![Yannis_Varoufakis_web500.jpg]()
Yanis Varoufakis
Até então, na história da União Europeia do século XXI, uma das figuras em destaque foi Yanis Varoufakis, um professor de economia convertido a ministro das Finanças, determinado a retirar a Grécia da bancarrota através da renegociação da dívida do país com o Poder estabelecido da “União”. Uma jornada incansável, olhada com ferocidade e suspeita pelos seus homólogos. Contudo, para Varoufakis, o desfecho não foi o esperado. Essa coragem — para alguns, audácia; para outros — encontra-se narrada na nova série documental de seis episódios da autoria de Raoul Martinez (“Creating Freedom: The Lottery of Birth”), intitulado de “In the Eye of the Storm: The Political Odyssey of Yanis Varoufakis”.
Através de um relato do próprio Varoufakis e com o auxílio de imagens de arquivo, a série explora essa "missão: salvar a Grécia", conduzindo a uma análise desses eventos, esforços e estratégias negociais. O que poderia ter sido feito? O que falhou? Quem foram os vencedores? Quem foram os derrotados? Até lá, uma coisa é certa: parafraseando o próprio Varoufakis, "a dívida está para o capitalismo como o inferno está para o cristianismo".
O Cinematograficamente Falando … falou com o realizador no âmbito da estreia portuguesa do documentário em formato seriado, promovido pelo movimento DiEM25 - Democracy in Europe Movement 2025, co-fundado por Varoufakis. Uma conversa envolto numa das personagens mais fascinantes, aguerridas, controversas e não consensuais, da história recente.
Gostaria de começar com a questão sobre a génese deste documentário? Ou por outras palavras, o convite surgiu de onde? Da sua parte ou do próprio Yanis Varoufakis?
A ideia partiu de mim. Entrei em contato com o Yanis por via Brian Eno, um amigo que temos em comum. Há algum tempo, tinha o desejo de fazer um documentário sobre economia e capitalismo, e procurava uma narrativa que tornasse as ideias mais acessíveis para um público não especializado. Achei "Adults In The Room" — as publicadas memórias de Yanis sobre o seu tempo como ministro das finanças — uma leitura envolvente e explosiva, e sempre fiquei impressionado com a sua capacidade de expressar ideias complexas de maneira simples. Senti uma urgência de que a sua história fosse contada, de que servia como um microcosmo das dinâmicas mais amplas que moldam o nosso futuro.
De que forma a jornada pessoal de Varoufakis, desde académico a ministro das finanças, encapsula a luta mais ampla entre os ideais democráticos e o poder económico?
O Yanis não se comportava como um político típico porque não o era. Era um académico que se tornou dissidente. Acredito que precisamos de mais outsiders na política — mais dissidentes — se queremos escapar ao consenso tóxico da política tradicional.
Varoufakis descreveu frequentemente a austeridade como uma arma de "guerra de classes". Espera com este documentário conscientizar o público sobre o papel estrutural da dívida no capitalismo?
Sim, essa é uma das minhas esperanças. Dedico um episódio a explorar as dinâmicas da dívida, da austeridade e da extrema-direita. É uma relação que precisamos de compreender melhor se quisermos evitar os erros caros do século XX, que deixaram a Europa em ruínas. E a experiência recente da Grécia com a dívida e a austeridade oferece uma lição valiosa sobre onde reside realmente o poder, quando as forças da democracia entram em choque com as exigências do capitalismo.
![MixCollage-28-Sep-2024-06-01-PM-3741.jpg]()
Raoul Martinez
Entre o poético e até bíblico, elabora a luta de Varoufakis para com o establishment europeu algo equiparado à história de "David contra Golias". Como garantiu que a sua resistência à Troika fosse retratada de forma equilibrada, tendo em conta os riscos elevados para a Grécia e para a Europa como um todo?
O meu objetivo não era traçar um equilíbrio de forma mecânica, mas sim precisão. Vivemos num mundo saturado por uma guerra de narrativas, e aqueles com os maiores recursos, aliados às instituições mais poderosas, tendem a fazer prevalecer as suas narrativas. Como realizador independente, acredito que corrigir as distorções do nosso ambiente percepcional, que resultam do poder altamente concentrado, é o meu papel. Quando nos dizem que 1 + 1 = 3, estou interessado em defender que 1 + 1 é igual a 2.
Dito isto, tentei falar com figuras chave como Merkel e Schäuble, mas não estavam interessados em apresentar a sua perspetiva em frente à câmara. Também fiz questão de incluir a narrativa dominante através de imagens de arquivo de meios de comunicação e de figuras importantes.
Varoufakis é conhecido pelo seu estilo de comunicação articulado e, por vezes, provocador. Podemos dizer que este aspeto da sua persona moldou o tom e a narrativa do documentário? Encontrou desafios em equilibrar o seu carisma pessoal com a complexidade das questões políticas e económicas?
O Yanis é um comunicador nato: engraçado, perspicaz e direto, com uma compreensão profunda dos temas abordados na série. A sua personalidade forte e o talento que detém para contar histórias são as razões que tornam a série envolvente, sem modéstia à parte, como também foram essas suas propriedades que me atraíram para o projeto. Felizmente, não senti que a qualidade da sua análise fosse prejudicada pelo seu carisma. Na verdade, as questões centrais que ele explora — como a servidão da Grécia face à dívida e os fracassos da austeridade — não são particularmente complexas. A maioria das pessoas entende a essência rapidamente e sem dificuldade quando são bem explicadas. No entanto, as verdades simples, quando desafiam o poder, são muitas vezes obscurecidas para criar a ilusão de complexidade.
O seu filme faz conexões entre a crise da Grécia e as crises mais amplas que afetam o capitalismo tardio, desde o colapso ambiental ao aumento do autoritarismo. Como entrelaçou estes temas globais na narrativa sem perder o foco na odisseia política de Varoufakis?
Desde 2015, o âmbito do envolvimento político do Yanis expandiu-se, passando dos problemas da Grécia para a criação do DiEM25 e da Progressive International, ambos explicitamente internacionalistas na sua orientação. Pareceu-me natural refletir essa jornada na narrativa da série, alargando o foco para incluir o capitalismo global e as várias crises civilizacionais que enfrentamos.
O facto de, como está especificado na sua série, muitos outros “protagonistas” recusaram participar ou responder com a sua perspetiva à história de Varoufakis. Gostaria que me falasse dessa abordagem ao restante “elenco”, mas também de como Varoufakis ainda é hoje uma figura controversa e incomoda?
Contactei Wolfgang Schäuble, Angela Merkel, Christine Lagarde e Aléxis Tsípras, entre outros. Estava aberto a incluir os seus depoimentos na série, mas ou recusaram o convite ou simplesmente não responderam.
Quem decide quais as figuras que são controversas e quais não são? Parece que se ganha essa etiqueta quando se desafiam de forma eficaz as narrativas e interesses poderosos. No discurso popular, acho que o termo é, na maioria das vezes, vazio de significado, servindo apenas como uma ferramenta de propaganda.
O centro do espectro político não é onde se evitam os extremos, mas onde eles são normalizados. Afinal, a política do 'business-as-usual' está literalmente a destruir as fundações ecológicas da civilização moderna, e os governos centristas, dos EUA à Europa, estão atualmente a facilitar um genocídio em Gaza.
Como alguém que procura tornar as ideias económicas complexas mais acessíveis, que papel acha que a batalha de Varoufakis pela "literacia económica" desempenha na formação de uma sociedade democrática mais informada?
É um papel fundamental. Muitas das decisões mais importantes que uma sociedade toma são classificadas como 'económicas'. Quando esta área é isolada da maioria e aberta apenas a um pequeno grupo de supostos especialistas, a democracia seca e morre rapidamente. A maioria das decisões económicas gera vencedores e perdedores. Elas aumentam o poder de uns e reduzem o poder de outros. Ou seja, são profundamente políticas. Apresentá-las como tecnocráticas é um mecanismo eficaz de controlo na guerra de classes constante que é travada contra a maioria. Para uma democracia funcionar, é necessário que a população tenha uma literacia económica suficiente para defender os seus interesses com confiança.
![image-w1280.webp]()
In the Eye of the Storm: The Political Odyssey of Yanis Varoufakis (2022 - 2024)
Na sua opinião, o que é que a história de Varoufakis nos pode ensinar sobre o futuro da política de esquerda na Europa e além, especialmente dado o crescimento do populismo de direita e o fracasso das políticas mais progressistas em ganhar tração duradoura?
A sua história desvenda onde reside o poder e como este opera, e a sua análise sobre a dívida, a austeridade e a extrema-direita é validada a cada dia que passa. As muitas falhas da política centrista estão a alimentar a extrema-direita, à medida que um número crescente de pessoas se desilude com o status quo. E a extrema-direita fortalecida confere legitimidade aos centristas, armando-os com um argumento poderoso: “apoie-nos ou a extrema-direita vai assumir o controlo!”. Nesse sentido, estas forças rivais precisam umas das outras. Unidas na sua oposição a uma alternativa progressista, estão presas a uma dinâmica mutuamente benéfica que só pode levar a um desastre a longo prazo.
Falando de Varoufakis no campo cinematográfico, chegou a ver “Adults in the Room” de Costa-Gavras? Se sim, o que achou e que lições, se é que teve, o que fazer ou não fazer em relação à abordagem à sua persona?
Não vi o filme do Gavras, pois queria abordar a história do Yanis com olhos frescos. Tenho a certeza de que um dia o verei.