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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Été 85: o verão de um "condenado" amoroso

Hugo Gomes, 11.09.20

MV5BOTM4ZTg5ZjItNzdhNy00M2E1LThkOTUtODAyMzdiZjJjMjFalou-se aqui de um “Call Me By Your Name” francês, sendo que a única coisa que tem de comum (para além do óbvio romance homossexual) é o saudosismo para com a época descrita, transformando músicas pirosas em marcos da nossa emotividade e paixonetas estivais por amores shakespearianos com a sua pitada de macabro. É um (pequeno) grande passo de Ozon após o certinho e igualmente deslavado “Grâce à Dieu”, evidenciando aqui um jeito algo tosco em salivar por velhos temas existenciais e eternos gestos autorais. É um filme com a sua personalidade, mesmo que por vezes seja levado pelas ondas ("como uma onda no mar", já dizia o 'outro')

"20,000 Days on Earth": Empurrar o céu para longe

Hugo Gomes, 17.11.14

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Por norma, quando se pretende concretizar um documentário sobre uma personalidade musical (e não só), facilmente se recorre à modelização narrativa numa alternância entre testemunhos / imagens de arquivo e vice-versa. Com “20,000 Days on Earth”, tal matriz seria desrespeitosa e automaticamente transformada numa oportunidade desperdiçada face a um homem tão curioso como Nick Cave, o líder dos Nick Cave and Bad Seeds, que no cinema ficou célebre como o autor do argumento de um dos mais envolventes filmes australianos dos últimos anos (“The Proposition”, de John Hillcoat).

Nesta obra que celebra a criatividade e a multifacetada forma do documentário, a dupla Ian Forsyth e Jane Pollard acompanham um Nick Cave autónomo e autodidático, um poeta ilusionista que profere vulgares “ordinarices” e que descaradamente transformas-as em prosa graças à sua voz reconfortante e sapiência. Mas acima de tudo, em “20,000 Days on Earth” o artista em questão revela-nos e convida-nos a entrar no seu íntimo, ao mesmo tempo que o oculta do espectador. Invocando palavras soltas sob a atmosfera boémia e confortante da noite, Cave demonstra os “pequenos prazeres da vida” num pleno egocentrismo, daqueles que se assumem como Deus sob uma quinta das formigas. Diria antes que Nick Cave funciona como a perfeita anarquia e, contraditoriamente, no alicerce para toda a execução deste documentário em constante moldagem.

Poesia visual é o registo acentuado numa alegoria que prova que é possível materializar um documentário de cariz musical sem o uso do academismo. Depois disto tudo, é Nick Cave, a figura central e o ator de um palco imenso, o único capaz de transformar o interior de um automóvel num confessionário e na televisão, não como um gesto de banalização e de sedentarismo, mas numa vontade de aproximação familiar.

Tudo é possível neste relato que tornará os mais ávidos fãs hipnotizados pela aura desta personagem dentro de uma personagem. Quanto aqueles que nunca ouviram falar de Nick Cave, a vontade insaciável de conhecer o homem por trás de “Push the Sky Away” nascerá após o último crédito. De distinto requinte.

Crimeia, mon amour

Hugo Gomes, 23.09.14

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Russos na Crimeia! Agora que já consegui a vossa atenção, vou então prosseguir. O que temos aqui não é nenhum filme de teor político sobre o mediático conflito que faz correr tinta nas diversas manchetes da imprensa internacional. Não, em “Name Me”, de uma estreante no território das longas-metragens, a russa Nigina Sayfullaeva, o que encontramos é um drama conflituosamente psicológico que nos remete ao caos como uma força impulsora. Força, essa, motivada por um voluntária, mas não inofensiva, “troca de identidades”. A história remete-nos a duas jovens moscovitas, as amigas inseparáveis Olya e Sasha, que seguem viagem para a região da Crimeia para conhecer por fim o pai de Olya. Mas, quando chega a hora da verdade, esta sente-se insegura quanto ao tão esperado encontro. Assim sendo, Olya pede a Sasha para “trocar de lugar com esta”, visto ser uma rapariga mais espontânea e menos inibida. No início toda esta situação torna-se divertida e gratificante, mas cedo Sergey [o pai] começa a desconfiar do sucedido e as consequências são assim desvendadas.

Acredito que este “Name Me” foi um filme concretizado sem a menor intenção de invocar uma crítica social e política, mas tal e qual como a suposta “brincadeira inocente” dos seus protagonistas, o inevitável é algo que não se consegue contornar e assim sucedem as sequelas. Há duas maneiras de “ler” este filme: a primeira como o enésimo drama da busca pela entidade paternal num conturbado coming-to-age; a segunda, com as personagens e as suas situações a surgir como espelho do panorama atual onde, por mais que a opinião pública discuta o tema, tudo se resume a um conflito ambíguo e de delicada abordagem. Name Me” é um filme vertiginoso em termos emocionais, filmado com um naturalismo que só salienta esses mesmos sentimentos e a dupla vencedora de atrizes (Alexandra Bortich, Marina Vasilieva) revela-se um duo explosivo, quer na interpretação, quer pela evolução a que as suas personagens são submetidas.

Por sua vez, Konstantin Lavronenko (de “The Return”, de Andrey Zvyagintsev), apresenta-nos uma figura negra de difícil interação com o espectador. Porém, a tarefa não é impossível e, quando o consegue, impossível é mesmo largar essa compaixão. Estes “três peões” formam um triângulo aguçado que tendem a comprimir gradualmente sob um cenário que se demonstra frio e por vezes hostil para o efeito. A narrativa os acompanha com uma certa cumplicidade enquanto num tremendo loop de emoções. Esta é uma fascinante primeira obra, que visa uma construção versátil nas suas personagens e a desconstrução da sua ênfase dramática, ao mesmo tempo que tece uma demanda cronista e subliminar do conflito da Crimeia, perceptível a quem pretender ver para além das aparências.