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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

A talentosa saudade de Ms. Ripley

Hugo Gomes, 14.08.24

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Já com “Covenant” (2017), essa tentativa de reavivar a saga “Alien” na sua forma pura fazia antever os problemas nunca abordados quanto à sua imposta ressurreição. E com “Romulus”, essa primeira instância sob a chancela da Disney, persistem as mesmas anomalias: o motor do franchise não está nos xenomorfos; é a história de uma mulher: Ellen Ripley

E, como se costuma dizer (nunca, na verdade, mas tentarei a todo o custo que se torne um hino), Ripley só há uma! Sigourney Weaver, que atravessou o filme inaugural de 1979, um whodunit espacial, para o belicismo sci-fi de 1986 [de James Cameron], sequencialmente um filme de cerco nos algures cósmicos de 1992 [de David Fincher], e para uma fantasia body-horror em 1997 [de Jean-Pierre Jeunet] - cada um com a sua assinatura, e cada assinatura com a sua marca vincada - , tendo terminado aí o seu percurso, em tempos houve promessas de um regresso num possível “Alien 5” sob a batuta de Neil Blomkamp (“District 9”), mas, enfim, os “donos-disto-tudo” tinham outros planos, e Ridley Scott apressou-se em conectar o universo ao seu “Prometheus” (dos poucos filmes da sua fase pós-“Thelma & Louise” que merece uma espreitadela). O resultado foi o mencionado “Covenant”, que partilha com este, agora sob a alçada de Fede Alvarez (“Don’t Breathe”, “Evil Dead”) e com o apadrinhamento do próprio Scott, o facto de serem objetos competentes, mas cuja competência não paga imposto, principalmente em indústrias demasiado oleadas como a que presenciamos.

Romulus” encontra-se despido de Ellen Ripley, o que não é novidade alguma, e é disso que a saga saliva de saudade, com a persistência em apressar novas personagens, esboçar passados trágicos a fim de traçar empatias com o espectador (o efeito é contrário; “Alien” de 1979 despachava esses assuntos, e até ao final tememos pelo destino da protagonista acidental e do gato laranjinha a bordo), só que em matéria de sobrevivencialismo, as novas personagens são um “bando de incompetentes”, com claras alusões ao transhumanismo, essa substituição da carne, humanamente falando, pela mecânica (nota-se - “facepalm” - na pior decisão da protagonista). Para alguns, será visto como uma tentativa de refrescar uma saga para futuras explorações, só que despida de ambições de expansão, limitando-se à reciclagem na envolvência do “mais-do-mesmo”, aquela estrutura algorítmica de reunir os elementos familiares aos espectadores (mal) habituados (não se vá desafiar expectativas), para no final sair-se com a sensação de conforto.

Romulus” (confirma-se à relação simbólica com o mito génese  romano) ainda dá paleio para puxar os fios daquele universo constantemente invocado como canónico - o de cruzar “Alien” com “Blade Runner” - e desta feita olha de esguelha para os episódios de “Prometheus” (2012). Além disso, é um filme-Disney que guarda algumas das suas piores tendências, entre elas a de “ressuscitar” atores falecidos para o propósito de os “homenagear” por via de um CGI pobre (se é mau agora, imaginem daqui a 5 anos, sabendo da caducidade destes efeitos). Vale pelo trabalho de som, que por momentos atinge a sua genialidade, mas ficarmos por um capítulo pela sua sonoridade é uma desculpa muito esfarrapada, não é verdade?

O meu Cinema é feito de Mulheres!

Hugo Gomes, 09.03.19

Não é só o dia 8 de Março que as mulheres devem celebradas, aliás, o dia da Mulher deve ser, sobretudo, normalizado. Todos os dias são dias de mulheres, e todas as mulheres fazem parte dos nossos dias. Como tal, eis o meu contributo, as mulheres especiais que integram o meu Cinema … digo por passagem, que são somente algumas.

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Mandamentos de provocação ...

Hugo Gomes, 11.12.14

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Antes de “Exodus” estrear, Ridley Scott revelou à imprensa o porquê da escolha do casting deste épico bíblico ter caído sobre atores brancos. Segundo este, um elenco recheado por egípcios resultaria numa negação pelos grandes estúdios e obviamente um fracasso de bilheteira. Para dizer a verdade isto é uma polémica inofensiva, cuja sua importância apenas evidencia o evidente – vivemos num mundo cada vez mais politicamente correto, e no cinema, tentar impor-se a um sistema de lucro milenarmente estabelecido. Se não fossem estas declarações terem visto a luz do dia, obviamente a esta altura do campeonato poderíamos estar a referenciar “Exodus” como um tributo aos grandes clássicos de Hollywood, nomeadamente ao legado de Cecil B. DeMille e ao respetivo “The Ten Commandments”, com o ator Charlton Heston a desempenhar o bíblico Moisés.

Mas sem querer negar o seu fulgor épico, tratando-se de um filme de Ridley Scott que mais salienta essa vertente desde o seu bem-sucedido “Gladiator”, esta obra está mais próxima de “Noah” de Aronofsky do que as grandes produções da idade do ouro da indústria norte-americana. Mas enquanto Aronofsky era mais espontâneo na sua provocação e visão da história bíblica, Scott recorre à subtileza para concretizar um filme direcionado a crentes mas que ao mesmo tempo questiona e fomenta essas ideologias. E continuando a comparação, ambos são filmes que representam uma imagem de Deus oposta à da doutrina cristã católica atual. Aliás, esta é uma entidade divina fiel às escrituras da Bíblia, ou seja menos misericordioso, negro e descrente na Humanidade.

No caso de “Exodus", talvez a grande provocação seja a forma como se apresenta Deus a Moisés, uma mera criança  (obviamente declarando que se trata de um mero mensageiro, para não ferir susceptibilidades). Esta forma física serve para criar um contato visível entre o “rei dos hebreus” e o seu mentor, mas para também para figurar a metáfora “God is a mean kid with an ant farm and magnifying lens” («Deus é uma criança endiabrada com uma quinta de formigas e uma lupa»), tendo em conta que esta é a história das pragas bíblicas e das milhares de almas chacinadas por estas.

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Que tipo de pessoa venera um Deus assassino de crianças?” questiona Joel Edgerton, como Ramsés, o rival de Moisés, após ver o seu primogénito morto sob a ira de Deus. São frases ou imagens como estas que demonstram uma tendência de produção para os lados de Hollywood: filmes bíblicos que questionam a sua maneira de ser. Ridley Scott não fugiu à regra, mas o seu ensaio cinematográfico dá um a zero ao de Darren Aronofsky porque simplesmente o realizador soube dizer as palavras certas nos momentos certos, protegendo-se ao esconder-se por entre as escrituras que serviram de base ao argumento da obra.

Agora como produção, Scott tem em mãos algo grandioso em termos de quantidade, um espectáculo hollywoodesco que não envergonha a já longa História cinematográfica. De um visual virtuoso, uma recolha irrecusável de material cénico e a banda sonora previsivelmente épica de Alberto Iglesias (“The Constant Gardner”). Os atores, mesmo que alguns sejam figuras decorativas – como foi o caso da desperdiçada Sigourney Weaver (detentora apenas de duas ou três frases em duas horas e meia de filme), e nem sequer refiro Aaron Paul – concentram-se em articular um filme homérico, cuidadoso e ocasionalmente emocionante. Para além disso, Christian Bale funciona como um Moisés radical e obviamente afastado do classicismo imposto por Charlton Heston.

Longe de se tornar um clássico ou na melhor desculpa de Ridley Scott pelo seu “The Counselor”, “Exodus: Gods and Kings” é uma dose nostálgica em termos produtivos e mesmo construído sob uma linguagem quase classicista e remota, ainda que com uma subtileza moderna e provocante. Porém, sem cair no teor de escusada recontagem.