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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

À espera que a luz altere: uma conversa com Linh Tran.

Hugo Gomes, 16.02.23

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O grande vencedor da edição de 2023 do festival Slamdance, “Waiting for the Light to Change” é um filme sobre impasses, esperas, e introspecções. Cinco jovens decidem passar uma semana de retiro numa casa à beira de um lago, lá, para além das trivialidades do seu quotidiano, tentam lidar com as suas memórias e sentimentos reprimidos. Por detrás deste delicado filme encontramos Linh Tran, realizadora e argumentista, que aventura-se numa longa-metragem após trabalhos curtos de teor pessoal (como é o caso de “Dinner” [ver aqui]), nomeadamente focando na figura paternal. 

Vietnamita, radicada nos EUA, Linh Tran falou com o Cinematograficamente Falando … sobre a sua mais recente obra e a sua relação com o cinema, propriamente dito.

É sabido que o seu trabalho é bastante pessoal, já antes da longa-metragem [“Waiting for the Light to Change”], as suas curtas exploravam as questões das memórias familiares na tenra idade, e como elas metamorfoseiam o seu carácter. Serve do cinema como uma espécie de confissão? Talvez pela tendência do tema, existe no seu trabalho uma tentativa de ligar ao seu pai?

Penso que para mim, o cinema serve como um meio de atribuir um sentido ao mundo que me rodeia e com isso dando a possibilidade de conhecer a mim próprio. Ainda sou bastante jovem e ainda estou a tentar descobrir quem realmente sou e onde estou neste mundo. Embora os meus trabalhos sejam pessoais, as histórias geralmente assumem contornos fictícios, visto que estar demasiado próximo de uma história torna-se, por vezes, numa coisa assustadora e uma vez que as minhas histórias são bastante imediatas, sinto que pôr a minha vida a nu em frente da câmara pode ser prejudicial para o meu trabalho. O que nelas é pessoal são as personagens, normalmente sentem-se como eu me sinto, ou algumas delas assemelham-se a pessoas que se cruzaram na minha vida. Eu não diria que o cinema serve como uma confissão, talvez mais como uma introspecção.

O meu pai faleceu quando eu tinha 18 anos e estava longe de casa, e no meu trabalho mais recente examinei as minhas memórias com ele, mas isso é uma longa história para um outro dia.

Sobre “Waiting for the Light to Change”, em que momento sentiu-se preparada para avançar no formato de longa-metragem?

Antes de "Waiting for the Light to Change", nunca tinha estado no território da longa-metragem, por isso definitivamente não sabia no que me estava a meter. As circunstâncias eram especiais, uma vez que o filme foi feito como parte de uma iniciativa chamada Indie Studio na Universidade DePaul, onde encontrava-me a trabalhar para o meu AMF. Não pensei que estivesse pronta para fazer uma longa-metragem, mas largar tal oportunidade seria uma tolice, especialmente porque o orçamento do filme era suficientemente pequeno. Eu teria muito mais medo de fazer, digamos, um filme de um milhão de dólares. Mas muita produção cinematográfica funciona desta maneira, no risco, por isso, simplesmente saí e aproveitei esta oportunidade e percebi tudo ao longo do caminho.

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Em “Waiting for the Light to Change” todas as personagens parecem estar reféns de eventos passados, são seres jovens com o futuro à sua frente, mas inquietos quanto a estes, preferindo-se refugiar em memórias. Existe no seu filme um retrato da juventude atual, uma juventude cada vez mais receosa dos dias que seguem?

Para ser honesta, só posso falar por mim, foi o que senti na altura em relação ao futuro, como um jovem de 25, 26 anos de idade. Sei que alguns dos meus amigos sentem o mesmo. Mas agora que vi o público ligar-se ao filme e relacionar-se com estas personagens, acho que não sou a única jovem a sentir-se dessa forma.

O filme parece também lidar com a questão da nostalgia, porque estas personagens tendem a ter uma percepção ilusória dos seus próprios passados. O cinema norte-americano atual encontra-se preso a esse tributo, seja em modo afetivo, seja, obviamente em modo industrial. Como lida com a nostalgia e como vê o retrato da nostalgia no cinema de hoje?

Uau, essa é uma grande questão! E a minha resposta sincera é que nunca pensei realmente em nostalgia. Só me senti nostálgica, e se sou completamente verdadeira, por vezes deixo-me levar por esse sentimento de nostalgia. Algumas pessoas não apreciam isso, e eu respeito. Mas ouço-vos falar do cinema americano a satisfazer esse sentimento ou esse conceito. Acho que é um resultado desta era digital? Sinceramente, não sei.

Quanto a novos projetos? O prémio em Slamdance serve como motivação para avançar rapidamente em novos projetos?

Com certeza, é sempre sobre o próximo projeto, não é? Tenho vindo a desenvolver um filme que é muito mais pessoal, e bastante próximo de mim. Mais uma vez, é um filme que explora outro tipo de relação feminina, uma entre irmãs. Esperemos que o prémio me ajude a consegui-lo.

Na espera de um amanhã ...

Hugo Gomes, 08.02.23

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A realizadora vietnamita radicada nos EUA - Linh Tran - prossegue na sua primeira longa-metragem, frente a um território arriscado, a concepção de um filme sobre jovens desinteressados e possivelmente minado em autognose. Porém, desvia-se das armadilhas comuns localizadas nesta etapa prematura que facilmente cederia a presunções ou psicanalises “verdes”. Contudo, “Waiting for the Light to Change" é sobre jovens adultos, mais do que o respeito aos códigos banalizados do cinema para jovens (entendido a massas), uma obra de, e sobre, impasses narrativos (o título, por si, antevê esse feito), onde nada altera a sua natural composição, apenas se reflete sobre o passado e no passado se manterá (como a vida, que bem sabemos e vivenciamos).

Nesse jeito, as personagens terminam os seus arcos narrativos sem um propício desenvolvimento (ou metamorfose dramática), e em certa maneira persistindo em modo inactivo, sem deslumbramentos através de epifanias ou “evoluções” a mando das regras aristotélicas. A sensibilidade aqui vislumbrada é outra ‘coisa: uma “estância de passagem” durante uma semana, onde cinco jovens partilharão as suas experiências em ritos nada energéticos (fumar ao longo do acinzentado litoral, conversas de almofada e confissões à beira-rio), todas eles ligadas e ordenadas por memórias passadas, assuntos pendentes gradualmente construtores de um ambiente de aparente tensão, apenas entendido como advertências de "pólvora seca”, ou ameaças de bomba, mero bluff.

Linh Tran trabalha o tédio destes jovens impacientes e procrastinadores em um jeito ansioso e vergado à sua própria melancolia, sem nunca recorrer à condescendência. Em parte, é desta matéria que muitos regozijam sob efeito de “soju”, como regem os “contos” de Hong Sang-soo, porém, sem mimetizando o desengonçado estilo do sul-coreano, preferindo com isto, a estaticidade enquanto lugar reservado ao espectador para estes convívios efémeros. Contudo, existe algo na luz, mais concretamente a fotografia de David Foy, equilibrando o tom melancólico com a blindagem suscitada pela sensação de nostalgia, daquelas rutilantes recordações que desejaríamos malear à vontade da nossa contemporânea.

Uma descoberta em Slamdance [vencedor principal da edição de 2023] , um pseudo “coming-to-age” sobre jovens e as suas respectivas tristezas como parte fulcral da sua maturação.

Para quê viajar, se é o conformismo que reencontramos? Kimi Takesue fala sobre o seu "Onlookers"

Hugo Gomes, 01.02.23

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"Onlookers" (2023)

A documentarista Kimi Takesue lança-se na questão "Porquê é que viajamos?”, como retórica a uma ocidentalização cada vez mais evidente nos destinos turísticos. A sua tese é posta em prática em Laos, paraíso do Sudoeste Asiático, que acolhe anualmente milhares e milhares de visitantes oriundos dos diferentes cantos, porém, o ponto de chegada não é um apostado exotismo ou transação cultural, mas sim uma mimetização dos ritos e maneirismos dos seus lares. 

Onlookers” é o resultado dessa questão, por sua vez observação, e acima tudo contemplação desse fenómeno de homogeneização. Nesta sua segunda longa-metragem, Kimi Takesue convida o espectador a tirar as suas próprias conclusões, e além do mais, estabelece um percurso artístico estilisticamente diversificado, tanto íntimo como distante. 

Estreado no Festival de Slamdance, conquistando um honrosa menção no Palmarés, o Cinematograficamente Falando … falou com a autora sobre este seu novo trabalho, quatro anos depois de “95 and 6 to Go”, sobre o seu avô, apresentado na edição do Doclisboa desse ano. 

Gostaria de começar a questionar a génese, de onde veio a ideia para este “Onlookers”?

Para mim, a realização de documentários torna-se bastante gratificante quando sigo a minha curiosidade e desenvolvo projetos de forma solta e exploratória. O cinema revela-se numa oportunidade de adquirir ricas experiências de vida - vaguear e reflectir - visitar novos lugares - abraçar encontros espontâneos. O prazer de realizar documentários não é fruto de uma fácil tarefa. Uma vez que imponho expectativas e agenda ao processo, ele perde algo essencial.  

Sempre quis viajar para o Laos porque tinha ouvido falar do ritmo distinto, lento e tranquilo da cultura. O Sudeste Asiático está em rápido desenvolvimento e globalização, por isso senti que era importante viajar o mais cedo possível. Embora não tivesse uma agenda específica em mente, não há dúvida de que certos temas ressurgem no meu trabalho motivando-me a explorar continuamente diferentes tipos de encontros transculturais. Fico fascinada pelo ponto de encontro quando pessoas de culturas diversas se juntam e procuram modos de comunicação e ligação fora da sua língua e através do olhar sustentado. As viagens também me inspiram a fazer filmes porque ativam os meus sentidos e clarificam a minha capacidade de observar. Quando viajo, sinto-me mais presente e atento à cor, som e gesto e presto maior atenção à beleza e complexidade da vida quotidiana que gira à minha volta. 

De acordo com "Onlookers", o exotismo do Laos é espezinhado por uma ocidentalização capitalista, ou seja, será que a distância parece ser o único objectivo para entreter este turismo feroz?

"Onlookers" examina e critica algumas das qualidades perturbadoras do turismo, mas também celebra os prazeres da viagem e o ato de olhar e ouvir. O que significa ser um visitante? O que significa interagir com novas pessoas e lugares? A peça não pretende ser uma acusação - em vez disso, estou interessado em explorar as alegrias e pathos da viagem capturando um espectro de emoções: momentos conflituosos tanto de ambivalência como de intrusão-exaustão e excitação-humor, como também de melancolia. O filme implica-me como turista, bem como a qualquer outra pessoa que tenha tido o privilégio de viajar e seja inevitavelmente culpada de passos errados e insensibilidades. Em última análise, estou interessado em fazer um filme que convida à auto-reflexão e desafia os espectadores a considerarem as suas próprias práticas turísticas.

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Kimi Takesue

O que pensa que estes turistas procuram realmente num lugar como o Laos?

A maioria das pessoas tem desejos conflituosos quando viaja. Por um lado, os turistas querem ser transportados para outro lado e ter novas experiências culturais "autênticas", mas simultaneamente anseiam pelo que é fácil e familiar. No caso do Laos, muitos turistas são atraídos pelo espectáculo da "diferença cultural" significada pelos monges nos seus trajes de açafrão, que se tornam símbolos fetichizados da cultura laociana e a derradeira photo-op [“oportunidade de fotografia”]. Alternativamente, os turistas caem em hábitos familiares - isto é, o fenómeno dos “mochileiros” que passam o dia todo a beber smoothies numa casa de hóspedes e a assistir a repetições de episódios de “Friends” em loop em vez de interagir com os locais. No entanto, a noção de que viajar promete necessariamente uma interação transcultural significativa entre viajantes e o canal local é uma idealização e aspiração irrealista. De certa forma, pode ser melhor para os turistas serem contidos e permanecerem num caminho prescritivo em vez de perturbarem verdadeiramente os ritmos da vida local. Infelizmente, não há uma resposta simples à questão fundamental do que torna as viagens sensíveis, conscienciosas e significativas. E para quem?

Filmou “Onlookers” não como uma contemplação turística, mas como um observatório silencioso, eu diria mesmo que esta sua faceta tem muito de Frederick Wiseman.

É um elogio e tanto ter o meu trabalho comparado com o de Frederick Wiseman - obrigado. O “Onlookers” é observacional como um filme de Wiseman, no entanto, atua de forma controlada, longa e estática e convida o público a abrandar e a ver os momentos a desenrolar-se perante si. Estou interessada em capturar a interação entre naturalismo e estilização em imagens fílmicas. Como pode a espontaneidade da vida desenrolar-se dentro de um quadro fixo e formal? Esta é uma forma emocionante de fazer cinema que requer paciência; descubro momentos em que todos os elementos coexistem: cor, luz, movimento, e significado. Henri Cartier Bresson falou sobre o momento decisivo capturado nas suas fotografias - estes são momentos decisivos prolongados que se movem no tempo. Em certo sentido, cada fotografia é um mini filme em si mesmo que permite ao espectador ter tempo para se envolver plenamente com a imagem.  

Tendo em conta a sua última característica - "95 and 6 to Go"- houve uma mudança de estilo nesta parte. Poderá ser esta a faceta idealizada por Kimi Takesue para o resto da sua viagem como realizadora?

Abordo cada projeto individualmente e trabalho entre géneros documentais, experimentais e narrativos, no entanto, vejo fios de ligação entre os filmes tematicamente e estilisticamente. “95 and 6 to Go” é um retrato em várias camadas do meu avô japonês americano no Hawaii. Há momentos de observação sustentados, reminiscentes de “Onlookers”, apimentados ao longo do filme. Por exemplo, o filme abre com uma imagem estática do meu avô, que está nos seus 90 anos, a fazer sessenta flexões em tempo real. Esta longa-metragem extrema estabelece os temas centrais do filme. Parece que o corpo do meu avô descai lentamente com a fadiga e, no entanto, ele persevera e termina o seu set. A filmagem estabelece visualmente a sua coragem e determinação para viver. Em “95 and 6 to Go” todas as longas e estilizadas sequências do filme, em última análise, servem o retrato e revelam algo essencial sobre o carácter do meu avô - a estética é considerada no filme, mas não é priorizada da mesma forma que nos “Onlookers”.

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95 and 6 to Go (2018)

Por falar em "95 and 6 to Go", relativamente ao guião de ficção que na altura trabalhava, será que o filme avançará sempre ou permanecerá ainda num limbo indeterminado?"

Quem sabe o que se segue. Descobri que o processo criativo nunca é linear, mas sim ventoso e sinuoso. Os filmes emergem de formas surpreendentes e por vezes de projectos aparentemente falhados. Foi profundamente satisfatório que “95 and 6 to Go” renasceu das cinzas do meu projeto de ficção defunto. Também fiz uma curta-metragem especulativa de ficção “That Which once Was” sobre um escultor de gelo Inuk que foi inspirado pela personagem principal do filme de ficção - Koji, um escultor de gelo japonês. 

”That Which once Was” retrata a inesperada amizade entre dois refugiados ambientais que foram, ambos, deslocados das suas casas devido às alterações climáticas. O filme utiliza a metáfora central do gelo para explorar os ciclos fugazes da vida e da perda. Embora a minha ficção nunca tenha sido realizada devido à falha dos meus produtores em angariar dinheiro, era importante para mim, como artista, não sair derrotada - em vez disso, perseverei, reimaginei e procurei novas oportunidades. 

Talvez o filme de ficção um dia volte a aparecer numa nova iteração. Qualquer coisa é possível.

A verdade somos nós que a fabricamos … com restrições

Hugo Gomes, 22.02.21

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O tempo é relativo, assim como a verdade parece o ser também, variando consoante a sua perspetiva ou de quem o narra. Atualmente, em clima onde o pós-verdade assume um peso cada vez maior, tais hipóteses soam redundantes e direcionadas a um perigoso território de revisionismo confortável. Quem o escreve defende o direito de questionar a verdade, ou lá como o devemos apelidar, sem nunca, com isto, vergar pela arrogância / ignorância que a influência da pós-verdade parece acarretar (no nosso dia-a-dia, em tempos incertos de pandemia e confinamento, “organizações” negacionistas tem-se apoderado da palavra “verdade” como um cata-vento maleável).

Porém, a verdade que vos quero trazer, é a “verdade” vendida por “A Brixton Tale”, a primeira longa-metragem de Darragh Carey e Bertrand Desrochers, explicita na sua tagline – “Não existe tal ‘coisa’ como histórias verdadeiras” – onde somos remetidos a uma youtuber, Leah (Lily Newmark), pronta a apostar num projeto documental, tendo como “alvo” o jovem Benji (Ola Orbeyi). Ora bem, antes de avançarmos, há que referir a diferença destes dois jovens, um claramente evidente que é a sua cor de pele, o que nos transporta para a segunda (de certa forma diretamente ligada com a primeira) que é a classe em que cada um se insere.

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A Brixton Tale” é, como o leitor já deve ter entendido, uma obra sobre o privilégio, e como este opera / constrói um senso de realidade / verdade com a nossa sociedade. Além do mais, o trabalho da personagem de Leah, em requisitar a vida de Benji como objeto de estudo do seu documentário, é todo ele um processo de transformação dessas mesmas, e referidas, dicotomias. Se por um lado, num primeiro mergulho, o filme flutua nos conceitos em voga no nosso cinema atual, consciente e de alguma forma reparador, já num “segundo mergulho” consegue encaixar-se numa crítica ao universo do documentário, daquele que se apronta a auto-proclamar de cinema-véritè (cinema-verdade) ou simplesmente, no absolutismo das suas palavras (quem nunca discutiu a veracidade de uma adaptação com alguém crédulo com a legenda “inspired by a true story”).

Será que poderemos acreditar naqueles que se encostam nas palavras “verdades” ou “factos verídicos”? “A Brixton Tale”, drama “certinho” e jovial, em certa parte liceal, não nos desfere com tais respostas a estas inquietantes dúvidas, aliás, até desconfiamos que os envolvimentos aqui angariados tenham servido com esse propósito. Todavia, é no toque, e a fantasia de que este nos poderia levar, o qual tornam mais interessante esta obra do que na verdade é.

A noite é vasta, mas a paciência…

Hugo Gomes, 18.02.21

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Basta espreitar a carreira de Matthew Wade para entendermo-nos, com base do seu trabalho no departamento de animação, que estamos perante alguém fascinado com a estética, e essa mesma, no qual apoia-se essencial o seu segundo trabalho de direção (o primeiro fora “How the Sky Will Melt”, em 2015).

A Black Rift Begins to Yawn” é um objeto metafísico de uma natureza algo cósmica que se movimenta por territórios, ora fantásticos, ora dimensionais. Percebemos, por ordem da sinopse que nos foi oferecida (“duas mulheres trabalham em um projeto misterioso que distorce suas memórias de tempo, lugar e identidade”), que tudo se desmonta num dispositivo de interesse além-existência, num exercício sobre realidades, e simulacros da mesma em três capítulos (a diferenciação entre eles é quase trabalho para físicos quânticos). O incógnito do seu enredo poderia transportar-nos para um território de abundâncias misteriosas, ou um ambiente quase lyncheano (a música, composta pelo próprio realizador / argumentista, tem essas aspirações) com veias lovecraftianas, mas nada disso, Wade é guiado pela sua própria ambição e esmagado pela mesma.

O que resulta é um filme desconecto, que usa e abusa da contemplatividade sem um ensaio por detrás. É perdido tal como as suas duas protagonistas alicerçadas ao vazio e à repetição, reféns de um estado de transe xamânico apenas exposto pelo abuso de visuais em constante transposição. Em alturas que “The Vast of the Night”, uma lição bem remunerada de mistérios em laços curtos e diretos, tem feito as delícias de quem o visualiza, “A Black Rift Begins to Yawn” é um invertebrado que procura uma inequívoca definição de arthouse. Digamos que é o hieróglifo esteticamente revisto e impostor. Sem salvação!

Acreditar na Ciência não é o mesmo que acreditar em qualquer outra ‘coisa’. A fé não tem lugar na Ciência.

Na reconstrução de uma besta mitológica. Uma conversa com o realizador Dan Wayne e o seu "Big Fur"

Hugo Gomes, 02.02.20

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Apresentado no último Festival de Slamdance, “Bug Fur” centra na “epopeia” de Ken Walker, um muy habilidoso taxidermista, em recriar aquilo que acredita ser a reconstituição mais próxima do Pé Grande. Um dos casos de o Homem sonha, a Obra acontece, mesmo que os olhos de dúvida e descrença o menosprezem e o minimizem a um mero artesão, ou pior que isso, um louco, mesmo assim Dan Wayne devolve a dignidade a uma Arte nem sempre apelidada de tal e através dos delírios de um homem nato, propõe-nos descer “à terra” e conviver com os mortais. 

Falei com o realizador deste documentário que começa por captar o apontado ridículo, somente uma capa “protetora” de algo mais, uma história humana, a crença propriamente dita, essa vontade indómita de prosseguir, e a verdade é que não existe mais humano que isso.  

Em primeiro lugar, gostaria de parabenizá-lo pelo seu filme. Mas preciso perguntar isto: você compartilha as crenças de Ken Walker sobre a existência do Pé Grande?

Obrigado, Hugo! Nunca tinha pensado duas vezes sobre o Pé Grande antes de conhecer Ken. Mas ele é alguém muito atraente e convincente e é um especialista no assunto. Ele me levou para onde é conhecido como área de habituação do Pé Grande e mostrou-me algumas coisas difíceis de explicar. E estando no vasto deserto canadiano, não era difícil imaginar que um hominídeo selvagem pudesse viver lá sem ser visto durante anos-a-fio.

Como é que encontrou Ken Walker e como surgiu o interesse pela sua história?

Comecei a estudar taxidermia – sempre me interessei por esta subestimada forma de arte, uma combinação de arte e ciência. Mas quando conheci algumas das interessantes personagens que o praticavam, os meus instintos de contar histórias assumiram o controlo e percebi que tinha em mãos material para um documentário. Conhecia o trabalho de Ken. Ele é o melhor do Mundo e é conhecido pelas suas recriações, que envolvem fazer um animal extinto ou um em perigo de extinção a partir da pele de outro animal. É uma forma única de taxidermia que requer muita pesquisa e criatividade. Aproximei-me de Ken para ver se ele estaria interessado e automaticamente ficou muito entusiasmado com a ideia. Quando me disse que iria construir um Pé Grande, no “estalar de dedos" sabia que tinha encontrado o meu filme.

Ken Walker refere também à taxidermia como uma forma de arte subestimada, mas rigorosa e multifacetada. Visto que concorda com ele, questiono se é possível que se olhe para a taxidermia como um método de trabalho a poder destacar no meio cinematográfico?

Acho que a taxidermia é uma forma de arte fascinante que requer uma ampla gama de habilidades e espero transmitir isso no meu filme. É um casamento interessante entre arte, artesanato e ciência e, quando estas “coisas” são bem feitas, os resultados podem ser impressionantes. Muitas pessoas me disseram que “Big Fur” abriu os seus olhos para algo que nunca pensaram enquanto arte e ficaram surpresos, depois de ver o filme, quanta habilidade e talento são necessários para o manejar.

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Criar uma ilusão de vida não é diferente de um truque de mágica”, em “Big Fur” você muda constantemente de temas e ênfases no quotidiano e no universo de Walker; a recreação do Pé Grande, a sua relação com a taxidermia e, por fim, o seu casamento e vida afetiva. Poderia-me falar sobre como decidiu esse tipo de foco múltiplo e como é difícil recrutar o que a vida de Walker poderia ser?

Big Fur” é um documentário biográfico. Enquanto seguia Ken por alguns anos durante o processo de construção do Pé-Grande, o meu objetivo era mostrar como a sua vida é, de facto, multifacetada. E quando um evento que mudou a minha vida aconteceu durante estas filmagens, não tive outra opção a não ser incluí-lo. O filme inclina para todos os lados e esse foi o meu maior desafio – amarrar tudo.

Curioso Walker mencionar “Psycho” de Hitchcock como um dos impulsionadores da má reputação do taxidermista na sociedade. Esta arte continua a ser atribuída como um hobby de maníacos e psicopatas.

Muitos taxidermistas confessaram-me que lutavam contra o estereótipo de Norman Bates e outros estigmas associados à sua profissão. Incluí muitas referências a “Psycho” ao longo do filme, incluindo os créditos de abertura – uma referência aos créditos de abertura de “Psycho” de Saul Bass – é uma paródia da famosa cena do chuveiro.

Já está a pensar em novos projetos? Pretende ser visto como documentarista?

Estou a desenvolver uma série episódica para a  TV baseada na trilogia épica que será publicada em breve pelo meu produtor Mark Gardiner intitulado de "Lasquatch, an Authorized Biography of the Last Sasquatch". Com a sua espécie ameaçada de extinção, o último Pé-Grande sai da floresta onde vive e se joga numa violenta luta política entre ambientalistas e grandes empresas. Como “Big Fur”, ele usa o ícone da cultura pop para abordar algumas questões sociais e ambientais sérias. Provavelmente farei outro documentário também.

Conheçam o “Frankenstein” e a sua criação

Hugo Gomes, 29.01.20

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Era fácil “Big Fur” cair na paranóia ou redigir-se nas proféticas tertúlias de loucos, mas existe um ponto a seu favor: o taxidermista Ken Walker é somente um dos melhores e mais respeitados da sua área, logo não estamos a lidar com delírios.

Para Ken Walker, a taxidermia é mais que um hobbie, é uma arte eclética e sobretudo desvalorizada, a “criação de uma ilusão de vida que não difere de um truque de magia” (parafraseando o artesão), que lhe garante as ferramentas necessárias para executar uma “fantasia”. Quer dizer, para alguns, mas para Walker é bem real. Falamos do Bigfoot, o Pé Grande, o Sasquatch; diversos nomes para uma criatura símia que julga-se viver nas densas florestas da América do Norte, e que foi apanhada em vídeo em 1967, um registo ainda hoje discutido quanto à sua veracidade.

O taxidermista jura a pés juntos que o viu e como tal decide recriar esse testemunho na sua arte. A grande oposição neste ato é que Walker não é nenhum parolo; o seu conhecimento da fisionomia animal garante-lhe a legitimidade no processo deste documentário, quer na exploração do mito, quer na sua vida afetiva e profissional, que de certa maneira se diluem.

Big Fur” assume-se como um documentário em torno de um único caso de estudo, mas trai-se a si próprio, oscilando por temáticas ou abordagens que vão muito mais além do que o somente o “sonho molhado” do Pé Grande ou dos excrementos congelados guardados no frigorífico de Walker, que, segundo este, tratando-se de uma prova da existência da besta mitológica. Contudo, Dan Wayne consegue uma obra modesta e tratada com uma certa leveza alucinante, mesmo que despachada pela gula de um realizador inexperiente ao sabor dos tiques televisivos.

Quanto às questões levantadas, estas continuam intactas até ao genérico final, encarando-se como uma espécie de visita guiada ao “ninho de cucos“, que só nós, espectadores, assumimos como uma presunção de “superioridade moral“. Portanto, é ver sem julgar os focados, porque há mestres nas artes mais menosprezadas, e nem sempre queremos saber.

Xia Magnus: "O cinema é no seu melhor quando nos faz sentir, e o género de terror é extremamente afetivo"

Hugo Gomes, 25.01.20

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Uma das grandes apostas da competição do Festival de Slamdance é Xia Magnus, que chega-nos com um não convencional filme de terror, Sanzaru.

No filme seguimos um quarteto de personagens, cada uma delas desafiada a lidar com os seus fantasmas. Esta primeira longa-metragem leva-nos ao coração de uma América que ainda não superou os seus demónios interiores e que negligencia a sua solução.

Conversei com uma das promessas do cinema de género nos EUA Xia Magnus – porém, ele próprio despreza essa atitude de diferenciação. O terror como metáfora, como manifestação individual e sobretudo como materialização de traumas, tudo reunido em “Sanzaru”, a mais sombria conversão do provérbio dos três macacos sábios (“não ouça o mal, não fale o mal e não veja o mal“).

Para uma primeira longa-metragem, porquê o género do terror como inauguração?

Sempre adorei filmes de terror. Adorava ter medo quando era criança e acho que é porque o medo é uma emoção tão pura. Na vida quotidiana, definitivamente, não temos o controlo sobre isso. Mas quando o transformamos em arte, podemos possuí-lo, dizer ao medo o que fazer. É como domesticar uma besta selvagem, é um tipo de proteção. Na minha primeira longa-metragem, sabia que iria trabalhar com recursos limitados. O meu pensamento era que poderia alcançar o tipo de história que queria, isto se pudesse manter-me contido num único local.

Além disso, sou atraído por histórias em que o antagonista é um lugar ou uma circunstância. Assim, uma casa assombrada parecia óbvia! Isso deu-me tempo e precisava colaborar com os atores e manter o foco nas personagens e nas suas ações. Eu não iniciei este projeto tendo a perceção de estar a escrever um filme de terror, apenas começou a tornar-se obscuro e como tal o “Sr. Sanzaru” apresentou-se para mim. Na altura percebi: “bem, esta será uma história assustadora“.

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Como sabe, o género de terror nem sempre é um exercício lúdico, existe em muitos casos uma intenção de metáfora ou de repreensão dos nossos medos. Em “Sanzaru”, esse olhar ao nosso redor é uma espécie de ponto de partida.

Certamente. Acho que qualquer bom filme tem algo em mente, algo a dizer. Todas as histórias têm metáforas, mas acho que são mais eficazes quando o autor não fica muito prescritivo sobre o seu significado. Uma metáfora pode variar o seu significado para diferentes pessoas, é isso que as torna tão poderosas. Direi que, quando se trata de mudar, devemos sempre começar a olhar para nós mesmos.

Gostaria que me falasse sobre a sua decisão na “materialização” do sobrenatural. A nível estético, a sua entidade tem algo de semelhante com o Diabo de “Post Tenebras Lux”, de Carlos Reygadas, até porque ambos apresentam uma artificialidade propositada.

Sim! Reygadas foi definitivamente uma referência visual. Queríamos trazer algo surreal, com qualidade onírica à maneira como o sobrenatural se manifesta. Por mais que refletimos sobre fantasmas, uma verdadeira assombração só é real para a pessoa que a experimenta. É um evento psicológico. Imaginei que duas pessoas não a experimentariam da mesma maneira. Os espíritos em “Sanzaru” apresentam-se diferentemente para cada personagem, portanto, era importante fazê-los parecer visões, não manifestações objetivas.

O que é o medo para si? Pretende manter-se no género de terror ou explorar novos territórios cinematográficos?

O cinema é no seu melhor quando nos faz sentir, e o género de terror (especialmente quando é fundamentada num drama real) é extremamente afetivo. Acho que reduzir tudo a géneros é geralmente uma maneira de comercializar um filme, não façam isso. Nesse sentido, todos os filmes têm um género. Os dramas de maioridade têm tantos “rodriguinhos” e clichés como os filmes de terror. O género estabelece uma estrutura para o público abordar o seu filme com um conjunto de expectativas. Adorava trabalhar dentro da estrutura de horror e, se tiver sorte, poderei fazê-lo novamente. Dito isto, espero ter a sorte de experimentar a minha assinatura em outros géneros também. De momento estou a escrever um neo-western.

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Quer falar-me mais sobre esse neo-western?

É sobre uma mulher que tenta libertar o seu filho de um grupo de supremacia masculina. As coisas vão ficar tensas … eu tenho um outro projeto no forno também. Definitivamente, mais virão!

Quanto ao casting? Como escolheu os seus atores?

Tive muita sorte! Eu “caçava” a Aina [que interpreta a protagonista, “Evelyn”] online depois que vi o seu showreel. Ela fez o teste e soubemos imediatamente que queríamos trabalhar com ela. Justin [que interpreta Clem] veio até nós através de um dos nossos produtores. Eu estava apenas a procurar por pessoas com quem queria colaborar. Era um cenário muito íntimo, então sabia que precisávamos que todos estivessem na mesma página.

Na minha interpretação, “Sanzaru” é um filme sobre o trauma. Os traumas que não pretendemos e que não conseguimos superar. De certa forma, encontramos neste seu filme um pequeno retrato dos EUA hoje em dia, um país de traumas profundos e sem incapacidade de superá-los.

O trauma é uma das principais palavras-chave nos EUA neste momento. Estamos publicamente a lutar com gerações de merda constituídas por pessoas de merda. Às vezes, pode ser um pouco esmagador, mas é um trabalho importante a ser feito como sociedade. Acho que nada mudará fundamentalmente até que realmente possamos abordar os traumas subjacentes nos quais a América se baseia. Ou seja, genocídio e escravidão. Trauma gera trauma, ações de merda causam reações de merda. Está tudo conectado.

"Sanzaru": pelos traumas profundos do terror

Hugo Gomes, 20.01.20

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A grande força deste “Sanzaru” situa-se no que não é dito e no que é invisível aos nossos olhos. Xia Magnus estreia-se nas longas-metragens com um híbrido dramático no dito cinema de género: um terror psicológico que intersecta na artificialidade com que aborda o sobrenatural, da mesma forma que Reygadas executou no seu delirante “Post Tenebras Lux”, sem receio em contornar a credibilidade.

O enredo centra-se numa “anciã” (Jayne Taini) que resiste em vão à demência numa casa isolada algures no Texas. O filho (Justin Arnold) desta refugia-se numa caravana nesse mesmo terreno, tentando exorcizar o stress pós-traumático de uma guerra no Médio Oriente. A casa, esse esconderijo para os segredos mais obscuros, pelas entidades misteriosas que são tudo menos passageiras e pelos fantasmas que assombram as ‘vivalmas’, é “guardada” por Evelyn (Aina Dumlao) e o seu irmão Amos (Jon Viktor Corpuz), dois filipinos, cada um com segredos, os quais tentam manter seguros nas sombras.

Como se pode verificar, num prisma generalizado, este é um filme que retrata um meio caminho para a regressão, personagens sob o selo dos traumas que se confrontam perante o iminente desvendar deles. Um pouco ao sabor do título, “Sanzaru”, que segundo Xia Magnus refere-se à designação japonesa do provérbio dos três sábios macacos (não ouça o mal, não fale o mal e não veja o mal), um símbolo de uma passividade harmonizada do budismo. E é sobre essa “cantiga” que percebemos a essência e a construção desta obra que foge sobretudo do óbvio modelo das “casas assombradas” ou das permanências do terror fácil e didático. A “Sanzaru” apenas falta-lhe uma expressividade quanto ao seu terceiro ato, que surge algo apressado perante um desenvolvimento em lume brando que tenta sintetizar os dramas pessoais e com isso entregar-nos figuras que correspondem ao ente trágico de toda esta variação de género.

Como primeira longa-metragem, Xia Magnus vai num bom caminho. O aprumo, isso, é algo que poderá surgir em próximas jornadas. Por enquanto, eis uma proposta de alguma forma exótica num certo tipo de terror norte-americano, aquele que não “lambe” as feridas de uma nação, mas que “escarafuncha o dedo” nelas, de uma América, mais que tudo, traumatizada.

Os gatos de Calcutá

Hugo Gomes, 06.02.19

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À noite todos os gatos são pardos e nas ruas de Calcutá são testemunhas dos vagabundos deambulantes que procuram satisfazer a sua tremenda agonia, com isto integrando uma criminalidade sem rodeios. Eis um relato da droga e o seu respetivo Universo, as consequências de tais atos que se disfarçam de Noite numa cumplicidade para com a belíssima fotografia de Shreya Dev Dube e os enquadramentos perfeccionistas do estreante Ronny Sen.

Indiciamos aqui uma “sopa” de Trainspotting com toques e tiques de Tarkovsky. Sim, para primeiro filme, “Cat Sticks” é uma pequena pepita, um banho de técnica e destreza, filmado com punho de quem se quer afirmar num exausto panorama. Porque essa saturação vai ao encontro da realidade indiana, o senso comum que só dispara Bollywood, a exuberância desse mundo de excessos, esquecendo a vaga marginalizada do seu cinema autoral. O filme prevalece como esse herdeiro, talvez não da vanguarda da década de 60 (o círculo de Satyajit Ray ou de Ritwik Ghatak), onde a cinematografia indiana virou-se para temáticas sociais, mas sim a fasquia de autor em constante sobrevivência na penumbra da megalómana indústria (assim como as personagens de “Cat Sticks” que se escondem no oculto para terminar o vicioso arrasto que tornou as suas vidas).

Sob uma narrativa mosaico, Sen espelha um quadro de miserabilismo estético, quase encontrando um fascínio pela decadência destas figuras representativas que apelida de personagens, e das suas tramas em ebulição. Enfim, é uma acusação ingrata visto que muito cinema de Hollywood bebe de iguais desgraças, convertendo-as em artifícios circenses, enquanto “Cat Sticks” remete-nos para um olhar de uma certa sensibilidade, mesmo que distante para fins quase “higiénicos” com a sua cinematografia.

É um filme de algumas arestas a serem limadas, porém, é uma revelação quanto ao apreço pelo visual. Será Ronny Sen um nome a ter em conta no futuro?