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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

"A Culpa não morre solteira": o ano terrível para o Cinema Português

Hugo Gomes, 24.12.22

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"Km 224" (António-Pedro Vasconcelos, 2022)

2022, mais um ano, mais lamentações a caminho. O Cinema Português, essa formalizada instituição que muitos adoram cuspir, resiste face aos números vergonhosos nas bilheteiras nacionais, mesmo que, muitos deles beneficiam de “boa imprensa”, de críticas esplendorosas, artigos requintados e o esforço hercúleo por parte das suas distribuidoras e produtoras em os promover. 

Mas o cinema nacional demonstrou-se alheio aos planos do grande público, que o diga o veterano António-Pedro Vasconcelos e o seu drama de custódias “Km 224” que terminou com uns “míseros” 4.128 espectadores (tendo em conta a sua ambição comercial, 830 sessões contra, comparativamente, as 161 de Lobo e Cão de Cláudia Varejão que arrecadou, até ao momento, valores mais acima), ou o que dizer a estreia de Tiago R. Santos e o quarteto de luxo [Ricardo Pereira, Teresa Tavares, Margarida Vila-Nova e Cristóvão Campos] com “Revolta”, filme que em outros tempos chegaria, na pior das hipóteses, aos 5.000 espectadores, apenas arrecadou 1.719. Melhor posicionado esteve “Salgueiro Maia: O Implicado” de Sérgio Graciano [16.777], o qual convém referir a importância ainda memorial da sua figura-alvo, e a dupla rural “Restos do Vento” de Tiago Guedes e “Alma Viva” de Cristèle Alves Meira [11.685 e 7,537].

Nem mesmo João Botelho, possivelmente o realizador com mais imprensa por metro quadrado nos seus filmes, que nos trouxe uma das suas melhores obras em muito tempo (“Um Filme em Forma de Assim”), não escapou à derrota nessa estrangulada luta nas bilheteiras [2.208], e num ano em que contou com retrospetiva integral na Cinemateca, novamente promovida em todos os meios, mas igualmente captada pela indiferença do seu público-alvo. Cinema português e bilheteiras são um eterno fado e que nada descura da qualidade de muitas destas obras. 

Já os restantes autores propriamente ditos; "Fogo-Fátuo" de João Pedro Rodrigues a exibir a sua legião de adeptos [3.533 espectadores], com cerca do dobro do atendimento, Marco Martins e o seu “Um Corpo que Dança - Ballet Gulbenkian 1965 - 2005” demonstraram adesão ao documentário português (enquanto o mais visto nessa categoria foi “Cesária Évora" de Ana Sofia Fonseca com 7.057 espectadores). Números longínquos para com uma Rita Azevedo Gomes, por exemplo, cujo O Trio em Mi Bemol levou até ao momento 467 espectadores, mais que o tríptico de Joaquim Pinto e Nuno Leonel acolheram [“Pathos Ethos Logos / 178 espectadores]. Comparativamente, com menos promoção e imprensa, a segunda longa-metragem de Adriano Mendes - “28 ½ - concretizou 725 espectadores, em 43 sessões, menos que as projeções do filme da Azevedo Gomes, ainda em cartaz [62 até à data].

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"O Trio em Mi Bemol" (Rita Azevedo Gomes, 2022)

Estes trazidos números serviram para mostrar um só propósito - o constante desfasamento entre o público e o seu cinema - um fenómeno latente à dissertação das salas pelo conforto do ambiente doméstico sob a febre das “novidades do streaming”, ou a cada vez mais “exigente” seleção do que realmente ver numa sala de cinema … a aspas são pertinências visto que o cardápio parece fundamentado em redor de super-heróis ou franchises duradouros. Contudo, quando o tema é cinema português, a discussão resume-se na própria qualidade destes do que no gosto do espectador. Anos a fio a ouvir os mesmos queixumes, enfrento-o esses argumentos com os iguais números.  

Mas antes disso, há que procurar as causas para esse divórcio? Possivelmente, um dos graduais problemas, como havia sido sugerido, seja a reputação que a nossa produção adquiriu e acumulou ao longo destes anos. As avenças de “Amor de Perdição” de Manoel de Oliveira ou os enterros antecipados a António Macedo (o sketch satírico de Herman José fantasmagoricamente ainda povoa na nossa imaginação coletiva), conspiradas raízes para este boicote orquestrado ou até politizado que hoje fomenta furiosos pedidos de uma renovação de histórias, de estilos, de ritmo, de atores e sobretudo uma “americanização” do nosso cinema, em jeito de encabeçar sem grandes histrionismos um catálogo de um globalizado streaming

Porém, o desejo é diferente dos sucessos, “Dois Duros de Roer” ou Curral de Moinas: Os Banqueiros do Povo, inquestionavelmente amadora televisão descaradamente embutida na tela conquistou espectadores (48.830 e 314.115 respetivamente), muitos deles assinantes dessa “carta de exigências". Com este cenário em conta, para quê continuar a debater sobre o que o cinema português precisa de fazer para “apelar” ao seu público? Claro que não, como todos os divórcios, a culpa não morre solteira. 

Escusado será totalmente imputar a nossa produção tendo em conta que o dito “espectador português” tem demonstrado ao longo destes anos zero paladar no ramo.

As Revoluções não acontecem apenas com intenções ...

Hugo Gomes, 13.04.22

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"Há diversas modalidades de Estado: os estados socialistas, os estados corporativos e o estado a que isto chegou! Ora, nesta noite solene, vamos acabar com o estado a que chegámos. De maneira que quem quiser, vem comigo para Lisboa e acabamos com isto. Quem é voluntário sai e forma. Quem não quiser vir não é obrigado e fica aqui."

São dois, os momentos que retenho nesta minha experiência com “Salgueiro Maia - O Implicado”. A primeira, após o aviso de Miguel Borges que faz da refeição uma ocasião sagrada digna do silêncio, a câmara de Sérgio Graciano, pacientemente, aguarda e respeita esse mesmo tempo de comunhão, cinco minutos que em jeito abstrato poderiam traduzir os tempos amedrontados do Estado Novo (se Joaquim Pinto conserva-se em 11 horas, nem é por meros minutos que o “gato vai às filhoses”). A segunda sequência resulta na decorrência numas das “missões” ultramarinas, quando uma das praças do pelotão sob o comando de Maia pisa acidentalmente uma mina. A câmara, mais uma vez, reforça o seu papel expressivo, mapeando um quadro de três pessoas - a aflição, a salvação e a consciência - numa cena que responde com sugestão e nessa “invisibilidade” consegue captar um pânico de difícil descrição. 

Duas cenas, foram essas as que consegui reter nesta cinebiografia, mais que convencional, de um dos grandes heróis da Nação, o nosso “capitão de Abril” por excelência (pelo menos, o mais consensual e apolitizado). “Salgueiro Maia - O Implicado” é um protótipo de um filme, um teaser para uma possível série televisiva (pelos vistos é esse o plano). O porquê de dizer isto? Pela sua narrativa descosturada por vinhetas biográficas, saltitando narrativamente sem se aperceber que desta maneira sacrifica o ritmo (aliás, tem sido o grande “calcanhar de Aquiles” de Graciano neste seu percurso cinematográfico) e a própria dimensão da personagem (Tomás Alves, que vimos em grande plano ao serviço de Mário Barroso em “Um Amor de Perdição”, é mais que competente no seu papel, diria mesmo, heróico), sem referir à quantidade de elenco reduzido a meras passagens (Catarina Wallenstein, João Nunes Pinto, Diogo Martins, José Raposo, etc). 

Esta postura kamikaze resultou numa mera lição de História, pedagógica nos seus costumes e telenovelesca na sua postura, invadida por uma banda-sonora onipresente de José de Castro (que havia trabalhado com Graciano em “O Som que Desce na Terra” e o infame “As Linhas de Sangue”) que com uma assertiva disciplina tenta invocar a emoção ausente nas imagens deste “Salgueiro Maia – O Implicado”. Resumindo e concluindo, pouco cinema e mais televisão por estas andanças. 

Depois disto, “Capitães de Abril” de Maria Medeiros (com o ator italiano Stefano Accorsi, e dobrado por João Reis, como Maia) deverá ser promovido a “obra-prima”.

"A Impossibilidade de Estar Só": mas por vezes vale mais do que estar mal-acompanhado

Hugo Gomes, 07.08.20

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Começaremos com o óbvio: “A Impossibilidade de Estar Só” é um fantasia açucarada de quem julga que a juventude é o fim das emoções – a epifania das epifanias – de quem encara a vida como uma autêntica ficção mercantil com o desejo de ser maior que as próprias circunstâncias. Contudo, nada de mal com isso, se não fosse o facto deste projeto ser no mínimo embaraçoso.

Sérgio Graciano (do inesquecível [pelas piores razões] “As Linhas de Sangue” e o limitadamente competente “Assim, Assim”) estreará este ano [2020] três longas-metragens, incluindo a esperada cinebiografia de Salgueiro Maia, porém, no pacote está incluído este road trip romanceado de uma jovem, diagnosticada com uma doença rara, que se aventura, juntamente com a sua melhor amiga e contra as indicações dos médicos e dos seus pais, pela costa vicentina na demanda do seu pretendente.

Uma “aventura” (colocar as aspas para não sermos mal interpretados), onde os adultos são meras vozes ou corpos imparciais e a música de Lúcia Moniz acompanha os intermináveis slow-motions (autênticos videoclipes de narrativa deitada fora). Este é o tipo de produção cujas boas intenções não pagam barqueiros, tudo ambicioso mas igualmente entregue a uma estética académica e inexperiente, com Sérgio Graciano provando mais uma vez, que os tiques televisivos que ostenta não são mais que meros “know hows” de mau tarefeiro. Já vimos trabalhos escolares com melhor aspeto que isto.

Pelo meio deste turbilhão … previsível aliás (até existe uma clara apropriação de guião e decisões estéticas a replicar “Everything, Everything”, fábula de amores “teenagers” de Stella Meghie) … desperdiça-se talentos (imaginamos estas atrizes sob outra direção), vontades e até mesmo caridades. É novamente o protótipo de um cinema que não existe de todo, e para além disso, é tão embaraçosamente artificial … tão “impossivelmente” meloso!

Os patetas do costume

Hugo Gomes, 16.03.19

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"Linhas de Sangue" (Sérgio Graciano & Manuel Pureza, 2018)

"A verdade é que nenhum dos filmes portugueses de entretenimento interessa a qualquer um dos meus três filhos, que são espectadores normais de cinema. Porque, patetice por patetice preferem os americanos, que são patetas grandes." João Botelho (O Cinema da Não-Ilusão: Histórias para o Cinema Português, de João Mário Grilo)

O pior do cinema português?

Hugo Gomes, 25.07.18

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O pior filme do cinema português? Parece exagerado esta afirmação concreta, presunçosa que revela antes de mais insegurança em relação à armadilha deixada pela equipa de marketing de “Linhas de Sangue”. Nesta estratégia é nos deixado uma curta-metragem onde três “supostos” críticos entram em sala de projeção, rindo desalmadamente de todo o filme até que no final discutem as notas a dar. “Eu vou dar bola preta. Aliás, no meu jornal só dou bola”. Este pedaço de “comédia crítica” envenenada por todos os clichés e generalizações evidencia duas patologias. Uma, o desconhecimento do que é crítica de cinema e do que realmente se passa nos ditos visionamentos de imprensa e, segunda, uma vingança ressabiada reconhecível de um dos realizadores (visto que dos dois creditados só um ‘sofreu’ nas mãos destes ‘malvados’). Porém, por momentos, tenta-se não ser levado pela desinformação causada, até porque, vejamos, essa curta é afinal o melhor de um filme que nunca existiu. O pior é mesmo o seu anexo, aquele que dá pelo título de “Linhas de Sangue”.

Mas … o pior filme do cinema português? É possível? Nesta quimera produzida sob as luzes de uma indústria inexistente, encontramos as influências, ou diríamos antes, o signo das comédias de Jim Abrahams e David Zucker, o simples spoof movie, hoje vulgarizado pela piada fácil e de teor escatológico. Da nossa memória prevalece “Hot Shots: Ases Pelos Ares” como principal fusão, o teor ridicularizado que nunca sai da mera caricatura. Porém, havia inteligência nesse sistema de gags, existia sobretudo conhecimento quanto à coletânea de referências e, pelo meio, uma espécie de parábola política e social. O trabalho de Abrahams / Zucker formou muita da comédia hoje citada aos trambolhões.

Em “Linhas de Sangue”, isso não acontece. Primeiro, porque não existe um cuidado em abordar seriedade sob o tom trocista e isso reflete-se na pouca sapiência dos gags e como estes são empregados. Dando o exemplo da primeira sequência, onde sobrevoamos uma Lisboa sob a legenda «Berlim, República Checa», a sátira que é desfeita logo de seguida com o anúncio de que tudo não passa de uma piada. Trata-se evidentemente de um método de autodefesa, ou até mesmo de insegurança. O resto é cair na série B (nada contra), sob os efeitos invejáveis de uma “megalómana” produção à portuguesa, os pequeninos sem a modéstia de aceitar uma indústria que não existe e muito mais, um público não preparado. Todavia, neste último ponto a culpa não poderá ser totalmente do filme, mas sim da dominância de Hollywood e como certos elementos tornaram-se associados a esta mesma indústria. Apropriados em “Linhas de Sangue”, dos mutantes às amazonas do Tejo, tudo soa a uma artificialidade desaprovadora, muito mais, quando nos apercebemos que tudo não passa de uma brincadeira chapada.

O que Luís Ismael nos ensinou é que para levar o espectador a um cinema descontraído, fora das tendências do world cinema, é preciso ter paciência e assim aperfeiçoar-se cinematograficamente em cada tempo. Não é por menos que ele é o criador da trilogia “Balas e Bolinhos”, hoje tido como o case study de progressão técnica e também narrativa. Ora, “Linhas de Sangue” – sob um jeito glutão – tenta ser levado a sério e ao mesmo tempo pede clemência na percepção do espectador. Porque, afinal, não passa tudo de uma piada (novamente sublinha-se). Contudo, se em ´Balas’ existe uma certa paixão no seu material, em Linhas’ encontramos somente uma dedicação em criar um filme para amigos. Sim, estes que palmadinhas nas costas darão como etiqueta, sussurrando elogios como “bom trabalho” ou “glorioso”. Depois são 54 atores, caras conhecidas do universo televisivo e teatral do público português. Agora imaginem só os círculos de amigos que cada um detém … Mas no fim de contas, são os atores que elevam este produto, foram, sem dúvida alguma, eles quem mais se divertiram com tudo isto.

Em relação ao pior filme do cinema português, assume-se que tal estatuto será difícil de confirmar até porque, no nosso circuito, muitos atentados já haviam sido produzidos. Só que “Linhas de Sangue” carece de alma e sobretudo humildade (não confundir com ser despretensioso), aliás, isso também falta aos apoiantes da tal campanha publicitária. Aqueles que persistem em estereótipos numa sociedade saturada deles.

Njinga, A Rainha da Angola: realeza, guerreira e rotineira ...

Hugo Gomes, 10.07.14

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Segundo o novo e ambicioso filme de Sérgio Graciano (Assim, Assim) - Njinga: Rainha de Angola - os colonos portugueses tiveram complicações no seu dito processo de colonização em parte do território angolano (Ndongo e Matamba), em causa estavam tribos ferozes e belicamente astutos liderados por um mulher guerreira e detentora de um espírito indomável, mesmo pelos homens da sua nação. No mesmo filme de Graciano, o povo que insurgiu contra a coroa portuguesa e de igual forma aos seus costumes ocidentais, falam … português, e um português bem moderno e contextualizado sem dúvida.

Contudo, esta não é a única incoerência que Njinga possui, para além de uma rainha letrada, os holandeses que não são mais que portugueses de sotaque e adornos inexplicáveis para as circunstâncias, temos a nosso dispor todo um conjunto de tratamentos novelescos a uma história guerrilheira com promessas fartas de um fulgor épico. Depois é a construção narrativa, cruel para quem desconhece os factos históricos e a cronologia de uma relevante mulher mas absolvida pela banalidade da sua produção (mais interessada em extrair um teor televisivo que apresentar rigor na sua reconstituição). Poderíamos ter suspeitado, visto que por detrás desta produção cinicamente ambiciosa está uma cadeia de televisão angolana – Semba - com claros interesses em transformar toda esta "tarefeira" em série de horário nobre. Enfim, até mesmo como produto de televisão, Njinga é "marcado" por desempenhos dramaticamente baças, conflitos esquematizados e até mesmo sequências de batalhas destinadas ao fracasso teatral.

É pena que Graciano não possuiu "unhas para tocar tal guitarra", o essencial não era somente imprimir imagens mas sim conseguir expressar da maneira mais glorificante para com a figura homenageada e conectá-la com a credibilidade histórica. Mas é certo que o realizador tem um certo toque para com a câmara, chegando mesmo … vejam bem … a esboçar um plano sequência digno do cinema de Antonioni (mal empregue, verdade seja dita). Por fim, há que salientar que Njinga: A Rainha de Angola é de momento a "pedra no calçado" de Rodrigo Leão, o compositor português reconhecido em produções hollywoodescas apresenta aqui o seu pior trabalho. Sobra então a fotografia …