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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Com vista a outro ponto-de-vista

Hugo Gomes, 12.01.23

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Um dos pecados originais do Cinema é a explicitude dada como garantia ao espectador. É falar do que mostra, e mostrar do que fala, há toda uma dependência das imagens à narrativa, prendendo o público àquilo que se encontra representado e não as possibilidades fomentadas pelo seu respectivo imaginário, com isso, o cinema narrativo afasta-se da suas supostas raízes literárias por não conceber tréguas ao seu participante, não requisitar a sua colaboração para o preenchimento do seu universo. O Cinema tende a fazer isso, assim, apoiando-se no “senso comum” que nos incita a acreditar. O efeito-sugestão, o fora de plano, a alusão, o simbolismo, anomalias de uma pretendida e perfeita transfusão do entretenimento narrativo, são escapes que o espectador-refém se poderá refugiar por momentos, acedendo às (im)possibilidades internamente projetadas pelo seu ser. 

Toda esta conversa de “chacha” não deve ser confundida como um “punho cerrado” em direção ao storytelling, nem muito menos à capacidade visual de um filme em “contar a sua história”, mas por vezes sinto falta dos seus momentos “a sós”, daqueles momentos, que tal como nós, que se isolam para expressar os secretamente os sentimentos ou “tapam os olhos” para auto-impedir de ver os horrores no horizonte. O Cinema também deve incitar o nosso imaginário, o que nos repele ou nos cativa, ou até isso, desafiar-nos a reencontrar outras óticas, outros ângulos de observação sem sermos “cães de Pavlov” atraídos pelo striptease visual. Tenho afetividade por filmes que filmam o “não-visto”, ou desviem a “cara” perante o que muitos entenderiam como crucial para o “coração da história”. Entre esses momentos, abriu-se vaga para mais um, Sérgio Tréfaut é o assinante desse efeito-revoltoso à nossa cultura do explícito. 

Em “A Noiva”, o seu novo e, possivelmente, mais arriscado trabalho, seguimos uma jovem lusodescendente (Joana Bernardo) que abandonou a sua vida “confortável” para se casar com um resistente do Daesh, no Iraque. O filme não presta-se a desvendar as origens e causas, nem desculpar-se (ou culpabilizar) pelos atos, ao invés disso, começamos com o encarceramento desta “princesa da torre” e o fuzilamento do seu marido-guerrilheiro. A sequência arranca com uma demonstração - prisioneiros em fila, a serem vendados e esperando pela chamada do seu nome (a última que ouvirão, antes de pisar o reino do Além) e um pelotão de fuzilamento aguardando instruções - a semiótica está feita, o espectador tem a noção do que irá acontecer. 

Porém, ao esperado espectáculo de violência - o “choque” etiquetado na cena como atrativo das curiosas ”massas” -, a câmara foge do “palco” dessa construção cénica, não é a sentença de morte do qual Tréfaut deseja captar, nem sequer a queda do “amante corruptível" que “enfeitiçou” uma ocidental para aquele mundo que não lhe pertence. Nada disso, é a própria mulher, os seus olhos, a única presença humana naquele rosto tapado por vestes negras e opressoras [niqab]. O azul pálido do seu olhar, enquanto a sonoridade do seu redor pouco descanso dá. A punição acontece, sabemos disso porque ouvimos, e não só, porque o sentimos nas poucas manifestações de expressão “desenhadas” numa parcialmente ocultada Joana Bernardo. É o silêncio dela, a comoção discreta, e o brilho acentuado de quem, impotentemente e igualmente cedido ao seu destino, depara com o amor, o seu mais que tudo, a desvanecer perante si. Sem despedidas, sem os derradeiros gestos de afecto, sem a permissão desse luto antecipado. 

Tréfaut negou essas imagens, essa explicitude, provou pelo ato mais simples de que não há uma função-única para a narrativa e que o decreto de “mostrar nada” por vezes torna-se “mostrar tudo”. E esta mesma sequência alicerçada à força do seu fora-de-campo revela-nos a essência de toda “A Noiva”, uma obra que procura vivências e não juízos, enxerta emoções e não psicologias, e é por estas e por outras que somos subjugados a um ensaio pleno de uma mulher voluntariamente acedida a este universo, sem o uso panfletário, sem ativismo, nem martirológias. É uma escolha sem arrependidos, são perdões sem contrições. Um filme sereno e dramaturgicamente simples que só por aquele e mencionado início nos revela mais do que uma mera mostra - um olhar e novos pontos-de-vista para contemplar o mundo, mesmo este, estar ao oposto da nossa ocidentalidade.

Sérgio Tréfaut reencontra o "Paraíso": "Conseguir mostrar este filme aos que sobreviveram foi muito importante."

Hugo Gomes, 22.09.21

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O cinema de Sérgio Tréfaut não é politicamente isento, devemos salientar isso. Há nele uma fervura política que se sustenta de braço dado com a História, o contexto que torna a sua obra num reencontro entre passado, presente e, possivelmente, o vislumbre do futuro.

Multi-premiado realizador de trabalhos como “Viagem a Portugal”, “Lisboetas” e “Raiva”, já está nos cinemas "Paraíso", o seu emotivo retrato de uma comunidade de anciãos, “órfãos” da sociedade contemporânea, que se reúnem no ex-jardim presidencial de Rio de Janeiro para, simplesmente, cantar. Uma comunhão de vozes, experiências e repudias ao último sopro de vida. Estes “velhotes”, que guardam uma “raiva danada”, encontraram nesta melodia partilhada um fulgor de vida.

Infelizmente algo lhes foi retirado: abandonados por um sistema que não os consegue inserir no plano, o realizador resgata as suas vozes e memórias, contando as suas histórias e ritmos esperançosos.

Sem querer desvendar muito, gostaria de começar pelo final, um filme sobre música, dança e vontade de viver que nos deixa, subitamente, desolados logo ao início dos créditos finais. Tendo em conta aquilo que vimos no cartão, questiono-o como está a sua relação com o Brasil neste momento?

Acho que, como grande parte da população, há uma certa sensação de impotência. Somos pigmeus perante a política. Países democráticos como Portugal podem pensar que o Brasil tem o que escolheu, o que não é bem assim. A Assembleia é composta por 30 a 35 % de partidos que ditam os valores e depois temos 70%, ou quase, de deputados mercenários. 

Nesse sentido, Jair Bolsonaro continua no poder, mesmo que existam centenas de pedidos de impeachment contra ele e de cometer diariamente atos que são criminalizáveis, e insultos às demais instituições, como o Tribunal Federal, Tribunal Eleitoral, etc., porque comprou essa parte de deputados. Para alguém se manter no poder, tem que negociar constantemente com esses mercenários, esse “centrão”. Lula tinha uma capacidade negocial, fazendo acordos com inimigos, que causaram graves problemas ao longo do tempo. A Dilma tinha essa capacidade diminuída, era um desastre de negociação, sendo que, no seu segundo mandato, os mesmos que eram os seus aliados e a elegeram votaram num impeachment em que não acreditavam. 

Ou seja, a presidenta foi vítima de um golpe de estado, que o próprio Michel Temer confirmou em espaço televisivo, porque não conseguia negociar com essa facção de deputados. Bolsonaro comprou-os, aqueles que atacou durante a sua campanha eleitoral. Por outras palavras, o que se passa atualmente no Brasil é difícil compreender à luz democrática, principalmente em países europeus.

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Sérgio Tréfaut na rodagem de "Paraíso" / Foto: Beto Felicio

Resgato essa impotência, talvez seja a descrição exata para aquilo que sentimos no final do filme. E que sente no final dessa experiência?

A impotência para com a morte das pessoas? Claro, qualquer um sente essa impotência. Quando temos um presidente que trata a COVID-19 como “gripezinha”, que luta contra os confinamentos, define a vacina como desnecessária e adverte que quem a tomar se converte em “jacaré”. Um Ministério da Saúde que constantemente tenta adiar a administração dessa vacina e membros desse governo que tentam ter benefícios de um dólar por vacina. Nós, cidadãos, sentimo-nos impotente face ao horror.

Podemos encarar “Paraíso” como um filme político?

Paraíso” não foi um filme que tenha sido feito com um programa político, ele foca a sensibilidade de uma população. Ele torna-se importante politicamente porque mostra como eram felizes as pessoas que o governo brasileiro deixou deliberadamente morrer. A frase mais dita pela Presidência da República era “morre quem tem que morrer”, ou seja, o filme torna-se político no sentido em que diz que “pessoas com 70 ou mais anos de vida têm o direito a serem protegidas, à felicidade”. Não há essa de "quem morre tem que morrer", apenas morre quem o Governo incompetentemente deixou.

E quanto ao título? Uma provocação?

O título teve origem numa imagem dada ao Novo Mundo ao longo dos séculos. O Brasil foi definido como um "Paraíso", mais à frente como um "Paraíso Perdido", depois os índios é que viviam no "Paraíso", a Amazónia é o "Paraíso"... Para além da questão pandémica, havia também uma destruição permanente deste "Paraíso", do território indígena à Amazónia, tudo, ao longo do século XX. Recentemente, Caetano Veloso esteve em Lisboa e cantou uma das suas músicas, dos anos 1970, chamada “Um Índio", que soava aos nossos ouvidos como ficção científica. É uma música muito bonita, mas que abordava a exterminação da última cultura indígena. Hoje em dia, essa letra deixou de ser ficção científica para passar a ser profética. Por isso, este título "Paraíso" é toda uma referência a uma História, cultura, livros, filmes que mencionam algo que existiu no Brasil, mas que tende a ser destruído. O que começa com este microcosmos de pessoas de idade avançada.

Saindo do espectro político, o filme apresenta-nos a música como um caminho para uma felicidade tardia. Uma das testemunhas declara ter sido impedida de cantar e dançar pela família e pelo marido. Só após a viuvez é que pôde integrar estes convívios. Ou seja, uma nova oportunidade para quem a vida é ainda mais inconstante.

Exatamente, não acho que o filme seja pessimista. “Paraíso” fala-nos de uma realidade, que é a realidade daquelas pessoas, de que é possível ser-se feliz numa idade avançada. Por vezes, quem não é de tal idade vê-se mergulhado em comprimidos contra a sua própria depressão, quando a terapia musical e o simples convívio funcionariam como um tratamento mais barato e eficiente para essa solidão crónica. Anteriormente, tinha feito um filme sobre o canto alentejano intitulado “Alentejo, Alentejo”, onde cheguei a essa mesma conclusão, que a população idosa também cantava e era feliz desta maneira. Trata-se de um método terapêutico, este de estarmos em contacto com a nossa raiz musical. “Paraíso” é um filme positivo sobre a felicidade. O único pessimismo que existe é a consequência da pandemia, que entra num contexto histórico que vai ao encontro do próprio processo da noção de paraíso.

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Nesse sentido, encontrou uma nova, ou talvez a genuína, vibração no “Não Deixem o Samba Morrer”, de Alcíone, uma das canções mais populares aqui interpretadas.

Uma das ‘coisas’ que gosto nestas personagens é que, por vezes, elas são intérpretes mais poderosas e perfeitas do que algumas celebridades da música brasileira. A maneira como essa senhora, Cléuza, com os seus 85 anos, canta o “Não Deixem o Samba Morrer”, é como se brotasse da terra o canto, a pura legítima representante de um país, mais do que, por exemplo, a Maria Rita com a mesma canção. O que me fascina em “Paraíso” é que estas personalidades são anónimas e igualmente grandiosas. Nisso, estamos perante a verdadeira natureza do filme.

Um dos momentos que gostaria que me falasse é a performance de Ilka, a centenária com um desejo sobrenatural de cantar “10 Anos”, isto contra a decadência do seu corpo e da sua mente.

Sabe que a ‘coisa’ mais mágica que me aconteceu após o filme ter terminado foi o facto de ter organizado uma projeção no jardim para todas essas pessoas, e entre elas estava essa Dona Ilka, com os seus impressionantes 102 anos [risos]. Ela assistiu completamente vidrada à projeção e, no final, só queria abraçar-me e beijar-me. [risos] Foi muito emocionante. Algo muito forte que aconteceu nessa projeção é que aquelas mesmas pessoas não encararam aquilo como uma sessão de cinema, mas como uma das suas reuniões ao ar livre. No final de cada canção, aplaudiam, como se tudo tratasse de um espetáculo. Um comovente e muito bonito espetáculo. Conseguir mostrar este filme aos que sobreviveram foi muito importante.

«Paraíso»: canta-me "baixinho" para o meu ouvido essa cantiga "esquecida"

Hugo Gomes, 06.09.21

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Nas proximidades da noite escura, o jardim do Palácio do Catete (Rio de Janeiro), antiga sede presidencial, enche-se de anciões de várias idades com o intuito de celebrar a vida através das mais antigas canções de amor. Até certa altura, alguém cantarola com uma emoção contagiante e igualmente apelativa para que não se deixe o “Samba morrer”, a música de Aloísio e Edson Conceição ganha um duplo sentido aqui, uma invocação aos tempos que não “correm mais” e ao mesmo tempo à doce memória de uma juventude acabada e vencida. 

Sérgio Tréfaut (“Lisboetas”, “Raiva”), mais do que filmar, acompanha esta “raiva de velho danado”, como afirma Nicola, jocoso para com o seu permanente cansaço, proveniente do fardo que o corpo havia tomado. São vidas passadas, vidas sonhadas e vidas no limiar do fio das suas existências que comungam num Brasil, que o próprio realizador faz questão de relembrar, não existe mais. Políticas evidentes, a pandemia que os interceptou e a distância aprofundada entre as nações e indivíduos, os tais muros que nos impedem de olhar para o outro lado, o país de outrora, um outro país, somente e apenas preservado na lente (neste caso a lente de Tréfaut como o testemunho de uma extinção a decorrer). É um objeto simples, este que escuta os seus relatos, as suas rimas e sobretudo as suas melodias, não interessa o talento aqui, somente a sabedoria, ora apropriada, ora conservada, como aquelas letras esquecidas e igualmente sussurradas no ouvida da centenária Ilka, cuja vontade de cantar é mais forte do que o esforço de lembrar. Não minto, há toda uma emoção reunida, e uma triste derrota vinda dos corpos decadentes e das vozes que suspiram pelas suas áureas épocas.   

Acima de tudo, Tréfaut deu-nos um filme sobre a velhice, sobre o fim das nossas vidas, captadas como um festival, um alegre hino àquilo que nos resta viver. Nesse sentido, há uma congeneridade para com uma das grandes obras da nossa contemporaneidade - “Before We Go” de Jorge Leon - filme esquecido e sem campanha alguma que nos envolveu no centro de um bailado dos mais tristes corpos. Desta vez, a humildade é salientada pela simplicidade com que Tréfaut insere estes seus “velhotes”, não deparamos nestas bandas intelectualização, superioridades, nem mesmo a “pirraça” dos “verdes anos”. É uma homenagem. Uma sincera e bonita homenagem. 

Por vezes, o Cinema é assim, tão despido, mas tão emotivo. Viva o Brasil!

Sérgio Tréfaut, conversa de Cinema e Raiva no coração

Hugo Gomes, 04.11.18

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Isabel Ruth e Leonor Silveira em "Raiva" (2018)

Sérgio Tréfaut enraiveceu para nos dar esta Raiva, filme que celebra o neorrealismo lusitano através da adaptação do Seara de Vento de Manuel da Fonseca. A luta entre classes, definições inexistentes num Alentejo nos anos 30, onde a austeridade embarca para Palma, o chefe de família determinado, o camponês pronto para defender o seu estandarte – a sobrevivência.

Falei com o realizador sobre o processo de criação deste neo-western, desde a escolha do protagonista até à fotografia de Acácio de Almeida, passando pela política e a diplomacia.

Trabalhou com Hugo Bentes em Alentejo, Alentejo e tornou-o o cartaz desse seu documentário. Agora deu-lhe protagonismo em Raiva. Para si, porque é que Hugo Bentes foi a escolha certa para o papel de Palma?

Sim, foi uma das vozes do Alentejo, Alentejo. Num dos momentos em que ele é solista, onde faz o “ponto” no Salsa Verde, eu comovia-me no preciso momento em que a voz grave se destacava. O Hugo também participou no canto Alentejo, Alentejo, que reunia uns 60 cantantes, mas só 10 encontravam-se de trajes, e ele era um deles. Nessa mesma cena o Hugo emitia uma posição de representação do orgulho alentejano. O orgulho pelas suas terras e sobretudo pelo seu cante.

E como Alentejo, Alentejo é um filme sobre identidade, encontrei nele o representante dessa mesma identidade e por isso fiz dele o cartaz. Mas antes disso, tinha lido o Seara de Vento durante o processo de rodagem do documentário e percebi que aquela mesma história era propícia a um filme, por isso comecei a tratar do argumento.

A única personagem certa para mim era a Isabel Ruth como Amanda Carrusca, mas não tinha ator predefinido para o Palma, o protagonista, exceto Javier Bardem. Na altura falei com os agentes do ator, porque era a única pessoa do universo do Cinema que representava tudo aquilo que Palma emanava. Bardem tinha aquela figura de campo, forte e viril. Não havendo Javier Bardem por razões óbvias, não procurei mais nenhum ator e parti logo para o Hugo. Dei-lhe a ler o guião, não lhe mencionei a personagem que seria. Ele leu e identificou-se imediatamente com a história.

Tenho um olhar para ver a fotogenia sem usar uma máquina fotográfica e o Hugo tinha e ainda, como se comprovou com o filme, a capacidade de interpretar. Há muitos atores que fazem bem isso, mas o que o Hugo tem de extraordinário é possuir a aura de uma grande estrela de Cinema graças à maneira que a câmara flirta com ele, e vice-versa. Quando isso acontece, é raro … muito raro no Cinema.

Está então empenhado em levá-lo a esse prometido estrelato?

Não tenho nenhum plano de ficção de momento que possa meter o Hugo ao barulho e também não passa por mim. Se alguém quiser fazer uma adaptação de O Elétrico Chamado Desejo e colocar o Hugo a fazer de Stanley Kowalski, está certo. Tudo o que peça Brando pode ser substituído pelo Hugo e isso está certo. Claro, não é para fazer um novo Apocalypse Now [risos].

Obviamente, que se ele quiser ser ator será ator. Eu apenas sei que acertei, melhor, acertamos juntos na conceção desta personagem.

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Sérgio Tréfaut

Mas o que mais prazer me deu foi executar este casamento de pessoas que nada têm de relacionado umas com as outras. Por exemplo, colocar Leonor Silveira casada com o Hugo, ambos tendo uma filha que é a Rita Cabaço, e a juntar a isso todo um leque de figuras que vão desde Sergi López até José Pinto a fazer de sargento da guarda, não existe ninguém mais salazarento que aquilo.

Estas “uniões” foram constantemente contestadas, ou porque não podia trabalhar o ator x ou porque não posso colocar a Leonor Silveira em tal papel. Mas isso tudo são regras ‘estúpidas’ sobretudo de gente que faz televisão. Eu não sigo isso, apenas faço aquilo que acredito.

Mas o que realmente lhe atraiu em Seara do Vento para torná-lo num filme?

Isso é um pouco evidente. Para além do livro ser um grande romance, a história tinha influências do western, é um épico e ainda contornos daquilo que poderia integrar nos grandes clássicos de Cinema. O próprio Manuel da Fonseca foi convidado para adaptar esta sua criação ao grande ecrã, nos anos 60 (creio eu) e que decorreria em Espanha. O autor tentou elaborá-lo nesse território, mas desentendeu-se com os espanhóis acerca para onde eles queriam levar aquela história. Por acaso, uma das questões era a persistência em existir um romance entre Palma e a filha dos latifundiários. Manuel argumentou que esse não seria o seu livro. Os americanos também foram por razões idênticas.

O autor acabaria por adaptar em 70, convidado por razões bastante políticas na época e que era importante estimular as massas, para o teatro. Intitulou-se "Casa Cercada'', que chegou a ser publicado e a peça encenada no Teatro Aberto. Tal foi filmada. Porém, nunca vi as filmagens, mas li o texto. Esta também não iria ao encontro das determinações do Manuel. O livro, a Seara do Vento tinha a ver com a contenção, ele queria no primeiro momento que a versão final passasse no crivo da censura porque era contido, a sua força provinha desse aspeto e não era um livro panfletário.

Em ’76, pós-revolução, convidam o Fonseca para contar tal história com um vocabulário e objetivos mais explícitos, tornando-se num manifesto, num panfleto, algo que nem o próprio quis publicar. Curiosamente, tenta dar importância à parte final do cerco. Então, quando fiz a adaptação para cinema, cometi exatamente o contrário que lhe pediam. Aquilo que tentaram fazer para instrumentalizar e instruir o povo não era um dos meus objetivos, mas sim expurgar o texto de intenções pedagógicas porque a realidade fala por si. Depois filmamos de forma que as imagens têm aquilo que têm para dizer e, por outro lado, a trama já é forte o suficiente para mais implicações.

Procurei levar uma história local, preservando a sua localidade. Criei um filme bastante concetual e igualmente realista. Contudo, tirei o arquete, a relação entre abusador absoluto e agregados que tem no meio, um universo onde quem tem tudo abusa até aos limites de quem não tem nada. O contrabando paralelo com a convivência com a autoridade e a igreja como cúmplice dessa relação de abusadores. Isto tudo, elementos pelos quais quis despir da exclusividade local e tecer uma universalidade. Seja qual for a nacionalidade, vai-se identificar automaticamente com a história, apesar de ter tentado atribuir-lhe uma correspondência de uma realidade mediterrânea na primeira metade do século.

Haverá quem não encare que o Alentejo era sim … mas era. Por exemplo, a mendiga que aparece no filme, aquela vestimenta quase árabe, é contextualmente coerente. O próprio Nicolau Breyner, alentejaníssimo, que nas provas de roupa vestiu a mendiga, aclamou que “era assim que elas andavam”.

Gostaria de buscar um filme, o qual trabalhou para conceção do seu Outro País, Torre Bela de Thomas Harlan, e colocar em paralelo com este Raiva em questão do contexto histórico e do desenvolvimento da luta entre classes.

Para mim, o Raiva acontece num momento anterior ao que se pode chamar de luta de classes, porque não havia espaço nem direito para isso sequer. Não existiam sindicatos nem nada que se pareça como luta. O abusador tinha o poder total e abusava totalmente, e aí podemos falar de conflitos. Hoje em dia, temos uma parte da população que não possui organização para essa conscientização, como as que trabalham em call centers, por exemplo, uma margem enorme dos trabalhadores mundiais que ficaram totalmente à mercê desses “abusadores”.

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Hugo Bentes, Leonor Silveira e Isabel Ruth em "Raiva" (2018)

Tal como naquele tempo, existe atualmente o receio de perder trabalho, mas a única diferença com a época do Raiva, é que hoje não trabalhar não significa automaticamente morrer de fome. Mas a realidade histórica da Torre Bela, anterior à revolução, é muito próxima à da descrita por Manuel da Fonseca, essa relação entre abuso e abusador. Uma realidade contada por qualquer alentejano antes de ’74, que sem trabalho perdia o sentido da vida, porque simplesmente não poderiam mais sustentar a si e aos seus.

Quanto a Torre Bela, um filme que tão bem conheço, aliás é o meu filme preferido filmado em Portugal … reformulo … talvez (até porque João César Monteiro tem que estar nessa eleição algures) [risos]. Mas voltando ao filme, este foi montado por um comunista italiano na época, Roberto Perpignani, e é um retrato da extrema esquerda a tomar conta organizadamente e anarquicamente que nos leva a um falhanço. Por outras palavras, é uma condenação comunista do anarquismo. Ou seja, aquele processo de levantamento do Torre Bela nada tem de relacionado com a reforma agrária no espaço controlado pelo partido comunista e socialista, cuja organização não era totalmente anárquica. E o filme acaba por focar algo particular, que é a desorganização que leva à destruição.

Mas voltando ao Raiva, mesmo não definindo esse confronto, existe uma inconsciência da mesma? Por exemplo, em certo momento ouvimos em voz off uma lengalenga como “Em terra sem Pão''. O pobre nasce pobre. O rico nasce rico (…)

Existe uma tentativa de toda a sociedade construir o mito da inserção, ou seja, que a Margaret Thatcher está ao alcance de todos nós. Que nós todos, pobres, se nos esforçamos muitos chegamos a algum lado. Obviamente que, para chegar a algum lado, é preciso esforço. Isso é obrigatório, mas os números são muito claros acerca da possibilidade de transformação social e dizem que essa capacidade do indivíduo fugir à regra é residual. No Alentejo passado ou se migrava ou se vivia lá da mesma maneira, ou seja, a exceção era e é muito difícil. Por isso, essa cantiga do “rico nasce rico (…)” é a imagem dos cerca dos 90% dos casos sociais.   

Mas há no seu filme uma subliminar veia política?

A Seara de Vento pertence a um grupo de romances que marcaram a ascensão do neorrealismo português e dentro desse neorrealismo, o qual levava o herói para a militância, a consciência do abusado e que estava ser explorado como uma tentativa de revolta e afiliação na organização política. Isso é algo muito repetido em várias obras do neorrealismo, quer na literatura, no cinema e noutras plataformas. O Seara’ não entende bem a isso, é a história de um “cowboy” que tenta, mas que falha, orquestrando com isso uma vingança. O Manuel da Fonseca criou um leque de personagens de forma a criar um conjunto de representações. A filha do Palma representa as “organizações clandestinas”, a força obscura da organização política, a qual o nosso “herói” não quis ouvir. O facto dele não ter ouvido a filha e a “avó” que representa a força loriga da terra, a sabedoria ancestral, termina, concluindo o livro: “afinal de contas um homem só não vale nada”. Ou seja, por autonomia, a luta coletiva pode mudar o “mundo”. Contudo, o filme não quer maneira nenhuma de dizer aos espectadores o que fazer, é apenas um retrato sobre o abuso, a humilhação e a “explosão” de um homem.

Apesar de seguirmos o quotidiano austero e sofrível de Palma e da sua família, em Raiva temos um deslumbre de uma cidade com um rico leque de personagens. O Sérgio Tréfaut não desenvolve nenhuma das figuras desse biótopo, mesmo que o filme coloque uma lente mais profunda nesse sentido.

Eu entendo o que você diz, na verdade não fui muito criativo inicialmente – ao ler o romance ainda pensei em colocar mais personagens – mas ao invés acabei por retirar, como aconteceu a um presidente da câmara que estava presente no livro. Mas obviamente que essas (outras) personagens tão bem poderiam servir para um retrato social. Era possível, até porque existem milhões de histórias, mas a minha adaptação teve um processo que era chegar ao miolo, ao caroço, quer esteticamente, quer narrativamente, manter apenas o essencial.

Fale-nos da fotografia, o trabalho com Acácio de Almeida e da escolha do preto-e-branco.

O preto e branco é mais verdadeiro do que a cor, começo por aí. Fundamental, foi a emergência da verdade que me fez decidir este aspeto da fotografia. Quando fizemos testes a cores, todas aquelas imagens pareciam saídas de um anúncio qualquer de iogurte ou de azeite … nem sabia bem o que aquilo era. Aquelas imagens quase propagandistas sobre o Alentejo que vemos habitualmente, é tudo menos o Seara de Vento. Filmar a preto e branco é uma homenagem ao Manuel da Fonseca, é aproximar desse espírito.

Em relação ao Acácio, um excelente diretor de fotografia que conhecemos há “milhões de anos” e temos um carinho especial. É alguém que compreende tudo o que está neste livro de forma intuitiva e que possui uma maleabilidade na forma de trabalhar, para além de um gosto pelo minimalismo no sentido de utilizar o menor número de recursos. Raiva foi o resultado de uma busca estética, de um improviso. Acácio é o coautor do filme, de certa forma.

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"Outro País" (2000)

Como vê este filme numa época em que cada vez mais se discute o revisionismo histórico do Estado Novo, deixando passar que o sofrimento não fez parte do cardápio da ditadura salazarista?

Acho que há diálogos que não se consegue ter e eu não sou partidário de usar o diálogo em todas as ocasiões. Quando alguém me diz que no Estado Novo se vivia bem ou as virtudes do regime hitleriano, penso que nesses casos o diálogo não é possível. Há diálogos que são impossíveis e nem tento: “simplesmente chega, vão se instruir.”

Quem tem que se preocupar com o diálogo diplomático são os políticos. Nesse caso, recordo de um filme que vi recentemente, O Processo de Maria Augusta Ramos. Doeu-me ao vê-lo, principalmente a capacidade do PT estar sentado durante o processo de impeachment da Dilma, constantemente negociando por causa de uma acusação falsa. Eles discutiram isso por mais de seis meses, sabendo que no final iria ser imposto algo não verdadeiro. Sou incapaz disso, provavelmente devido à raiva, mas pronto, como dizem, eu sou louco.

Deixa-me só a acrescentar que relembro o momento em que o meu pai quis me apresentar o embaixador do Irão, mas recusei a apertar-lhe a mão, porque apenas lembrava dos crimes que estavam a ser cometidos lá. É a minha maneira de ser.

É curioso ter invocado o impeachment, visto que o tópico “quente” são as eleições brasileiras e a vitória de Bolsonaro.

O Bolsonaro era uma pessoa que não apertaria a mão de certeza absoluta. Como frisei, não discutiria com alguém que advoga o crime, a violência e que, seguindo o modelo americano, diga que a licença de porte de arma livre resolva o problema do Brasil. Simplesmente não consigo com essa falta de noção de discurso. Aliás, o Bolsonaro não sabe falar, não é a troco de nada que não foi a nenhum debate. A sua campanha eleitoral é minada de Deus e Eu, Eu e Deus e uma missa. Questiono, que Deus é esse que ele fala … e que Igreja é essa que se associa a um candidato destes.

No seu filme, a religião, enquanto instituição, encontra-se centrada no lado dos latifundiários, o que também exalta esse paralelismo.  

O discurso do padre [no filme interpretado por Herman José] é de resignação, que devemos aceitar as coisas tal como são. Agora, isso vem do Manuel da Fonseca e do livro, no qual atribui grande ênfase no debate entre mãe e filha [no filme interpretados por Isabel Ruth e Leonor Silveira]. A filha, que trabalhou como empregada para uma família de burgueses, acredita que a sua situação mudará através da devoção a Deus, enquanto que  a mãe, não sendo propriamente ateia mas sim uma pessoa com a sabedoria dos séculos aclama que “Deus não ajuda coisa nenhuma a livrar daquela pobreza”.

Isso é o conflito do Manuel da Fonseca, e claro, por outro lado, a igreja institucional com o padre anafado e que socializa com a família burguesa do livro. Mas o que ficou desse conflito no filme foi um conceito minimal.

Como vê o cinema português atual e a importância dos festivais de cinema no mesmo?

Existem dois tipos de pensamento referente à produção em Portugal, os que advogam que o cinema quer-se comercial e normalmente não é cinema, é outra coisa, e que não tem reconhecimento internacional, nem em festivais, nem em vendas. Por outro lado, há os que lutam por um Cinema que tem a ver com a História da mesma e da arte, essa menção de festivais é onde se legitima o filme para eventuais vendas e distribuição internacionais. É isso que balança o comercial e o de autor (que é Cinema), continuando a permitir a produção. Se isto fosse tudo por encomenda, seria um desastre.

Tirando isso, o cinema português é acima de tudo caracterizado pela liberdade, acho que é essa mesmo a palavra-chave. Temos o exemplo máximo disso que é João César Monteiro. Não pertencemos a uma indústria, o nosso Cinema é uma espécie de artesanato. 

E quando me perguntam se o filme tem os moldes de produção do cinema português, afirmo porque Raiva tem isso mesmo … liberdade.

Mas em contrapartida, temos os modelos de financiamento através do ICA que são muito gerontocráticos. Eles não incentivam a criatividade e punem os jovens insensatamente. Não se preocupem em descobrir onde e de onde vem a criatividade. Temos o caso do Gabriel Abrantes que conseguiu furar isso, mas muitos são incapazes de “furar” o mandato deste sistema. 

Luís Miguel Cintra e o mercado não é para velhos

Hugo Gomes, 09.05.18

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Luís Miguel Cintra no 71º Festival de Cannes

O mercado de trabalho para mim não existe. Não sei o que é. O mercado de trabalho é zero. Portanto, não interessa. O que existe de facto é o trabalho de ator, um trabalho que tem a ver com a própria personalidade. O material de trabalho é a nossa pessoa. Portanto, se a pessoa envelhece provavelmente tem um destino diferente. Mas vamos esperar o quê? Que os mais novos inventem personagens de velhos?  Não conhecem. Não têm conhecimento de como funciona um velho. Portanto, a imaginação deles não vai para velhos. Por isso temos de nos resignar, como em tudo na vida.”. Foram estas as palavras de Luís Miguel Cintra em Cannes, quando respondeu à minha questão sobre como é o mercado de trabalho de um ator a lidar com o envelhecimento.

O ator português marcou presença no Croisette para apresentar “Ilha dos Amores”, de Paulo Rocha, filme que regressou ao festival inserido na seção Cannes Classics da 71ª edição do Festival de Cannes. Sobre esse regresso, trinta e seis anos depois da estreia no festival, Cintra mostrou sensações mistas: “Tem que se pensar que este filme foi feito há trinta e tal anos, quase quarenta. Para mim isso significa uma distância – entre o dia de hoje e da exibição original do filme – de quase a minha vida inteira, da vida ativa, digamos. Portanto, tenho uma emoção negativa, por sentir que já acabou. Passaram estes anos, aproveitei o que pude aproveitar e esse é o sentimento que as pessoas têm quando envelhecem – e é um bocadinho chato. Por outro lado, tenho ao mesmo tempo um orgulho muito grande porque no meio do estado das artes, que é tão desesperante, no sentido que é tudo dominado pelo mercado, um filme como este funciona como uma pérola raríssima. 

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Eu e Luís Miguel Cintra no 71º Festival de Cannes

“Uma relação absolutamente sincera e um desejo profundo das pessoas que participaram naquilo, de quererem fazer uma coisa que nunca tinham visto feita, que não sabiam como se fazia e estavam a tentar com a confiança e respeito de que todos eram pessoas com valor; os diretores de fotografia, a música do Jorge Peixinho, os diálogos da Luísa Neto Jorge, os cenários da Cristina, os atores que estavam a representar. A própria figura do Wenceslau, um artista também, que escrevia livros, que era um escritor para além de ser um oficial da marinha. Depois estava-se a fazer uma coisa que partia da ideia do abandono da pátria (…) em busca de uma pátria ideal que não tinha a ver com nacionalismos, mas com o lugar da verdade ou o do coração, ou qualquer coisa desse género. Soa muito a coisas que foram espezinhadas durante muitos anos. Mas a gente continua a acreditar que a história continua. Que umas coisas acabam para começarem outras novas. Só agora mais velho consigo ter essa sensação. Por isso eu tiro daqui o proveito pessoal que me interessa. Não tenho nada a ver com produção, não tenho nada a ver com carreiras. Tem a ver com o gosto de ter feito uma coisa que era muito importante para nós e que fazíamos como algo que queríamos dar ao público”.

Visivelmente emocionado, Cintra não tem problemas em dizer que tem “pena de não ter ainda mais tempo para fazer ainda mais coisas” e que “tem a certeza que daqui para a frente” poderá fazer muito pouco. Ainda sim, mostra-se orgulhoso do seu último trabalho no Cinema: “Tenho muita honra em fazer figuração, uma passagem que não demora um minuto sequer, no filme do Sérgio Tréfaut que estreou  agora [“Raiva”]. Gosto muito do filme. Gosto muito das pessoas que estão no filme, que é fotografado por um velho, o Acácio. Um fotógrafo absolutamente genial com quem comecei; o primeiro filme que fiz tinha a fotografia do Acácio de Almeida, por isso quando o encontro tenho sempre uma ternura muito grande por ele. E fiquei contentíssimo em ver que ele fez uma fotografia tão linda para o filme do Sérgio que estreou agora no Indie. Colocam-me no lugar de ancião sábio. Eu disse que gostava de ser menos sábio“.

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Ilha dos Amores (Paulo Rocha, 1982)

O filme de Paulo Rocha foi exibido numa cópia recentemente restaurada pela Cinemateca Portuguesa-Museu do Cinema, que teve origem na digitalização 4K com wet gate de interpositivos de imagem e som em 35mm tirados num laboratório japonês em 1996. A correção de cor digital foi feita por La Cinemaquina usando como referência uma cópia de distribuição de 1982. O restauro digital da imagem foi feito pela IrmaLucia Efeitos Especiais.