Russos na Crimeia! Agora que já consegui a vossa atenção, vou então prosseguir. O que temos aqui não é nenhum filme de teor político sobre o mediático conflito que faz correr tinta nas diversas manchetes da imprensa internacional. Não, em “Name Me”, de uma estreante no território das longas-metragens, a russa Nigina Sayfullaeva, o que encontramos é um drama conflituosamente psicológico que nos remete ao caos como uma força impulsora. Força, essa, motivada por um voluntária, mas não inofensiva, “troca de identidades”. A história remete-nos a duas jovens moscovitas, as amigas inseparáveis Olya e Sasha, que seguem viagem para a região da Crimeia para conhecer por fim o pai de Olya. Mas, quando chega a hora da verdade, esta sente-se insegura quanto ao tão esperado encontro. Assim sendo, Olya pede a Sasha para “trocar de lugar com esta”, visto ser uma rapariga mais espontânea e menos inibida. No início toda esta situação torna-se divertida e gratificante, mas cedo Sergey [o pai] começa a desconfiar do sucedido e as consequências são assim desvendadas.
Acredito que este “Name Me” foi um filme concretizado sem a menor intenção de invocar uma crítica social e política, mas tal e qual como a suposta “brincadeira inocente” dos seus protagonistas, o inevitável é algo que não se consegue contornar e assim sucedem as sequelas. Há duas maneiras de “ler” este filme: a primeira como o enésimo drama da busca pela entidade paternal num conturbado coming-to-age; a segunda, com as personagens e as suas situações a surgir como espelho do panorama atual onde, por mais que a opinião pública discuta o tema, tudo se resume a um conflito ambíguo e de delicada abordagem. “Name Me” é um filme vertiginoso em termos emocionais, filmado com um naturalismo que só salienta esses mesmos sentimentos e a dupla vencedora de atrizes (Alexandra Bortich, Marina Vasilieva) revela-se um duo explosivo, quer na interpretação, quer pela evolução a que as suas personagens são submetidas.
Por sua vez, Konstantin Lavronenko (de “The Return”, de Andrey Zvyagintsev), apresenta-nos uma figura negra de difícil interação com o espectador. Porém, a tarefa não é impossível e, quando o consegue, impossível é mesmo largar essa compaixão. Estes “três peões” formam um triângulo aguçado que tendem a comprimir gradualmente sob um cenário que se demonstra frio e por vezes hostil para o efeito. A narrativa os acompanha com uma certa cumplicidade enquanto num tremendo loop de emoções. Esta é uma fascinante primeira obra, que visa uma construção versátil nas suas personagens e a desconstrução da sua ênfase dramática, ao mesmo tempo que tece uma demanda cronista e subliminar do conflito da Crimeia, perceptível a quem pretender ver para além das aparências.