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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Professores, inspirações até no Cinema

Hugo Gomes, 25.02.23

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Jack Black em "School of Rock" (Richard Linklater, 2003)

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Drew Barrymore em "Donnie Darko" (Richard Kelly, 2001)

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Jerry Lewis em "The Nutty Professor (Jerry Lewis, 1963)

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Jeremy Irons em "The Man Who Knew Infinity" (Matt Brown, 2015)

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Russell Crowe em "A Beautiful Mind" (Ron Howard, 2001)

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Sidney Poitier em "To Sir, with Love" (James Clavell, 1967)

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Eddie Murphy em "The Nutty Professor" (Tom Shadyac, 1996)

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Denzel Washington em "The Great Debaters" (Denzel Washington, 2007)

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Ryan Gosling em "Half Nelson" (Ryan Fleck & Anna Boden, 2006)

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Aamir Khan em "Taare Zameen Par" / "Like Stars on Earth" (Aamir Khan, 2007)

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Adrien Brody em "Detachment" (Tony Kaye, 2011)

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Tom Berenger em "The Substitute" (Robert Mandel, 1996)

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Jürgen Vogel em "Die Welle" / "The Wave" (Dennis Gansel, 2008)

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Michellle Pfeiffer em "Dangerous Minds" (John N. Smith, 1995)

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Kevin Kline em "The Emperor's Club" (Michael Hoffman, 2002)

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Robin Williams em "Dead Poets Society" (Peter Weir, 1989)

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Leonie Benesch em "The Teacher's Lounge" (Ilker Çatak, 2023)

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François Bégaudeau em "Entre les Murs" (Laurent Cantet, 2008)

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Valerio Mastandrea em "La Mia Classe" (Daniele Gaglianone, 2013)

200 Milhões de dólares para o "boneco"

Hugo Gomes, 27.07.22

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Num cenário de destruição e de pirotecnia variada ocorrida numa praça de Praga, a personagem de Ryan Gosling [o nosso “herói”, ou será antes “anti-herói”?], algemado a um banco, tenta se abrigar e esquivar (com êxito) da “chuva de munição” que aquela mesma sequência proporciona. Longe do alcance daquele espectáculo anormal, mas observado todos os passos por via de um elaborado sistema de vigilância, Chris Evans [aqui definido, e sem sombra de dúvida, como vilão] esperneia furiosamente pelo facto, e que passo livremente a citar, de ninguém conseguir atingir em naquele “fulano” acorrentado. 

Aqui, é de invocar um dos badalados mandamentos da lógica batida do filme-espectáculo, hoje estabelecidos como clichés em modo auto-paródia: a má pontaria dos antagonistas perante o herói do enredo, a outra subjacente, é a sua evidente sorte para escapar “ileso” aos proporcionados obstáculos. “The Gray Man”, dos irmãos Russo (“The Avengers: Endgame”), não inventa nada nesse sentido, nem mesmo é apontado como o último da sua espécie, mas é surpreendente (talvez seja a minha ingenuidade a manifestar-se) que a Netflix tenha apostado 200 milhões de dólares (até à data o seu filme mais caro) para conduzir-se em lugares-comuns em contracurva com outros lugares-comuns numa ação globalizada, visto e revisto nos anos 90 e em início do novo século. Hoje em dia, essas vertentes instalaram-se (ou antes "acomodaram-se"), ora em franchises duradouros (“007”, "Fast and Furious”), ora nos atributos e nos "cojones" da fisicalidade de Tom Cruise (“Mission: Impossible”). 

Quanto aos “outros”, chuviscos que a Netflix anseia capitalizar. Experienciamos tal com um formatado “Red Notice” (Rawson Marshall Thurber, 2021), uma reunião estrelar que antecede a este “The Gray Man”, que por si só piscar para uma futura saga. Ambos os exemplos situa-nos num impasse quanto à sua criatividade e engenhosidade na execução, por outras palavras, não existe Cruise e os seus arriscados stunts - como se fosse um espectáculo a merecer o bilhete - que salve, ou dos backgrounds definidos dos seus protagonistas (um “007” não necessita introduções elaborados, o espectador sabe para o que vem), resultando num joguete de ação “bombista” (explosões atrás de explosões sem um mínimo de consequência) ou dos chavões emocionais, intervenientes numa aparente narrativa que se pretendia fluída  - papas para alimentar um espectador menos atento [a inserção de uma “sobrinha” como motor sentimental e humanista do “herói”]. Coloca-se um macguffin, acelera-se na edição (o travão é território interdito), o mesmo acontece na interação entre personagens e até mesmo numa câmara que teima em não fixar num ponto sequer (mesmo no estático há que dar movimento, não vá o público aborrecer pela "inércia", segunda a sua lógica), enfim, inúmeras parcelas para estabelecer uma fórmula. 

E pronto, é isto, 200 milhões (era mesmo preciso?) para lubricar cinema algorítmico, e que tendo em conta as recentes notícias, o “feito” resulta … vem aí mais “The Gray Man”! 

Contemplando o Espaço Desconhecido

Hugo Gomes, 20.04.20

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First Man (Damien Chazelle, 2018)

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Ad Astra (James Gray, 2019)

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Interstellar (Christopher Nolan, 2015)

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Gravity (Alfonso Cuarón, 2014)

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Solaris (Steven Soderbergh, 2002)

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 Star Trek: The Motion Picture (Robert Wise, 1979)

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2001: A Space Odyssey (Stanley Kubrick, 1969)

Espaço ... o último sentimento

Hugo Gomes, 19.10.18

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Será que precisávamos de um filme sobre os “inigualáveis” feitos de Neil Armstrong, a sua odisseia até à Lua que culminou no tão imortalizado “um pequeno passo para um homem, um grande passo para a Humanidade”? De biopics formatados e filmes glorificadores até nós andamos saturados perante uma seleção homogénea e de caráter propagandista (diversas vezes), que nos levam a questionar o porquê da existência deste tipo de produções. Para tal, atirávamos de cara à descrição simplista e incisiva de Quentin Tarantino, na qual dizia que as cinebiografias são “desculpa para atores ‘paparem’ Óscares”. Neste caso, salienta-se que Ryan Gosling está longe da cobiçada estatueta de interpretação e, em certo ponto, aleluia por isso pois em “First Man” prevalece um filme sobre um estudo de uma persona e não a mera esquematização do “aventurado” astronauta.

A trajetória do quarto filme de Damien Chazelle segue em sentido inverso àquilo que poderemos prescrever num projeto como este, referindo sobretudo o luto, o conflito em que a obra persiste, deixando o memorável feito para eixos secundários. Sem querendo com isto assumir uma variação de “The Right Stuff – Os Eleitos” (os bastidores da NASA a prolongam-se como enquadrantes da personalidade), mas “First Man” (“O Primeiro Homem na Lua”) inicia com um homem determinado a deixar a sua marca para automaticamente se converter na narrativa de um ser solitário que se refugia ao abrigo das estrelas, cercado pelos sentimentos que nem o próprio compreende.

Nisto, eis um filme que deixa transparecer uma camada de frieza, porém, existem sentimentos nesta gélida carapaça e é aí que a inexpressividade de Gosling embate como uma reação física a essas questões semióticas. Possivelmente o filme tenta encontrar um meio termo nessa demanda intimista, de forma a tornar-se perceptível aos demais mortais e através dessa conciliação. “First Man” prolonga-se para além da sua duração necessária, recorre a “maliquices” (o nosso “carinhoso” adjetivo para aspirações a Malick) no seu registo de felicidades familiares (o persistir nos movimentos curvais da câmara e das interações captadas pelos diferentes membros) ou nas recordações-flashbacks de modo a situar o espectador mais distraído. Sim, há aqui todo um nervosismo em narrar a biografia de um “herói” sob um diferente prisma e nisso enfraquecemos uma obra tecida com o tamanho detalhe, quer pré, sob e pós. Há uma investigação que dá frutos, Damien Chazelle e a sua equipa aventuram-se e desventuram-se na biografia pessoal de Neil Armstrong, escrita pelo jornalista James R. Hansen, bem como uma pesquisa autodidata em compreender para depois construir um arquétipo do “verdadeiro” Neil.

O resultado está à vista e não é preciso qualquer telescópio para o ver; a história de um homem que evita o contato, sobretudo afetivo, de forma a tentar decifrar o desconhecido inerente, o pesar que sente e que dificilmente reage. A fórmula contida que encontra na Lua, a isolação como um Robinson Crusoé das estrelas, como a maior das metáforas (e aqui não estamos a julgar quem acredita ou não em tamanha expedição, o que interessa é a força da ficção no seu território simbólico). O último plano é a força disso, desse afeto negado pela falta de apreensão interior.

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Todavia, se em “First Man” deparamos com essa instrumentalização da personalidade de Armstrong, é-nos impossível não falar da composição estrutural desta odisseia pelo espaço, ou, a sua tentativa de sê-lo. Ao contrário de recentes incursões espaciais como “Interstellar” ou “Gravity”, é no filme de Damien Chazelle que deparamos com a fenomenologia da viagem, alicerçada sobretudo na edição, assim como o jovem realizador havia executado num dos trabalhos mais elogiados (“Whiplash”). Ao contrário das batidas sentidas com a frustração e ambição do protagonista do filme de 2014, somos agressivamente “acariciados” com uma câmara refém da sua cápsula, sensível para qualquer movimento induzido pelo dispositivo cénico e com isso, a capacidade de transmissão sensorial.

Diríamos que “The First Man” é um jogo de sensações, orquestrado, não só com o auxílio da edição visual, mas da própria sonoplastia. O aço que tirita, aqueles parafusos que parecem ganhar vida através de emudecidos rugidos, o som ambiente que se reduz à inexistência, a respiração ofegante de Gosling, sentido em embate com o limite do seu capacete. O “Ground Control to Major Tom”, da canção “Space Oddity” de David Bowie ( não está aqui, mas é como estivesse, é a nossa memória a pregar partidas, porque neste momento lado-a-lado com este Neil na sua preparação à viagem e não fora do ecrã a observá-lo como um objeto de exposição. É a maravilha do som, a sua mistura que ecoa na sala de projeção, apenas interrompida, em alguns casos, pelas doces melodias de Justin Hurwitz (partitura suave e de acordes hollywoodianos). Enfim, é a obra que se confunde como uma viagem, aliás, duas, o íntimo e o físico, mas só uma torna-se crucial para este homem, personagem e sobretudo espectador.

Por isso, deixem-me defender o Damien Chazelle (que tão crucificado fora pela incompreensão à volta de “La La Land”). Deixem-me sublinhar o seu nome como um dos jovens mais talentosos de Hollywood na atualidade. Simplesmente deixem-me, porque o ‘moço’ tem também uma grande viagem a fazer.

Música ... ¿Por qué no te callas?

Hugo Gomes, 10.05.17

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A música toca e toca em modo playlist, continuamente, imperativamente e ritmicamente perante as imagens que funcionam num vórtice de corpos vazios, que bailam ao som das mesmas de forma dessincronizada. A música, segundo Malick, é a alma de Austin, esse paraíso liberal num estado tão fechado como o Texas, e a única alma verdadeiramente sentida, por a arte invocada por estes ritmos diversos não engendrar com a narrativa visual que o realizador “tímido”, agora prometendo uma maior assiduidade na indústria, gera.

"Song to Song" é a sua nona longa-metragem, a terceira da fase pós-2011 (sem considerar o seu documentário "Voyage of Time"), e a nova evidência de que os autores, por mais inconfundíveis que sejam, também cedem ao mais profundo conformismo. O “culpado” desta presença repentinamente está no digital, a infinidade e o facilitismo que as tecnologias atribuíram ao Cinema, mas para Malick é o prenúncio do seu fim enquanto ser misterioso da indústria, é o cansaço em pessoa de quem não tem mais nada de novo para contar. Triste realidade, "Song to Song" é mais do mesmo em doses malickianas, são as “maliquices” levadas até ao fim e o seu cinema tão “autoral” converteu-se na mais perfeita caricatura, a loucura da repetição e dos problemas de primeiro mundo como base de um prolongado sofrimento de personagens. Esse sofrimento entra em loop, na persistência dos mesmos planos “over and over”, e das frases sussurrantes cada vez menos inspiradas e cedidas a uma lamechice de pacotilha. Será Malick o Pedro Chagas Freitas cinematográfico?

"Song to Song" começa com um triangulo amoroso (Michael Fassbender, Ryan Gosling e Rooney Mara), um ménage de "Dreamers", de Bertulocci, com os mesmos “joguinho” sexuais e de foro emocional. Tais vértices vão-se afastando dando origens a trilhos cada vez mais paralelos entre as diferentes personagens. Sim, é triste chamar isto de personagens, até porque Malick brinca com o vazio, com os movimentos erráticos e circulares destas, nos diálogos impostos num falso-raccord. Não existe espaço para personagens, tudo são bonecos que se pavoneiam perante um autor que se assume desorganizado, espontâneo e refém do seu instinto.

Será isso bom? Não será a Arte um veículo pensante? Ou um instinto humano de comunicar? Conforme seja a escolha, a verdade é que o sedentarismo é um veneno e para Malick esperemos que encontre a cura. "Song to Song" é um som incorrespondido com a narrativa visual, é a prova de depois de Tree of Life, Malick não demonstra qualquer sinal de revitalização, mas sim de preguiça no mais incurável sentido.

Salve-se quem puder ... e segurem nas carteiras!

Hugo Gomes, 12.01.16

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A crise económica de 2008, a maior desde a Grande Depressão, foi gerada graças a um efeito dominó causado por um “sistema baseado em fraudes e estupidez“, citando as palavras da personagem de Steve Carell, aquele que se apresenta como um dos “verdadeiros” sobreviventes deste cenário de apocalipse financeiro.

“The Big Short”, traduzido com o pouco imaginativo título “A Queda de Wall Street”, funciona como um “Night of Living Dead” deste atentado bolsista, caso queiramos resumir todo este episódio histórico e aludi-lo à famosa trilogia de George A. Romero, onde um grupo de quatro “cavaleiros do armagedão” profetizam uma tremenda exposição às verdadeiras fragilidades da economia norte-americana. O resto, a concretização dessa premonição, é o caos propriamente dito, um cenário que está no conhecimento de todos, até mesmo fora do território dos EUA onde as “réplicas” foram e continuam a ser sentidas.

Pois bem, eis um retrato que nada adianta sobre esse capítulo negro do capitalismo, mas que também contra o qual não podemos fazer objecções, desde que não se cometa o erro de tornar estes protagonistas em heróis desarmados ou vitimas martirológicas. Neste caso, o novo filme de Adam McKay, o mais “sério” da sua carreira, não é nenhum ataque aos direitos civis nem o branqueamento de uma devastadora tragédia.

Trata-se sim, de um filme erguido com um tremendo sarcasmo, refletido na personagem de Ryan Gosling, que tenta ser o “smartest guy in the room“, o grilo da consciência que constantemente nos adverte quanto à hipocrisia deste jogo de monopólio. As suas aulas de etiqueta são pontuadas por sequências que exploram a permanente superfluidade, como o impagável momento em que o espectador conhece o significado dos subprimes lecionado por uma Margot Robbie que simultaneamente desfruta de um banho de espuma e um copo de champanhe. O aviso para a navegação é que muita desta linguagem técnica é complicadíssima de entender e é um método linguístico, uma espécie de dialeto inventado, para afastar os “meros mortais” destes prestigiantes residentes de Wall Street.

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Como dá para perceber, “A Queda de Wall Street” é sempre cínico durante o percurso a esta catástrofe financeira, recorrendo a personagens que não saem da caricatura e situações que não ousam ser mais que esquematizações. Evidencia-se um efeito Titanic, onde os protagonistas tudo fazem para ter acesso ao seu “bote salva-vidas” e cuja calamidade é já um ato esperado desde o início dessa fita. É surpreendente a forma como McKay, detentor de algumas das comédias norte-americanas mais inteligentes dos últimos anos (“Anchorman: The Legend of Ron Burgundy”, “Talladega Nights: The Ballad of Ricky Bobby”), como também das mais “idiotas” (“Step Brothers”, “The Other Guys”), anseia sobretudo ser levado a sério na indústria cinematográfica. Aqui, o realizador emana um registo cómico-dramático propício à crítica, sendo esse o seu melhor trunfo nesta arriscada aposta.

Contudo, não consegue de maneira alguma, largar as raízes da comédia e ainda mais às suas tendências televisivas, notando-se numa realização que aspira a um realismo formatado, mas que ao invés funciona como um falso-documentário forçado ao estilo de “The Office” … E não, essa comparação não é pelo simples facto de possuir Steve Carell novamente como epicentro da intriga.