O amanhecer violento
Sharunas Bartas impressiona-me pela construção de verdadeiros "presépios", neste caso - em “In the Dusk” (“Na Penumbra”) - o nosso jovem protagonista (o poeta Marius Povilas Elijas Martynenko), o guia para esta jornada que o lituano irá nos centrar em mais de duas horas, “penetra” na casa de um dos vizinhos, cujas marcas de violência alimentaram a sua curiosidade. Nela, é possível verificar um corpo caído, lamentado por uma anciã em pranto (supomos, e muito bem, ser a sua decadente progenitora), uma criança e uma mulher em farrapos, violentada, que segundo consta por três “conhecidos”. O seu marido tornou-se num dano colateral de uma possível traição. Contudo, é a entrada deste “estranho” vizinho perante aquele cenário de devastação, rústico iluminado por um luz fria que entra sem aviso para envolver a "casualidade''. Bartas filma os interiores como ninguém, atribuindo-lhe uma igual aura de martirologia e de bênção, um engodo para o que aí vem. Não é por menos que as obras mais célebres do realizador decorrem maioritariamente no interior de habitações (“Three Days”, “The House”), fazendo delas verdadeiras cápsulas do tempo. Em relação a “Na Penumbra”, o tempo pós-violência decorre a velocidade cruzeiro, dando tempo ao protagonista inspecionar e em conjunto com o espectador perceber que “furacão” aí passou.
Porém, “Na Penumbra" revela-se mais do que um jogo de interiores, é uma contemplação não ao panorama em vista, nem sequer num gole de tempo e como operá-lo, mas um atentar aquilo que as personagens dizem, uma às outras, Bartas convida-nos a sentar e a escutá-las. Depois do elogiado “Frost” (filme que atualmente se apresenta a nós numa pertinência a merecer uma revisita), acentua esse modo de subsistência em cenários de guerra. A verdade é que estamos em 1948, Lituânia perdeu-se nos tentáculos da União Soviética, as tropas de resistência refugiam nos gélidos bosques a fim de se organizarem militarmente, enquanto as forças estalinistas “visitam capelinhas atrás de capelinhas” com intuito de recolher o dízimo ou punir os “traidores da Pátria”. Em cenários como este, o reforço bélico ostenta como mote, ou espectacularidade cinematográfica, “Na Penumbra", por sua vez, solicita o seu devido tempo para que as personagens confessem os seus medos, angústias, anseios ou nos “vendem” o “seu peixe propagandístico", a verdadeira ação acontece no que é dito e não somente no que é gesticulado, abrutalhado ou revelado, mesmo que o conflito chega-nos gráfico para nos encher como anti-clímax à sua contemplatividade.
Sharunas Bartas compôs o seu conto de guerra, marcando uma coincidente atualidade aos nossos temas de café, porém, o faz num pessimismo, num desprezo para com as suas personagens, talvez por saber em antemão, o nefasto destino que as reserva. Esse desapego é de uma aparente crueldade … mas é assim mesmo, em tempos de guerra não se limpam armas.