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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Óscares para tudo e para todos, em todos os lugares, menos para Portugal

Hugo Gomes, 13.03.23

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Everything Everywhere All at Once” saiu-se, de alguma forma previsível, como o grande triunfante na noite de entrega dos Óscares. O estranho e filme de culto da A24 assinado pela dupla Daniels levou para casa 7 prémios incluindo os de Melhor Filme, Realizador, Atriz Principal, Atriz Secundária e Ator Secundário. É a possível abertura da Academia a estes filmes tresloucados que apenas viriam os prémios por “canudo”, contudo, mudanças feitas e tendo em conta o vencedor do ano passado (que já ninguém se lembra, e que na pior das hipóteses escancarou ‘portas’ para o streaming) é uma melhoria, venceu o Cinema, mesmo que não seja o “nosso” ou o “vosso” Cinema, porque de resto, bem, Óscares são Óscares, valem o que valem. Nessas narrativas são ‘sonhos’ a serem concretizados, bastou ouvir Ke Huy Quan no seu discurso oscarizado [um dos mais emocionados na história dos prémios] para perceber que aquele momento era o momento em que se atinge o conceito “sonho americano”, até Jamie Lee Curtis o chegou, de estatueta na mão. Uma imagem improvável para quem sempre fora entendida como a atriz do “Halloween” e outros slashers

Só que não foi desta que o “sonho americano” chegou a Portugal. “Ice Merchants” ficou pelo caminho, vencido pela produção de J.J. Abrams - “The Boy, the Mole, the Fox and the Horse”, de Peter Baynton e Charlie Mackesy - adaptação de um popular livro de Charlie Mackesy, com o selo BBC e Apple, cujos seus fragmentos tornaram-se virais no Tik Tok, um conjunto de elementos que reforçam esse néctar premiável, o lobby. Todavia, a animação de João Gonzalez é já um vencedor por direito, abriu uma “porta” que Portugal nunca estendeu a mão à sua maçaneta, e levou portugueses a falar e a interessarem-se por este sector (prestigiado em todo o Mundo com excepção … como é “óbvio" … no nosso país), e da imprensa, que durante anos se “borrifaram” para ela, puseram-se a dedicar dossiês especiais sobre a nossa produção de animação e dos seus ‘protagonistas’. A Animação tornou-se na ala maior do Cinema em Portugal, não só pela indicação, mas como esta serviu de tocha para que muitos se aventurassem na escura gruta da sua ignorância. Voltando aos prémios de “last night”, Brendan Fraser com o “boneco de ouro” empunhando deixou-me satisfeito, mais uma vez, constatando o “sonho americano” e as suas narrativas de superação e “comeback” a vingarem numa entrega que tanto poderia ser contada em forma de filme oscarizado, e que o diga Michelle Yeoh!

Mas do outro lado da premiação, a derrota figurada na decepção, Angela Bassett não se controlou, demonstrando esse ar infeliz (foi a melhor de “Wakanda Forever”, mas um prémio num filme dessa instância seria ingrato para a carreira de uma atriz que, certo dia, se “vestiu” a Tina Turner), ou “Tar” de Todd Field, obra sobre a nossa modernidade e contra o seu simplismo, de mãos vazias e sobretudo com Cate Blanchett, injustamente, fora da glória da noite. Não há Óscares para todos, muitos menos ‘sonhos’.

"Black Panther" morreu, Longa Vida à dinastia Marvel!

Hugo Gomes, 10.11.22

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Sem Chadwick Boseman, óbvio, por razões trágicas, a esperada sequela de “Black Panther” reveste-se de um branco fúnebre (o luto origina um renascimento), tentando com isto receber-nos com uma cerimónia de pesar, um evento em torno da memória de um, infelizmente, ator “tardio” [com carreira iniciada em 2003] sem tempo para demonstrar estar mais para além do universo Marvel (e em “pequenos” passos conquistaria esse lugar). Foi redesenhado da mesma forma que o sétimo “Fast & Furious” fora após a sua própria tragédia [Paul Walker], e como tal, a morte é aqui servida de um espectáculo algo “pop”, digamos até facilmente universalizado. Contrariamente, o tributo é desvanecido no preciso momento em que a morte de um “ser fictício" instala-se com mais impacto emocional e até peso na narrativa que a pontuada ausência do genuíno Pantera Negra

Neste segundo filme é notável a sua faceta atabalhoada, caótica, derivada às inversões de marcha da repentina partida que o destino os obrigou a tomar, alterando todo o rumo que esta saga dentro de uma saga planeava seguir. Embora o seu lado trapalhão seja suscitado por um excesso de confiança quanto ao seu próprio universo e inconscientemente desligando-se dele. Tal leva, por exemplo, a que o "afrofuturismo", elemento vencedor do filme de 2018, seja rascunhado e limitado a meras piscadelas de continuidade, para que “Wakanda Forever” se esforce no enfoque a geopolíticas com aproximações ao nosso “mundo real” (outro “Civil War”?). Um mau fígado para este tipo de cinema que deseja abordar o seu exterior através do seu interior e fantasiado núcleo, não contribuindo com nenhuma reflexão para além do simplismo infantilóide enquanto “soluções” a forças globais - um exemplar de proto-fascismo - contudo, não discutiremos tais conceitos aqui, porque é cinema de super-heróis, e como cinema de super-heróis tais vertentes encontram-se à baila da rotina. Aliás, a rotina tornou-se lugar-comum aqui.

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O anterior “herói independente”, Ryan Coogler (“Fruitvale Station”), regressa à direção da franquia, aqui desacostumados aos seus habituais e vistosos travellings, e rendido à decoupagem industrializada. A sua “mão” encontra-se mais homogênea, vencida pela força da sua megalómana produção. Apesar disso, persiste num episódio espirituoso (comparativamente com 90% do universo partilhado que se insere, este “leopardo heroico" destaca-se pelo seu modelizando exotismo, ora estético, ora sonoro), mas sob as constantes cãibras quanto à sua “longa” narrativa. 

A sublinhar ainda o seguinte: a normalização da ação refém ao CGI, batalhas “campais” dependentes dos fins tecnológicos e sem grau algum de consequência. Efeito videojogo ou não? Ou simplesmente a empatia substituída pela artificialidade que transforma personagens em meros peões de efeito? Conforme seja a resposta, o que importa é que há guerra, sem nos conectarmos devidamente aos seus desígnios. Por isso, passamos (mais) um episódio à frente … muda-se o “rei”, mantém-se o reino.