justificado. A história de uma mulher em jornadas existencialistas, a quem cuja ausência do seu "mais que tudo", o impulsor de toda a compostura trágica, a leva a tomar as suas medidas. É um divã, uma confissão, dirão os mais moralistas, um acontecimento que prevê a verdadeira emancipação. Somente isto, uma atriz, um cenário multiplicado por "faz-de-contas", a ida de uma mulher ao seu mundo, a projetada realidade, para no fim, evadir essa mesma clausura criada.

Almodôvar prova mais uma vez que é um artesão na sua arte. E que arte é essa? A de dar voz a mulheres oprimidas pelas suas próprias emoções, sejam reprimidas ou libertadoras. E para isso não é necessário uma narrativa estendida. Meia-hora, simplesmente isso, é o que nos basta para oferecerem espectacularidade.