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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Envelhecer como o último dos exorcistas ...

Hugo Gomes, 12.06.24

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O que lidamos é com uma nova vida na carreira do ator Russell Crowe, estrela que como muitas têm sido abandonadas dos holofotes das grandes produções pelo facto de, como todos os mortais, envelhecer. 

Este processo que poucos conseguem lidar propriamente (envelhecer no cinema solicita um arte), o recambiado-o ao tipo de produções de onde viera, e talvez, por aí ande uma espécie mina de ouro onde Crowe seja rei Salomão. Há quem compare esta sua carreira agora vinculado a um género e estilo algo “canastrão” com as eneśimas aventuras germinadas do êxito de “Death Wish” que Charles Bronson encontrou aos “montões” em década de 80’. Convenhamos que este “The Exorcism” tenha uma costela da última incursão de possessões do ator, “The Pope’s Exorcist” (Julius Avery, 2023), que adquiriu um certo culto pelas “sociedades underground” de cinéfilos, contudo, garantidos que nada de relacionado tem estas duas obras e fica a notícia em modo rodapé: “The Pope’s Exorcist” terá sequela. 

Quanto ao “The Exorcism” (com realização de Joshua John Miller), não nos deixemos de modas nem preoconceitos pré-estabelecidos até porque o assinante disto é Kevin Williamson, o argumentista aliado a Wes Craven na fomentação da era pós-moderna do terror com uns quantos “Scream” (a sua ausência, aliás de ambos, faz-se sentir nestes dois últimos atentados da franquia). E a caneta de Williamson é notada até no espelho que cria nesta intriga de um eventual remake de “The Exorcist” de Friedkin (tal não é formulado em palavras, mas o filme não esconde a ambição) e de um ator na penúria e com quantas reabilitações no historial que é cotado para o protagonizar, porém, a rodagem é tudo menos pacífica, há no ar um toque demoníaco que vai se apoderar dos bastidores e atormentar este já atormentado Russell Crowe

De facto há pitadinhas de interesse nesta descida infernal com o seu quê camp (Crowe faz isso por nós, o que aufere, tal como em “The Pope’s Exorcist”, o seu ar de graça), o ínicio com aquela “casa das bonecas” a ser mapeada, o gesto Williamson em exorcizar uma Hollywood que entre a sua “fogueira das vaidades” tem o mortal auto-fascínio, até o percurso daquela fictícia rodagem que nos soa mais intimista do que fantasmagórica, mas … e tudo tem um mas, a ‘coisa’ tende a despertar um clímax espampanante e caótico, nada de novo, obviamente, que os elogiados “The Conjurings” também possuem essa tendência. Denomino “motivação Jesus Franco”, que em reflexo com o lendário e prolífico realizador, os filmes tendem ser abandonados da sua premissa como sinal de desinteresse dos envolvidos, optando por um pragmatismo, ora involuntariamente cómico. 

Fora isso, é melhor que a encomenda.

Professores, inspirações até no Cinema

Hugo Gomes, 25.02.23

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Jack Black em "School of Rock" (Richard Linklater, 2003)

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Drew Barrymore em "Donnie Darko" (Richard Kelly, 2001)

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Jerry Lewis em "The Nutty Professor (Jerry Lewis, 1963)

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Jeremy Irons em "The Man Who Knew Infinity" (Matt Brown, 2015)

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Russell Crowe em "A Beautiful Mind" (Ron Howard, 2001)

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Sidney Poitier em "To Sir, with Love" (James Clavell, 1967)

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Eddie Murphy em "The Nutty Professor" (Tom Shadyac, 1996)

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Denzel Washington em "The Great Debaters" (Denzel Washington, 2007)

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Ryan Gosling em "Half Nelson" (Ryan Fleck & Anna Boden, 2006)

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Aamir Khan em "Taare Zameen Par" / "Like Stars on Earth" (Aamir Khan, 2007)

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Adrien Brody em "Detachment" (Tony Kaye, 2011)

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Tom Berenger em "The Substitute" (Robert Mandel, 1996)

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Jürgen Vogel em "Die Welle" / "The Wave" (Dennis Gansel, 2008)

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Michellle Pfeiffer em "Dangerous Minds" (John N. Smith, 1995)

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Kevin Kline em "The Emperor's Club" (Michael Hoffman, 2002)

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Robin Williams em "Dead Poets Society" (Peter Weir, 1989)

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Leonie Benesch em "The Teacher's Lounge" (Ilker Çatak, 2023)

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François Bégaudeau em "Entre les Murs" (Laurent Cantet, 2008)

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Valerio Mastandrea em "La Mia Classe" (Daniele Gaglianone, 2013)

Missão Impossível: Múmias & CIA

Hugo Gomes, 13.06.17

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Monstros! Monstros em todo o lado, e sem a necessidade de pagar direitos de autor, é assim que a Universal Pictures lança o seu “Universo Partilhado” – Dark Universe – de forma a não ficar atrás dos outros case study de sucessos que se têm visto por aí, nomeadamente, a pioneiro e até à data, a melhor sucedida Marvel. Contudo, o curioso caso da Universal é um olhar de certa forma nostálgico ao seu registo monstruoso de criaturas e outras histórias clássicas que hoje integram o imaginário, diretamente ou indiretamente, do espectador. Antes de toda esta confusão de crossovers e afins, a Universal já integrava os seus “universos partilhados”, era lobisomens contra frankensteins, vampiros contra qualquer coisa e, em casos específicos (como “House of Frankenstein”, de Erle C. Kenton, em 1944), com todas estas figuras em modo boys band.

Depois da era clássica, os direitos desta coletânea monstruosa começaram a dispersar por outros estúdios e produtoras, até porque os direitos encontravam-se vencidos, sendo que se tornou fácil a inserção dos mesmos, resultando assim, nas mais diversas versões dos “clássicos”. A Universal Pictures perdeu terreno, mas mesmo assim aventurou-se numa recuperação. Em 1999 conseguiria colocar a “The Mummy” no topo do box-office, mesmo que a chamada “febre do Egipto” tenha desvanecido com o tempo. Sucessivamente surgiram sequelas e até mesmo spin-offs, com algum êxito financeiro, mas artisticamente nulos e, em certos casos, reduzidos à própria caricatura. Até mesmo o herói surgido neste franchiseBrendan Fraser – pareceu ter sido “mumificado” nos tempos pós-Múmia. Mas a Universal não descansou, eles queriam monstros, a ressurreição do seu legado.

Em 2004 chega-nos “Van Helsing”, com Hugh Jackman, que simplificaria os desejos desse mercado. A história do célebre némesis do Conde Drácula foi igualmente “vaporizado” pela crítica, da mesma forma que fora pelo público. Com as notícias da concorrência em que os chamados universos partilhados eram fórmulas comprovadas “cientificamente”, a Universal, cada vez mais reduzida em termos de franchises, encontraria o dispositivo perfeito para esse consolidar de criaturas. “Dracula Untold" foi a experiência falhada, o falso-início que não convenceu nem sequer os produtores, mas é em “The Mummy” onde, por fim, nos deparamos com esta introdução.

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Sim, uma introdução, visto que Alex Kurtzman preocupa-se mais com a representação que as personagens podem ter neste Universo do que propriamente com a desenvolvimento destas figuras, e feita as contas, temos o enésimo blockbuster mecanizado, pronto a decorrer sem surpresas nem desfeitas. O terror é elementar, reduzido a jumpscares e a sustos fáceis de terceira escola, a ação é implantada sem imaginação e Tom Cruise repete-se no seu papel de sempre. Ou seja, apesar dos efeitos e desta pré-construção de um Mundo próprio, “A Múmia" eleva-se como um entretenimento sem personalidade e reduzido a adereços de injeção instantânea. Mesmo que a argelina Sofia Boutella se comporte devidamente como o “monstro do título”, tudo o resto parece abandoná-la a favor de um filme pleno para todos.

Todavia, o grande problema desta “Múmia” não está inteiramente no produto em si, mas sim na indústria omnipresente que agrega. É uma cópia dos modelos mercantis com todos os marcos que poderíamos “desejar” neste tipo de produções. É previsível, cumpre a sua agenda de forma aplicada e ainda transtorna os monstros que assustaram gerações passadas, escusado será dizer que teremos mais uns episódios para “aturar” num futuro próximo. Mas este começo é tudo menos relíquia, é pechisbeque.

A Arca da Profanação

Hugo Gomes, 11.04.14

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Quem imaginaria que Darren Aronofsky iria pegar na popular história bíblica, a Arca de Noé, numa adaptação livre e quase “arraçado” ao blockbuster? Pois bem, até o realizador de “Requiem For a Dream” e “Black Swan” se rende à megalomania da indústria, operando como um “tarefeiro” para esta galinha dos ovos de ouro. Contudo, até o feitiço se virou contra o feiticeiro, visto ser difícil controlar tamanho ego artístico. Aronofsky lutou contra as rédeas impostas pelo estúdio e o conceito de agradar a gregos e troianos.

Tendo de momento uma relevância ímpar no cinema norte-americano, o realizador viu na história do homem que responde ao apelo de Deus em construir uma arca para as suas criações, de forma a resgatá-los de um iminente apocalipse, uma forma de provocar e idealizar algo que para muitos é sagrado. Sob o medo da incompreensão, “Noah” decorre num mundo quase alternativo, uma espécie de Terra Média visionada pela Bíblia que até mesmo criaturas fantásticas (gigantes de pedra?) e misticismo pagão coloca a seu dispor. Essa incógnita temporal e geográfica torna possível a inserção de rebeldias e “heresias”, capazes de irar o mais crente dos religiosos. Ainda assim, o primeiro ato ocorre da forma mais automática possível, fazendo-se sentir o fascínio dos efeitos visuais e um certo temor em consolidar o argumento do filme com a matéria-prima. Aqui sente-se a pressão do estúdio e a pouca importância do tema dada pelo próprio autor.

É no segundo acto que o espectador depara-se com algo que podemos considerar deliciosamente insultuoso: a blasfémia que se torna nos poucos momentos dignos de cinema que “Noah” é capaz de proporcionar. A própria Arca parece ser o catalisador para essas mesmas divagações, como por exemplo uma revelação de um Noé psicótico (Russell Crowe sai bem na “foto”) que tanto alude ao fanatismo religioso, um discurso antropocêntrico de um Ray Winstone em vias da dissecação da natureza mais negra da religiosidade e a citação de Darwinismo sob páginas bíblicas (agradável heterodoxia), uma odisseia da vida sem igual e estimulante.

Mas esse último e revigorado ato não conseguem de todo salvar um filme desequilibrado que conta ainda com uma Jennifer Connelly mais uma vez desperdiçada (em toda a duração do filme, a atriz só possuiu uma sequência que realmente demonstra a sua aptidão performativa). “Noah” é sufocado pelo modelo industrial e pela generalização idealista, mas foi por pouco que não meteu água!