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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Pelas fronteiras do vazio!

Hugo Gomes, 21.10.18

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Encaramos como poesia abstrata um homem moldavo [Kolya] que vai ao encontro dos fragmentos de uma antiga nação de forma a promover uma nacionalidade inexistente (Transnístria). Extinção, um dos mais recentes trabalhos de Salomé Lamas (“El Dorado XXI”), depara-se com questões identitárias para se envolver em elementos tão precisos na filmografia da realizadora – os “não-locais”, as ditas “terras de ninguém” – ou seguindo as condutas do cineasta e poeta F.J. Ossang, “o Cinema parte de territórios e de como podemos distorcer essas fronteiras”. Mas essa inteiração de distorção da nossa geografia ou despir o reconhecível com o irreconhecível, parece materializar-se com os dilemas de uma URSS extinta, porém, de espírito assombrado e ansioso por uma silenciosa ressurreição.

Geopolíticas à parte, Salomé Lamas evidencia investigação no terreno e de forma a conduzir-se fora dos formatos estruturais do documentário, encontra no eclético a sua solução. O resultado é um ensaio, um mero artifício visual que desapega do seu corpus de estudo e que abandona, em certa parte, a coerência do seu discurso. Assim sendo, "Extinção" exibe a criatividade do olhar, o reencontro com a ferrugem e a ruína da paisagem captada para metaforizar a decadência de um Império, ao mesmo tempo que adquire a audácia de seguir em fronte a uma investigação nas sombras. Sim, entendemos perfeitamente onde Lamas quer ir e atingir, mas o rodopiante embelezamento leva-nos à instalação acima de uma mostra do seu curso empírico. Continuando então a persistir na alegoria do discurso ao invés da natureza deste, ao perceber que por vezes as imagens operam de maneira autónoma a esse registo (ao contrário do estruturalismo de muitas das vagas de 20 e 60, Salomé Lamas tenta lançar o visual como cúmplice de um discurso).

Infelizmente, “Extinção” prolonga uma passividade que nesta altura do campeonato não prevíamos em Salomé Lamas. Enfim, uma proposta entendida entrelinhas, cuja beleza estética não faz jus à pesquisa elaborada. Que pouca resposta nos dá, mas, mais que tudo, menos perguntas incentiva.

Viajamos para Famalicão! Arranca a 2ª edição do Close-Up, Observatório de Cinema

Hugo Gomes, 13.10.17

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"El espíritu de la colmena" (Victor Erice, 1973)

Numa viagem, no seu sentido mais poético e elusivo, o que menos importa é o destino. São os trilhos, essas veias sanguinárias que nos transportam para uma experiência à mercê da vivência. E são as experiências que vão este segundo episódio do CLOSE-UP – Observatório de Cinema de Vila Nova de FamalicãoDe 14 a 21 de outubro, a ocupar os mais diferentes espaços da Casa das Artes, e tendo como mira o sucesso da edição anterior, o CLOSE-UP apresentará mais de 40 sessões de cinema, workshops direcionados a escolas e famílias, uma produção própria (de Tânia Dinis) incluída no panorama no feminino de produção portuguesa, e a exposição fotográfica de André Príncipe (realizador de Campo de Flamingos, Sem Flamingos), intitulada de “O Perfume de Boi”, a ter lugar no foyer.

O primeiro dia será marcado pelo filme-concerto de “A Man with a Movie Camera”, de Dziga Vertov, devidamente sonorizado pelos Sensible Soccers (encomenda do CLOSE-UP). O gosto da melodia pop do grupo a tentar provar cadência para com uma das obras mais influentes da História do Cinema. Como qualquer viagem, digna do seu nome, o CLOSE-UP será dividido por diferentes etapas (secções) que nos acompanharão ao longo destes sete dias de pura reflexão cinematográfica. O Tempo de Viagem revela-nos uma metáfora sobre a maturação, o crescimento induzido por esses caminhos dados a lugares incertos. Andrei Tarkovsky é a “rock star” desta secção com “Nostalghia, a sua “aventura” em Itália. O existencialismo procurado por um poeta russo em terras toscanas e romanas funciona como um sacrifício que nos guia quase em modo retrospectivo e introspectivo ao cinema do seu cineasta. Wim Wenders é outro importante signo deste mesmo espaço, não fosse ele um dos grandes “caminhantes” do road movie.

Em “Fantasia Lusitana” esperam-nos quatro longas-metragens portuguesas em oposição a um programa de nove curtas, incluindo uma sessão dedicada a Tânia Ribeiro com a estreia de “Armindo e a Câmara Escura”. No lote nacional, destacamos principalmente as exibições da mais recente longa de Salomé Lamas, "El Dorado XXI", e de Luciana Fina, “O Terceiro Andar”. Vinda da nova vanguarda soviética, a cicerone Larisa Shepitko e Elem Klimov serão figuras relembradas nesta edição de Histórias de Cinema. Mas não serão as únicas. A partilhar o espaço está a dupla Peter Handke e Wim Wenders com “The Left-Handed Woman” e o sempre poético “The Wings of Desire”, bem como David Lynch, indiscutivelmente o realizador do ano, nem que seja pelo reavivar da série “Twin Peaks” que tanto deu que falar, no Observatório, representado pelo spin-off cinematográfico, “Fire Walk with Me”.

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Eldorado XXI (Salomé Lamas, 2016)

O resto da programação será constituído por sessões direcionadas para escolas e família, e ainda Infância & Juventude, que como o nome indica será um olhar coming-to-age; desse crescimento que por si deverá ser visto como uma viagem. E que melhor filme para transpor essas duas jornadas alusivamente interligadas que “American Honey” de Andrea Arnold? Claro que nem todas viagens são felizes e a juventude pode ser inconstante, inconsequente e até inconcebível, como o caso de “The Tribe”, de Myroslav Slaboshpytskyi, filme que, infelizmente, chegara demasiado tarde ao circuito comercial português, tendo em conta o seu historial de controversas passagens em festivais por esse Mundo fora. Nesta seção destacamos ainda o clássico de Victor Erice, “El espíritu de la colmena”.

A música e o cinema vão se fundir para criar um encerramento memorável, assim promete esta 2ª edição do CLOSE-UP, com três curtas de Reinaldo Ferreira, ou Repórter X + Dead Combo. A proposta parece indigesta, incompatível e sobretudo experimental, mas o cinema é um experimento que se transformou, como se pode verificar, na mais complexa das experiências. A viagem está marcada.