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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Hollywood persegue as bem-sucedidas presas como ninguém

Hugo Gomes, 13.09.18

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Se não fossem os “reshoots” poderíamos contabilizar 30 anos de separação desta nova reencarnação e o filme primordial de John McTiernan.The Predator” (sim, agora com um “The” como destaque) afasta-se do seu antecessor, não por questões temporais, mas como uma evolução da nossa cultura popular. Para ser mais conciso, neste caso, a diferença instala-se na maneira como vemos realmente o monstro.

Para tal, exemplificando, extraio a provável memorável citação do “jogo gato e rato” entre o alienígena afamado e um Arnold Schwarzenegger em rumo à ribalta – “You’re one… ugly motherfucker!” – que entra em contraste com o primeiro encontro de uma das personagens deste novo filme com a exata criatura – “You’re one … beautiful motherfucker”. O que aconteceu em ’87 é que as personagens estavam definidas para integrar num ensaio de ação sob sangue a rolos e o nosso Predador servia somente como figura antagónica. Assim sendo, tínhamos a tendência de nos preocupar com estes humanos / vítimas porque simplesmente nos identificávamos com os mais pequenos traços das suas respectivas personalidades (mesmo sabendo que grande parte destes não fogem da rebuscada caricatura). Contudo, o foco tinha como centro os “terráqueos” ao invés do monstro. Torcíamos sim pela vitória de Arnie, uma alusão às ilimitações do intelecto humano contra a avançada tecnologia de outros mundos, ou simplesmente o “desenrasque” militarizado.

Chegando a 2018, a criatura tornou-se um símbolo e como tal existe um culto, uma veneração, uma desculpa para continuar a absorver esse simbolismo e capitalizá-lo. O foco vira para o lado oposto … exatamente … para o Predador, o resto vem de acréscimo, inserido como a catapulta para lançar a figura em ação. Como consequência, somos dirigidos a meros bonecos [que nos vendem como personagens humanas] que operam sob as básicas leis do guionismo, os incitadores de emoção (ou não). Todas estas “personagens” têm um propósito, um objetivo imperativo acima de qualquer caracterização, e no seu global, em prol de um enredo secundarizado, algo que os nossos Predadores possam navegar. Ou seja, tudo se resume à lei do mercado acima de qualquer tendência de criatividade, e aí seguimos para outro campo, o do nosso Shane Black.

O realizador, que curiosamente foi um dos atores do filme de ’87, aplica tudo o que sabe para trazer um certo “brilho”, sobretudo um humor de despacho (tão próprio das suas anteriores criações, de “Lethal Weapon” a “Nice Guys”), esforço que se revela em vão pelo terrível timing causado por uma narrativa apressada e sem clareza para construções afetivas. Aliás, todo o filme é endereçado numa edição “lufa-lufa” e puramente acidentalizada, onde os planos tendem a não “respirar” por entre cortes abruptos.

Não existe noção de dramaturgia (caso agravante indiciado na cena de escolha de máscaras por parte do pequeno Jacob Tremblay, momento introspectivo e emotivo da sua personagem, desleixado por uma transição em correria), porém, para tal é respondido com essa assinalação da cultura pop –o objetivo é o de somente reutilizar a imagem do Predador, revendê-la a velhas e novas gerações e, com isso, quem sabe, disputar um novo franchise. Sem mais demoras, há que avançar, por isso que comece a caça … ao box office!

O Cavaleiro de Ferro

Hugo Gomes, 03.11.14

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Honestly, there's a hundred people who want to kill me. I hope I can protect the one thing I can't live without...”

A tendência de humanizar super-heróis no cinema não é recente, mas ganhou força com as incursões de Sam Raimi e Christopher Nolan em “Spider-Man" e “Batman”, respectivamente. E aqui chegamos “Iron Man 3”, o terceiro filme de um saga (não tão) a solo que culminou num campeão de bilheteira (“The Avengers”), onde Tony Stark (paga-renda de Robert Downey Jr.) surge-nos mais humano, mais fragilizado, mais real para as nossas crenças pueris. O problema é exatamente esse: como explorar essa fragilidade.

Nos “quadrinhos”, Tony Stark já enfrentou algo mais destrutivo do que os seus vilões de metal e mandarins: a dependência alcoólica, essa sua verdadeira kryptonite. Uma oportunidade de criar um drama transversal ao seu carácter que não é nada neste universo, a Marvel / Disney não quer saber disso, e sim do seu público-alvo, todo o mundo, sem excepção, sem suscetibilidades feridas. O foco aqui é a ação, os efeitos especiais e, claro, Robert Downey Jr. O alcoolismo? Já se tocou levemente no segundo filme, para quê mais? “Iron Man 3” sugere, mas nem tenta aprofundar esse lado sombrio. Entretenimento de massas, escapistas com honras de “não percam o próximo episódio”.

A proposta de um filme sério e dramático como consequência dos eventos de “The Avengers”, joint-movie que se ficou pelo camp bilionário, só aguenta as canelas quando convém porque Tony Stark, ou melhor Robert Downey Jr. suporta a personagem como ”gente grande”, como estrela de que lhe fora negada nas suas épocas de negritude. A primeira meia hora é promissora, mas as pretensões dão vez à puerilidade e aí o ator mexe-se e remexe-se numa performance única em um palco vazio (o tecnológico ao seu redor dá ares para essas private dances). Mas o que importa, depois do tal filme de 2012, é para onde o vento sopra para a Marvel Studios, os fãs aplaudem, os seus sonhos molhados ganham vida e aguarda-se impacientemente por Thanos (esse prometido grande vilão) no virar da esquina. A ação que se intromete nessa espera, é oleada, tecnologicamente febril, nada memorável portanto. 

O argumento, por sua vez, mesmo com os rasgos suaves de existencialismo, não são mais que pretextos para se encaixar num universo partilhado com direito a um ato final absolutamente infantil. A Marvel já não faz filmes, e sim episódios interligados. Em “Iron Man 3” ficamos com a sensação de “criança num mundo de adultos”, até as habituais bandas sonoras de AC/DC desapareceram do mapa. Até eles devem ter entendido que a Disney não quer emoções fortes, somente o suficiente para encher os cofres.