Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

O Cinema Marginal reclama o grande ecrã. Arranca o 4º Outsiders - Ciclo de Cinema Independente Americano

Hugo Gomes, 10.03.25

7ba319a09af5c071c62b894d74eb5af1ecccb2c8a188fea25b

"Ghostlight" (Kelly O'Sullivan & Alex Thompson, 2024): filme de encerramento

Cinema Independente ou Cinema Marginal Americano? Ambas as designações parecem fundir-se numa só vertente: o cinema americano fora do glamour, longe dos orçamentos mastodônticos e, muitas vezes, distante dos elencos estelares que garantem distribuição e divulgação. Este ano, Sean Baker, um dos protagonistas da independência americana nos últimos tempos, ergueu quatro estatuetas da Academia, incluindo as de Realizador e Filme, discursando sobre a importância deste seu cinema sempre em luta. A vitória ecoou, mas poderá ter embatido numa parede, pois, longe do brilho de “Anora”, muitas obras continuam a resistir para alcançar um resíduo de luz, e isso não mudará com palavras em palco.

Criado há quatro anos, Outsiders - Ciclo de Cinema Independente Americano surge com um propósito claro: revelar autores e filmes que, de outra forma, escapariam ao olhar da cinefilia portuguesa. De 11 a 16 de março, no Cinema São Jorge [Lisboa] serão apresentados doze filmes de produção independente, este ano centrados na relação com o “outro”. Mas qual “outro” é que falamos?

O Cinematograficamente Falando... solicitou ao programador Carlos Nogueira não apenas uma justificação, como também um guia para esta edição—uma mostra sem competição, onde o Cinema (com C grande, se faz favor) se exibe em plena liberdade. Há ‘velhotas’ em ação, caçadoras de fantasmas, Shakespeare improvisado e até bolinhos da sorte, cinema americano na margem, mas igualmente no centro do mundo.

O festival Outsiders, para além das interpretações que possam ser feitas da sua programação e seleção, sempre assumiu o propósito de ser uma resposta à ineficiência da distribuição nacional. É correto encarar o Outsiders dessa forma?

Prefiro ver o Outsiders como um complemento. Nos últimos anos assistimos a uma transformação radical da distribuição, com o surgimento em força das plataformas de streaming, e a sobrevivência difícil das salas. Os festivais e as pequenas mostras convivem, melhor ou pior, com esse rebuliço, mas também eles têm as suas prioridades ou não têm a capacidade de suprir as falhas da distribuição comercial. É aí que entra o Outsiders.

Ainda no seguimento da questão anterior, antes de falarmos da programação e dos destaques desta 3ª edição: porque é que filmes como “Thelma” (filme de abertura deste ano) ou “Ghostlight” não tiveram qualquer tipo de distribuição em Portugal (seja em sala, VOD ou streaming), apesar da boa recepção e do destaque no seu país de origem?

As razões parecem misteriosas, mas, na verdade, há explicações para isso: o cinema independente não tem a vida facilitada à nascença, tem de lutar para entrar nos circuitos de distribuição. A redução drástica do número de salas provocou um afunilamento das estreias comerciais e é inevitável que os filmes que não têm uma distribuidora major fiquem para trás. Os canais de streaming compram frequentemente por atacado, sem grande critério.

MV5BMjMzNTUyNDUzMF5BMl5BanBnXkFtZTgwMDg3NTAyNzM@._Light from Light (Paul Harrill, 2019): exibido no dia 12 de Março

Um dos pontos fortes do Outsiders é a vinda de um realizador ou autor independente que, muitas vezes, é esquecido, ignorado ou simplesmente desconhecido pelo público português, incluindo a cinefilia e a elite cultural. Como é feita a escolha do convidado? No caso de Paul Harrill, o realizador desta edição, o que nos pode dizer sobre ele e o que poderá acrescentar à cinefilia portuguesa?

A escolha do convidado é muitas vezes fruto do acaso. Depois de algumas hesitações iniciais, acabámos por optar pelo modelo de ter apenas um convidado que não só apresenta e debate com os espectadores o seu ou os seus filmes, como também dá uma masterclass. Até agora tivemos muita sorte com os convidados escolhidos (que variaram entre o "consagrado" cineasta indie Joe Swanberg, o jovem prodígio Jack Fessenden e o "segredo bem guardado" Patrick Wang), que mostraram grande disponibilidade para interagir com a audiência e participar nas actividades do festival. 

Este ano teremos mais uma revelação para o público português: Paul Harrill, cineasta de Knoxville (Tennessee), que vem construindo discretamente há mais de dez anos uma obra notável, centrada em personagens insatisfeitas e em busca de si próprias, que por vezes encontram a paz, mesmo que temporária, na religiosidade doméstica. O seu cinema não podia ser mais diferente daquilo a que estamos habituados a identificar como o cinema indie.

Este ano, com a vitória de “Anora” nos Óscares e o discurso de Sean Baker, intensificou-se a discussão sobre o cinema independente americano. Como programador de cinema desta estirpe, acredita que este reconhecimento pode “abrir portas” a mais filmes independentes, ou o triunfo da estatueta acaba por desvalorizar a sua condição marginal?

Não, infelizmente. É verdade que o cinema independente espreita às vezes pelas portas entreabertas dos Óscares (“Moonlight”, “Anora”...) e de outras festividades dos "grandes e poderosos", mas são epifenómenos de curta duração.

Na sua nota de intenção, referiu que a seleção de filmes deste ano debate a visão do “outro” – ou melhor, dos “outros” que compõem os EUA. Considerando o atual panorama político do país e o caminho que se prevê para o futuro, como é que esses filmes abordam os “outros” e as suas relações dentro dessa realidade?

Este ano, o tema do "outro" impôs-se muito cedo, no início da fase de selecção. Os primeiros títulos que me surgiram pareciam reflectir, de alguma maneira, determinadas preocupações da América actual, como o controlo da imigração, a luta das minorias, ou os inimigos no interior. Daí que me tenha parecido interessante centrar o ciclo deste ano na procura dos "outros" que estão na origem dos medos contemporâneos.

Acredita que estes filmes ganharão uma nova vida dentro da cinefilia portuguesa depois de passarem pelo Outsiders?

Acredito que haverá descobertas surpreendentes; muitos dos filmes são primeiras obras e o público mais atento ficará com curiosidade em seguir a obra futura de alguns dos realizadores. Tal como numa exposição, em que as obras são expostas pela afinidade que têm entre si, as pessoas ganharão em ver mais do que um filme, uma vez que há paralelismos que se estabelecem e muitos dialogam entre si.

"Ingrid Goes West" (Matt Spicer, 2017): dia 14 de março

"Fremont" (Babak Jalali, 2024): dia 15 de março

"Thelma" (Josh Margolin, 2014): filme de abertura

 

Quais são as ambições futuras para o Outsiders?

Gostaria que o Outsiders consolidasse o seu lugar como uma mostra que faz a diferença no panorama dos festivais nacionais. Estou satisfeito com o seu modelo presente (filmes inéditos, relativamente recentes, selecção com curadoria, presença de um convidado) e não vejo a necessidade de grandes transformações.

A principal ambição é que ele chegue a um público mais vasto. O crescimento que tivemos no ano passado faz-me acreditar que estamos no bom caminho.

Toda a programação poderá ser consultada aqui

Anora, mon amour, a noite foi tua ... mas a que custo?

Hugo Gomes, 03.03.25

97th-academy-awards-press-room-34218951.webp

Começo pelo fim, como habitualmente faço ao encerrar esta conversa: “Acabaram os Óscares, voltemos ao cinema.” Com mais uma noite no Kodak Theatre, o cinema ficou-se pelo glamour que muitos ousam sonhar. O clube restrito está fechado, só entra com convite.

Pausemos o cinismo da passadeira vermelha e a feira das novidades por um momento, e encaremos a lista de premiações ao de leve: as hipóteses de Fernanda Torres vencer a estatueta – mesmo com “Ainda Estou Aqui” consagrado como Melhor Filme Internacional, batendo “Emilia Perez”, um musical de ódios e montra de certo virtuosismo ocidental (um dia gostaria de esmiuçar esse exercício de mediocridade de Audiard, mas o backlash generalizado fez-me ter pena) – e o Brasil levar o ouro para casa, foram esmagadas pelo sangue novo injetado por Mikey Madison, a jovem atriz pode contar com “Anora”, o grande vencedor da noite, como, e talvez, o ponto mais alto da sua carreira. Mas, em relação aos Óscares, prefiro vê-los como através de uma bola de cristal – e a sua vidência traz pistas sobre o pensamento corrente da Academia e a relação desta com um mundo em metamorfose. “Anora” não representa o melhor da produção global, mas talvez o melhor encantado pela indústria americana, e, pelos vistos, os votantes dão cada vez mais valor à chancela externa, com a Palma de Ouro a brilhar-lhes na face.

Sobre este vencedor, algo me inquieta: ver Sean Baker laureado como Melhor Realizador e o seu filme a erguer o troféu máximo faz-me prever um adeus ao autor de cinema independente. O que virá daqui? A maldição do Óscar fará efeito sobre Baker? O seu cinema industrializar-se-á? Quanto à jornada da stripper no “País das Maravilhas”, leio-a como uma abstração do sonho americano, e o sexo, esse elemento cada vez mais entortecido pelo puritanismo yankee e pelos moralismos aí enraizados, surge aqui sem condescendência, e sim como um contacto possível num tempo em que nos tornamos cada vez mais distantes uns dos outros. O final do filme prova essa tese – um dos mais tristemente belos que os EUA desencalharam em 2024.

Já o fantasma de “Emilia Perez" fez-se sentir nos prémios: Zoe Saldana venceu a previsível categoria de Atriz Secundária com o seu mau espanhol, “El Mal" levou Melhor Canção. “The Brutalist" pagou o preço das denúncias sobre o uso de IA, mas as consequências foram amenizadas: Adrien Brody conseguiu o seu segundo Óscar, ainda levou Melhor Fotografia e Banda Sonora (merecidíssimo). Rory Culkin, sem surpresas, venceu Ator Secundário graças ao seu papel co-protagonista em “Real Pain”.

No Other Land” levou Documentário, “Flow” brilhou em Animação, enquanto The Substance” e “The Wicked” saíram como os grandes derrotados. Os Óscares foram, por fim, uma disputa renhida, mas a ameaça de uma Hollywood MAGA-friendly pode colocar estes prémios em xeque num futuro próximo.

A ver vamos… Por enquanto, “Anora” brilhou!

Um diamante bruto que se dá pelo nome de Anora

Hugo Gomes, 30.10.24

anora_interview_7cf3813341.webp

O sexo é a moeda de troca nesta América “redesenhada” por Sean Baker, é o seu mote, o seu mantra, a partir do qual florescem histórias da sua visão yankee. Realizador que, nos últimos tempos, muito devido ao seu “filme de rua” “Tangerine” (2015), captado por um iPhone, conquistou o estatuto de grande nome do cinema independente norte-americano, isto num momento em que essa cinematografia de baixo orçamento parece ceder a fórmulas sundescas, com um ou dois nomes destacados. Depois desse “Kids” transgressivo, Baker acampou às portas da Disney numa busca incessante pela inocência, distanciando-se do mercantilismo e da desfiguração trazida pelos “pecados capitais” dos EUA em “The Florida Project (2017). Seguiu-se “Red Rocket (2021), onde resgatou o ator Simon Rex, conhecido pelas suas comédias disparatadas, impondo-lhe o papel de uma decadente estrela pornográfica, protagonizando uma série de peripécias tragicómicas sem qualquer réstia de redenção.

Aliás a comédia é uma droga que corre nas veias da cinematografia de Baker, de doses comedidas sem nunca induzir overdose, e é com esse humor presente que “Anora” se instala, manejando espaço para os seus lugares-confortáveis, a do sexo, aqui representado, industrialmente, pela nossa Anora - Ani como ela prefere ser chamada (Mikey Madison) - dançarina exótica que aceita serviços de protituição para o filho de um oligarca russo com uma quantas propostas indecentes e aliciantes pelo caminho. Neste primeiro ato de delírio e ostentação, o filme abraça uma espiral de excesso, como um sonho repetitivo e musicado, que se assemelha aos infinitos anúncios de excentricidades. No entanto, quando esse sonho se dissipa, um “banho de realidade” espreita para tomar a nossa protagonista, sem nunca a banhar por completo devido à sua entranhada fantasia / alucinação. É nesse momento que Baker encontra um ritmo perfeito: o filme aguarda, esclarece, e o humor aí sugerido revela-se numa especiaria de aprumo paliativo, cada momento que Ani experiencia é trágico, dramático para não dizer mais, mas o cómico da situação extrai desses enredos o seu quê de ridículo, até mesmo sexo é olhado de vesga como um embaraço.

Screenshot-2024-07-15-at-17.12.38.png

Anora” estabelece uma espécie de malapata improvisada, Coney Island e arredores a servirem de trilhos carroleanos de requinte, um “After Hours” brejeiro, deliciosamente brejeiro, onde um secundário, a passos da relevância, Yura Borisov (“Compartment Nº 6”),  estabelece um vínculo humano para com o espectador — algo que, por vezes, parece faltar a Ani. Mas vamos com calma… Sean Baker arrisca-se em território que lhe é confortável, e esses riscos trazem os seus frutos. A duração do filme contribui para a maturação das personagens e das suas demandas rocambolescas, bem como para a evolução do enredo e do tom, depois, é a comédia sem nunca encostar-se totalmente à sátira, e nisso bofeteia a tendência de caricaturas-supra dos super-ricos ou dos machos tóxicos que muitas produções populares, como a série “White Lotus” ou o recente fenómeno de género “The Substance”. Aqui a crítica é sóbria e mascada e discursada em poucos minutos, sem sobreliteralidades, sem imediatismos, de lições devidamente retiradas à Nova Hollywood que espelha como exemplo formal.

No final, a nossa Ani revela-se humana, sem que isso desculpe as suas “anomalias” sociais, partilhadas por tantos de nós, e nesse ato, quase como um canto do cisne, o sexo, novamente palavra de ordem, aponta ao seu holofote, desta vez sob uma cor fria, em que a carne anseia por um afeto qualquer, uma empatia, um abraço de conforto. Somos humanos, dançamos, e para Sean Baker, fornicamos igualmente como ato lúdico, cada vez mais afastada da interação pessoal. “Anora” é isso, um abraço quente em tempos frios.

Bye Bye Bye

Hugo Gomes, 16.07.21

763329.jpg

Sean Baker novamente na América Profunda, tendo a capacidade de transformar o ator de comédia Simon Rex (da série “Scary Movie”) numa figura tragicómica de requinte em "Red Rocket". Um ex-ator pornográfico, afortunado, que regressa à terra natal para refazer a sua miserável vida (tudo isto ao som da tentativa de kitsch da boyband NSYNC). Mendigando por abrigo e por emprego (ponto curioso do filme, mais fácil um ex-condenado consegue uma segunda oportunidade que alguém vindo da pornografia), Mikey Saber (Rex) vai esboçando um plano de fuga ao desértico exilio que se instalou. Um desempenho credível e igualmente absurdo do protagonista condensam aquilo que supostamente seria um “filme de ator”, mas ao invés disso temos um retrato sociológico e subtilmente político de um país esquecido e de quem vive à margem do sonho americano. Tema recorrente de Baker, que já tinha levado a Riviera Francesa ao rubro com “The Florida Project”, apresentado na Quinzena dos Realizadores em 2018, mas aqui embrulhado numa por vezes hilariante narrativa de malapata.

Cada um com a sua infância, cada um com o seu Cinema

Hugo Gomes, 01.06.21

347db5366f0570f8a6af70fa393ad83d.jpg

Good Morning (Yasujiro Ozu, 1959)

010427_1280x720_231978_043.jpg

The Childhood of a Leader (Brady Corbet, 2015)

812113-0f616bde8e89409e0773441ee79b22f1-r.jpg

Capernaum (Nadine Labaki, 2018)

4659868_orig.jpg.crdownload

Wadjda (Haifaa Al-Mansour, 2012)

1536076841-home-alone-scream.png

Home Alone (Chris Columbus, 1990)

image-w1280.jpg

The White Ribbon (Michael Haneke, 2009)

let-the-right-one-in1.jpg

Let the Right One in (Thomas Alfredson, 2008)

littlefugitive.jpg

Little Fugitive (Ray Ashley & Morris Engel, 1953)

MV5BNTU0NGMyNTEtOGRmZi00NTcxLTgzMGUtNTEyODkyOGY0Mm

The Florida Project (Sean Baker, 2017)

Sixth-Sense-Cast-Then-Now_PP.jpg

The Sixth Sense (M. Night Shyamalan, 1999)

the400blows1959.324110.jpg

The 400 Blows / Les Quatre Cents Coups (François Truffaut, 1959)

the-kid-hug-kiss-scene-19211.jpg

The Kid (Charlie Chaplin, 1921)

transferir.jpg

The Last Emperor (Bernardo Bertolucci, 1987)

unnamed.jpg

Zero to Conduite / Zéro de conduite: Jeunes diables au collège (Jean Vigo, 1933)

v1.cjs0OTQ5NTtqOzE4ODEwOzEyMDA7MjgzNzsyMDM2

Bicycle Thieves / Ladri di Biciclette (Vittorio di Sica, 1948)

village-cover.jpg

Village of the Damned (John Carpenter, 1995)

x1080.jpg

My Life as a Zucchini / Ma vie de Courgette (Claude Barras, 2016)

Boy-with-Green-Hair.jpg

The Boy with Green Hair (Joseph Losey, 1948)

2060_40639_10210.jpg

Aniki Bóbó (Manoel de Oliveira, 1942)

https___bucketeer-e05bbc84-baa3-437e-9518-adb32be7

The Shining (Stanley Kubrick, 1980)

41-Cinema-Paradiso.jpg

Cinema Paradiso / Nuovo Cinema Paradiso (Giuseppe Tornatore, 1988)

come-and-see-1200-1200-675-675-crop-000000.jpg

Come and See (Elem Klimov, 1985)

0ea45_film1_1_b2ff068c7591a69c.jpg

Pather Panchali (Satyajit Ray, 1955)

ettheextraterrestrial_1982_photo_17-1920x1080.jpg

E.T. the Extra-Terrestrial (Steven Spielberg, 1982)

image-w1280 (1).jpg

André Valente (Catarina Ruivo, 2004)

Ivans-Childhood-2.jpg

Ivan's Childhood (Andrei Tarkovsky, 1962)

nana2011.jpg

Nana (Valérie Massadian, 2011)

1505398229297.jpg

Pixote, a Lei do Mais Fraco (Hector Babenco, 1981)

heather-orourke-001.jpg

Poltergeist (Tobe Hooper, 1982)

63uPeGNzQSKOZchtM98uNukvBFw.jpg

800 Balas (Álex de la Iglésia, 2002)

Os Melhores Filmes de 2018, segundo o Cinematograficamente Falando ...

Hugo Gomes, 02.01.19

Depois de uma colheita minimamente dececionante [2017], seguimos para um lote frutado e recheado de cinema diversificado, de temáticas de difícil digestão e até estéticas que primam pelo classicismo e o progressismo. Assim sendo, 2018 foi propicio às trevas que habitam no coração dos homens, aos amores escaldantes nas diversas “juventudes” e até mesmo à Disney como imagem do novo “sonho americano”. Este foi o ano em 10 filmes ...

 

#10) Jusqu'à la Garde

custody01.jpg

“Uma histórias de “monstros” que se confundem como figuras paternais durante uma batalha campal. A separação, a custódia e a disputa pelo prémio em forma de primogénito leva-nos a um suposto drama de contornos realistas que transforma-se, à velocidade de um estalar de dedos, num tremendo thriller psicológico. É como se The Shining (o de Kubrick e não os escritos de Stephen King) fosse transportado para a sua “pele” mais mundana. Que rica primeira longa-metragem do ator Xavier Legrand.

 

#09) ROMA

Roma-de-Cuaron-e-da-America-Latina-900x506.jpg

“Um filme de detalhes e de ecrãs dentro de ecrãs (e assim sucessivamente) que persiste na vitalidade cénica com que Alfonso Cuáron deseja ser reconhecido. É um choque de classes e de géneros, que ao invés de contrair uma pobreza desencantada como muitos que anseiam filmar a precariedade, encontra no seu rigor estético uma beleza formal de quem deseja salvar estas personagens de um certo vampirismo miserabilista.”

 

#08) The Project Florida

the-florida-project-estreia.jpg

“Um anti-filme da Disney filmado às portas do tão omnipresente “parque encantado”, com as personagens marginalizadas por esses “autênticos” contos de fadas a obter os seus respetivos holofotes. O realizador Sean Baker parte para o naturalismo deste mesmo leque que goza da sua pitoresca paisagem de motéis e lojas XXL, um reino fantástico aos olhos das crianças que anseiam perder na Terra do Nunca para se afastarem da irresponsabilidade dos adultos. A juntar à equação, um Willem Dafoe que se camufla com este ambiente de náufragos.”

 

#07) Hereditary

MV5BMDdmNjhmNmUtNmUyMy00NjY3LTlkOWMtODQzYTMwYzI3OD

“O terror é hereditário. Está no sangue daqueles que são marcados desde a nascença e que não conseguem escapar aos desígnios do género. Ari Aster é um desses “amaldiçoados”, pelo que consegue nesta sua primeira longa-metragem executar um dos ensaios mais estetizados, sinistros e atmosféricos que este território tem para nos oferecer nos seus mais recentes anos. E não é todos os dias que evidenciamos uma Toni Collette explosiva que (literalmente) sobe as paredes.”

 

#06) Shoplifters

Film-Review-Shoplifters-A-masterfully-heartbreakin

“A subtileza quase melosa é a arma furtiva para que as personagens se submetam aos ditos experimentos … e o espectador também. Depois seguimos na pista de outros “lugares-comuns” do cinema de Koreeda, entre as quais a inclusão social que já se encontrava presente no seu primordial Maboroshi (1995) ou as constantes críticas ao sistema judicial e prisional nipónico visto e revisto em Air Doll (Boneca Insuflável, 2009) e The Third Murder (O Terceiro Assassinato, 2017). Elementos para racionalizar e sobretudo sentir com a sensibilidade de alguém que sobressaiu do formato reportagem e documental, evidenciando com isso o detalhe da tendência observacional de Koreeda pelo seu redor e do invisível.”

 

#05) Happy End

happy-ende-01.jpg

“Meticulosamente, Haneke vai construído o seu ambiente, uma atmosfera de iminente catástrofe. Sentimos isso, essa faca aguçada que nos ameaça. Somente ameaça. E é então que chegamos às festas; a primeira ao som de um angelical violino e um discurso de boas-vindas pela nossa Isabelle Huppert; somos convidados a um cruzar de olhares, a um clima de suspeita, ao nascer de um "monstro", a relações proibidas secretamente vividas no ar, às conversas soltas que nos confundem mais e mais. Saímos a meio, e partimos para outro festejo. O caos já é elevado, as consequências são fatais, fazemos corar as implantações de Luis Buñuel, os burgueses "estão em maus lençóis".”

 

#04) Cold War

cold-war-696x392.jpg

“Se Ida era considerado um filme frívolo, Cold War vai além da sua designação; é a extração do calor no gélido panorama. Apaixonamo-nos por estes atores (Joanna Kulig, Tomasz Kot), amamos esta dupla, o simbolismo friccionado nesta relação, a química que nos aquece em frios planos.”

 

#03) Der Hauptmann

72bc498d-8760-4600-bb91-b24231f4b0d6.jpg

“Não se trata de hora marcada com a raiz do mal, a farda não descreve o nazismo fechado a conceito implantado (mesmo que fascínio entre uniformes e alemães seja algo mais interiorizado e já citado no Cinema, a ter em conta O Último dos Homens, de F.W. Murnau). Sim, as divisas de capitão funcionam como o mais recente acordo do demónio Mefistófeles, oriundo do romance de Goethe. A sua escapatória e, ao mesmo tempo, a agendada descida aos infernos existencialistas, o animalesco da sua própria vivência.”

 

#02) Call Me By Your Name

call_me_by_your_name_trailer_1050_591_81_s_c1.jpg

“Não se trata de um “somente” filme queer, mas sim de um amor de verão adjacente a um certo bucolismo, jovial e proustiano que se atenta nos desempenhos naturalistas dos seus atores (um promissor Timothée Chalamet e um sedutor Armie Hammer). Apesar de centrar nas paixonetas de um adolescente na descoberta da sua sexualidade, é um joguete maduro por parte de um realizador versátil, que por sua vez procura o seu próprio gesto autoral. Uma obra que não merece de todo ser desprezada.”

 

#01) First Reformed

first-reformed-schrader-633x356.jpg

“Enquanto que Taxi Driver resumia aos grunhos e ao seu ativismo algo anárquico, esta nova chance de Paul Schrader remete-nos ao ativismo dos sábios. Impulsores divergentes, causas percorridas em iguais pisadas. É na descrença que a verdadeira fé é atingida, poderemos contar com isto num filme religioso, mas a crença não se baseia em teologias fundamentalistas, First Reformed olha para o mundo deixado por Taxi Driver, e o atualiza, refletindo-o numa dolorosa agonia. É a política, sob as agendas anti-trumpistas, fervorosamente renegando outras politizadas tarefas, como o ambientalismo a fugir dos panfletismos Al Gore (possivelmente, e em certa parte, o mais sóbrio dos filmes ecológicos).”

 

Menções honrosas: The Phantom Tread, The Other Side of the Wind, The Isle of Dogs, Girl, A Simple Favor

"Chegamos ao Lugar!" Arranca 3ª edição do Close-Up

Hugo Gomes, 12.10.18

dlapodpueaawusb.jpg

Florida Project (Sean Baker, 2017)

A memória levou-nos à viagem, e em consequência disso, guiou-nos ao Lugar. Mas qual lugar? O Cinema encaminha-nos para espaços, não-lugares, cenários, etapas que resumem a leitmotiv cénicos. Neste terceiro episódio de Close-up: Observatório de Cinema, prosseguimos na jornada de desestruturação do Cinema propriamente dito. De que matéria é feita? Para onde segue? Quais as suas convergências e divergências? Com o Lugar, tema desta nova edição, chegamos, não ao destino, mas possivelmente a uma nova partida.

A decorrer entre os dias 13 a 20 de outubro, Close-up tem convertido num seminal evento em aproximação daquilo que chamamos de ano cinematográfico em revista, sem com isso reduzi-lo a um catálogo de estreias recentes repostas, mas um núcleo de temáticas e capítulos no nosso encaminhar cinéfilo. Prova disso, é a abertura oficializada com a projeção de “Lobos”, o grande trabalho de Rino Lupo, realizador italiano que na sua passagem em Portugal inseriu todo um novo olhar cinematográfico. A sessão será acompanhada por Paulo Furtado, o Legendary Tigerman, uma autêntica ousadia em cruzar a História de um passado remoto com os acordes atualizados do músico. Como encerramento, outro clássico e cruzamento, “Sherlock Holmes Jr.”, o qual Buster Keaton irá adquirir novo fôlego ao som de Noiserv.

Neste terceiro tomo há espaço para novas rubricas, o Café Kiarostami será inaugurado, uma mesa-redonda onde convidados de diferentes sectores do Cinema (realizadores, investigadores e críticos) reunirão para debater sobre os variados cantos e recantos da Sétima Arte. Contudo, serão os filmes, as verdadeiras estrelas destes sete dias rodeados de Cinema e a sua respectiva vénia.

Este ano, alguns dos destaques evidentes será a apresentação de “Cabaret Maxime” pelo próprio realizador, Bruno De Almeida. Possivelmente o melhor exemplo de Lugar neste espaço, um filme em que o cineasta transforma uma Lisboa noturna e soturna em “nenhures”, um território imaginário e igualmente real. A guerra entre cabarés é só o pico do iceberg, que é constituído pelas reposições de “Isle of Dogs”, de Wes Anderson (novamente frisando o “não-lugar”, neste caso inserido num Japão neofeudal e industrial), “Ramiro” de Manuel Mozos, a Lisboa saudosista e melancolizada no qual é embebido o espírito do homónimo protagonista e um dos grandes filmes do ano - “Florida Project”, de Sean Baker - um oásis situado nas fronteiras da Disneyland. Todas as sessões contarão com participações de personalidades ligadas ao Cinema, que debaterão com o público, a questão de espaço e lugar na compostura cinematográfica.

850491-64ce474e8c08a1b481fc792f71039a73.jpeg

Sansho, The Bailiff (Kenji Mizoguchi, 1954)

Apesar dos lugares serem vários e indeterminados, existe um específico que promete ser paragem obrigatória neste evento – a América Latina. O Close-Up irá exibir um leque de filmes recentes das diversas cinematografias latino-americanas, passando pela esplendorosa escuridão das minas bolivianas de “Viejo Calavera”, de Kiro Russo, pelos paraísos perdidos das promessas nucleares em “La Obra del Siglo”, de Carlos Machado Quintela, e as fantasmagóricas selvas em busca de Vicuña Porto em “Zama”, a mais recente longa-metragem de Lucrecia Martel.

Mas a História (H grande aplica-se) é também ele um lugar de obrigatória paragem, dando continuação à rubrica, este ano Close-Up aprofunda no Japão assombrado de Kenji Mizoguchi, projetando quatro das suas principais obras (“Sansho, The Bailiff”, “The Crucified Lovers”, “Ugetsu” e “The Street of Shame”). A lição de História passará pelos influenciados, e precisamente os portugueses que espelharam esses signos mizoguchianos nas suas respectivas filmografias. Nesse leque poderemos contar com Pedro Costa (“O Sangue”), Paulo Rocha (“Mudar de Vida”) e João Pedro Rodrigues (com a curta documental, “Allegoria Della Prudenza'').

Já na secção Fantasia Lusitana, serão destacados Diogo Costa Amarante, vencedor do Urso de Ouro da Curta-Metragem no 67º Festival de Berlim e visto como um dos mais promissores nomes da cinematografia portuguesa, e Mário Macedo, jovem realizador que também tem feito um premiado e igualmente promissor percurso em festivais. Ambos realizadores serão frutos de retrospectiva (no caso de Macedo, haverá estreia absoluta de um novo trabalho). Como anexo deste espaço, Diogo Costa Amarante teve direito a Carta Branca e a sua escolha recaiu na obra de Agnès Varda, “Vagabond” (1985).

Close-Up ocorrerá, como é habitual, na Casa de Artes de Vila Nova de Famalicão. Por entre o Cinema e os debates, ainda haverá “lugar” para a Exposição Fotográfica e de Vídeo de Ana Cidade Guimarães e Virgílio Ferreira intitulado de A Natureza do Lugar e o Lugar da Natureza.

A Disney ficou à porta

Hugo Gomes, 14.02.18

FB_IMG_1582594197263.jpg

Às portas de Orlando, nasce um filme Disney em oposição a todos os filmes Disney. Até porque o que mais de “disnesco” existe aqui encontra-se retido no olhar das crianças que materializam o seu conto de fadas nos lugares mais improváveis. Enquanto que American Honey olhava para a adolescência com emancipação, sem vínculos morais nem tendências a catarses, Florida Project indicia a mesma atitude perante a infância. Nunca o romper desta inocência doeu tanto na alma de quem o vê. Um dos filmes do ano, e responsabilizo por tais palavras.