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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Revolta na dor de Filomena

Hugo Gomes, 12.02.14

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Depois de terminado o visionamento de “Filomena”, a nova obra de Stephen Frears, imaginei o resultado do mesmo se não fosse Frears o realizador mas sim um “tarefeiro” qualquer (para ser sincero, John Lee Hancock surgiu-me automaticamente na minha mente). 

O cineasta britânico é, neste aparentemente leve filme de realismo social, implacável na crítica e no sarcasmo que exerce em conjunto com um argumento propício da autoria da sua “estrela” Steve Coogan e do argumentista Jeff Pope. Talvez por outras mãos menos ousadas, “Filomena” era fruto para mais uma história de pura lamechice a saldos, onde culminaria uma atmosfera de crítica mas que não possuiria a coragem para apontar o dedo, tentando na maior das hipóteses concentrar numa redenção em ambos os lados (algo que irritou imenso em “Saving Mr. Banks”). Frears aponta, e mesmo por caminhos que não levarão à esperada justiça divina, desafia e apelida as coisas pelo nome, sem receios de represálias, é esta sua atitude revoltante que torna “Filomena” no inesperado grito de revolta, por vezes silenciosa e abraçada sobre uma emocionante certidão que equilibra os seus elementos de “road trip” e “buddy movie”.

"Filomena" concentra numa história verídica que originou um livro intitulado de “The Lost Child of Philomena Lee: A Mother, Her Son and A Fifty-Year Search”, de Max Sixsmith, o jornalista sarcástico e incrédulo que no filme é interpretado por um Steve Coogan em modo “gato pardo na noite“. Essa história, que segundo o personagem adjectiva de interesse humano, se resume a uma viagem de investigação e que automaticamente se transforma numa demanda à verdade escondida para um e numa corrente de emoções em busca da perdida redenção para outro. Para o espectador é inteligível assimilar quais as perspectivas que se enquadram em cada uma das personagens, e fácil é, identificar-se com ambas. Nem que seja pelo prazer de rever Judi Dench num desempenho afável e motivadamente emocionante como a homónima sexagenária que dita em todo o esplendor, o seu grande “pecado” – sendo que há cinquenta anos atrás abdicou o seu filho para adopção a mando das freiras do convento que a abrigava – a um enredo passado narrado na fita por via de flashbacks, esses mesmos talvez se comportando como o factor mais preguiçoso e menos eficaz da obra.

Por fim, tal construção de personagens poderia falhar não individualmente mas coletivamente. Contudo, ambos os atores, de tamanha experiência (claramente Dench provando possuir mais que Coogan) possuem química suficiente para conduzir “Filomena” para os caminhos pretendidos. Tudo se resumiria em fita de atores se não fosse um terceiro elemento – Stephen Frears – o realizador que transforma uma mera novela em uma crítica voraz e aguçada. E tal como os livros lidos pela própria Philomena [personagem], existem sempre surpresas dentro da previsibilidade.