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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Quando a crítica olha para a crítica

Hugo Gomes, 19.07.22

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Damien Chazelle dirige Emma Stone em "La La Land" (2016)

Bergman dizia que o cinema lhe permitia comunicar com o mundo, literalmente de alma com alma. Quem está do lado da crítica sabe que é esse desejo que alimenta a pena. Mas pena é como quem diz… A crítica hoje tornou-se polivalente, pode ter relevância no Youtube como num direto de televisão ou de rede social. E democratizou-se, ficou de todos.

Já há muito que venho dizendo que esta ideia de partilhar o amor cinéfilo pode ser confundida como “críticos de bancada”, mas também é de bom senso não fazer disso um papão. O cinema de autor precisa de maior divulgação e é proibido proibir essa ideia de pluralidade. Sou dos que pensam que é saudável esgrimir opiniões na caixa de comentários de um post no Instagram ou no Twitter – os gostos discutem-se e a maneira do outro olhar para um filme pode ser uma porta para compreendermos melhor o nosso gosto. Tudo isto não invalida as escolas dos olhares, embora não faça do academismo militante uma bandeira. É óbvio que a crítica hoje continua a ter de saber olhar para um passado e história do cinema mas também é de novas ordens e correntes que se faz a dissecação dos olhares cinematográficos inovadores.

Quando vemos um filme há algo a decidir: como equilibrar o valor do sonho com a ordem do real. O cinema fantasiado, o cinema do real. É por aqui que os atuais códigos do cinema contemporâneo passam e torna-se natural que se cerrem fileiras. Nessa escolha de posições sou dos que voto pela incoerência, acredito piamente que cada caso é um caso. Um tipo de cinema não anula outro. O novíssimo cinema do real não tem que ferir mortalmente o cinema lúdico. Vem aí o novo Damien Chazelle, que, ao que parece, terá vénia de overdose a Fellini. Babylon não tem que ser inimigo do próximo Wang Bing ou deste assombroso “Tourment sur les Iles”, de Albert Serra… É nessa polivalência que o crítico, encartado ou não, tem de saber navegar, eventualmente ter o direito ao sentido de desorientação.

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Jonás Trueba na rodagem de "La Virgen de Agosto" (2019)

Mas, afinal, o que acontece quando a crítica olha para a crítica? Talvez apenas sirva para reavaliarmos os nosso conceitos de vigilância perante as imagens e as suas políticas. Mas igualmente códigos e éticas. Porque se o cinema pode ser um atiçar artístico do imaginário da imitação da vida real, é bom perceber se ainda é legítimo perceber como em Portugal alguma da crítica perca o tesão pelo cinema de Hong Sang Soo ou como, de repente, David Pinheiro Vicente é levado ao colo. Independentemente de tudo isso, a crítica, sobretudo em festivais, consegue “fazer” cineastas. Aliás, talvez mais do que nunca, festivais e cineastas precisam da crítica, sobretudo de uma crítica que não faça clube de fãs mas que saiba encontrar pontos de ajuda para se refletir sobre um processo autoral de uma obra. Se em Portugal há elitismo em quem tem espaço para escrever ou ser voz de recomendação, creio que não é importante. O importante é reconhecer que há um auto-da-fé de muitos que estão presos (que encantatória prisão...) no labirinto do cinema. Um auto-da-fé que eu julgo ser puro e sem rodeios.

Acusam-me de não dar muitas cinco estrelas – nada contra a quem as dá, mas estou cada vez mais órfão do cinema de que me formou. Assayas não é o novo Truffaut, Cronenberg já não é o Cronenberg dos 80 ou dos 90 e Licorice Pizza está longe da genialidade de “Magnolia”, embora continue a ter esperança que Tarantino, Steven Spielberg e Nanni Moretti vão voltar a superar-se. É uma fé minha, só minha, se calhar. E tenho Julie Ducournau, Ari Aster ou Jonás Trueba para me contradizer...

 

*Texto da autoria de Rui Pedro Tendinha, jornalista e crítico do jornal Diário de Notícias e autor do site / blog / rúbrica Cinetendinha.

Filmes de Negros também importam

Hugo Gomes, 10.05.21

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“Straight Outta Compton”, “Harriet”, “Sorry to Bother You”, “Hustle & Flow” e agora “Judas and the Black Messiah”, o que há em comum nestes filmes além de serem apelidados de "filmes de negros"?

A resposta é bem simples: não estrearam (nem hipótese tiveram) nos cinemas portugueses. E no caso do último exemplar, pelos vistos o facto de ter conseguido 6 nomeações, incluindo a de Melhor Filme, e ter conquistado duas estatuetas (a de Melhor Ator Secundário para Daniel Kaluuya) não foram o suficiente para lhe garantir espaço nas nossas salas, condenado a ser despachado para o “videoclube”, ou seja, um nicho constrangedor. O que indigna nisto tudo, é que existe um padrão e quiçá, um racismo sistémico com disfarces de capitalismo. Seja as majors mães que “comandam” estas produções, seja as nossas representantes, uma coisa é certa, há que questionar e acabar com as persistentes “tradições”, essas que nos garantem filmes de teor direct-to-video nas salas e que colocam para VOD (nem streaming é) obras que mereciam um pouco mais de respeito e risco.

Tendo conhecimento das existências de taxas de publicidade requerida para estes filmes, e o historial de más bilheteiras em território português (assim nos fazem acreditar), é também incompreensível que uma das nossas principais distribuidoras – NOS – que declarou nos “Encontros de Cinema Português” de 2020, que, mesmo em contexto pandémico (onde os hábitos de consumos dos espectadores alteraram drasticamente), iriam continuar apostar em “filmes para millennials”, e entendendo nós que são essas novas gerações (o seu suposto “publico-alvo”) que mais preocupados estão com as questões de representação e diversidade. Por isso, abram os “cordões às bolsas” e soltam os “filmes de negros” nas nossas salas.

Isto tudo para avisar, com alguma tristeza, que o filme de Shaka King [“Judas and the Black Messiah”] encontra-se disponível em VOD.

Deixo ainda como leitura o artigo de Rui Pedro Tendinha no Diário de Notícias - https://www.dn.pt/cultura/o-filmes-dos-oscares-que-portugal-nao-quis-estrear-13695773.html

Vítor Norte: "José Fonseca e Costa talvez tenha sido um dos expoentes máximos do cinema em Portugal"

Hugo Gomes, 13.12.20

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Foto.: Loulé Film Office

Até Amanhã! O Futuro é Amanhã e obrigado!” Foi com estas palavras que o já veterano ator Vítor Norte agradeceu o Prémio de Carreira que lhe foi atribuído na 1ª gala dos Prémios Cinetendinha, que decorreu no passado sábado (05/12) no Auditório do Solar da Música Nova em Loulé, e será transmitida neste domingo (13/12) na Sic Radical.

Com intuito de promover e galardoar o melhor que se produziu num ano de cinema, a 1ª edição dos Prémios Cinetendinha contou com a presença do seu anfitrião, o crítico e jornalista de cinema Rui Pedro Tendinha, assim como com a das madrinhas, as atrizes Victória Guerra e Maria Leite (ambas louletanas), e ainda personalidades como os atores Ricardo Pereira, Rúben Garcia e Ruben Alves e a realizadora Ana Rocha de Sousa (“Listen”). Mas foi com Vítor Norte, também presente, que o evento teve um dos seus momentos altos.

Contabilizando 40 anos de carreira, Vítor Norte é um dos atores mais reconhecidos pelo público português, presente constantemente em diferentes ecrãs e palcos. No cinema orgulha-se de ter sido dirigido por um vasto leque de realizadores, entre os quais José Fonseca e Costa, o qual colaborou em 4 filmes (“A Mulher do Próximo”, “Nos Cornos de Cronos”, “Cinco Dias, Cinco Noites”, “O Fascínio”). No final da cerimónia, o ator conversou sobre o significado deste Prémio de Carreira, sobre novos projetos e sobre o seu “amigo e padrinho de casamento” José Fonseca e Costa.

Visto que declarou na gala que não está velho e que a sua carreira não termina aqui, para si, o que representa este Prémio de Carreira?

Não, eu estou velho [risos]. Mas é um facto que a minha carreira ainda não terminou. Acúmulo e possuo projetos e pessoas com quem vou trabalhar para o ano e para o próximo. É um prémio de carreira, mas não deixa de ser um prémio igual a tantos outros. E fico contente por ter-me sido atribuída tal láurea, e ainda mais ter sido fruto de uma reunião de pessoas. Fico grato.

Quanto à carreira propriamente dita, eu não me considero um carreirista. Sou um ator, e sou-o há vários anos. Faço teatro, televisão, cinema, tudo o que é inerente à minha profissão, só que não me sinto um carreirista, sinto-me um sonhador, alguém que aspira por um mundo melhor, por um teatro melhor, assim como cinema, e mais Cultura. Isso sim, agora carreira?

Quanto a esses novos projetos e filmes ainda por estrear, este ano estava previsto chegar às nossas salas “Terra Nova” de Artur Ribeiro, só que a pandemia alterou os planos. Já há nova data de estreia?

Não, ainda não há data de estreia. Para além do “Terra Nova”, tenho ainda “A Casa Flutuante” de José Nascimento, com quem trabalhei em “Tarde Demais”, “Para Cá do Marão”, de José Mazeda, e o novo filme de Bruno Gascon, realizador com quem trabalhei no “Carga”, e que tem como título “Sombra”.

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Cinco Dias, Cinco Noites (José Fonseca e Costa, 1996)

Numa entrevista ao SAPO Mag, o realizador Francisco Manso, o qual trabalhou como Aristides de Sousa Mendes em “O Cônsul de Bordéus”, referiu que tem na gaveta um projeto que continua esse filme de 2012 e tem colaboração na escrita do neto de Sousa Mendes. Devido à falta de apoios e meios, essa espécie de sequela encontra-se no limbo. O que pode dizer sobre esta possibilidade e se aceitaria regressar ao papel?

Sim há, aliás eu e o Francisco Manso já falamos sobre isso mesmo há uns anos: um projeto que abordava a vida de Aristide Sousa Mendes depois do salvamento daqueles judeus dos nazis, e o seu regresso a Portugal. Mas sobre o seu avanço? Não sei. Só espero que ele consiga concretizá-lo, e isso seria ótimo, o que não quer dizer seja eu a voltar ao papel.

“O Cônsul de Bordéus” foi um êxito, visto por mais de 35 mil espectadores, o que na altura revelou para muitos portugueses uma história diversas vezes ocultada. Possivelmente essa divulgação levou à transladação de Aristide de Sousa Mendes para o Panteão Nacional. Acredita que o sucesso e a popularidade do filme tiveram como impulsionador o seu protagonismo?

O filme foi um êxito sim, só que não acredito que a minha participação tenha realmente contribuído para isso. Qualquer ator que se preze, e digo ator com "A", conseguiria interpretar Aristides melhor que eu. As coisas são notáveis. Sim, o filme de Manso contou comigo no papel principal, mas então e os outros atores? A luz? A técnica? Eu não tenho bem o culto da personalidade do cinema, a mim começaram a chamar-me Vitinho e até hoje continuam [risos] …

Um dos realizadores com quem mais trabalhou e com quem fez alguns dos filmes mais importantes da sua carreira, foi com José Fonseca e Costa…

O meu amigo e padrinho de casamento José Fonseca e Costa talvez tenha sido um dos expoentes máximos do cinema em Portugal. E tinha uma cultura extraordinária, era possuidor de um conhecimento… Nós passávamos os jantares a ouvi-lo, e não custava nada, mas no plateau era um homem duro, melhor, um realizador duro que não abdicava nada.

Hoje em dia José Fonseca e Costa é recordado como um autor do nosso cinema, mas em tempos era dizimado pela crítica e desprezado como um “realizador comercial”. O próprio queixava-se dessa constante denominação...

Mas a crítica, bem, a crítica neste país é toda ela composta de ilhas, movimentos, de conhecidos e de amigos. Portanto, as críticas não são bem aquilo que deveriam ser, que era apontar os “bons” ou “maus” de um trabalho artístico, e são usadas para se fazerem ataques pessoais. Talvez seja isso que tenha acontecido ao José Fonseca e Costa, que era sobretudo um homem vertical.

2020: uma odisseia na crítica de cinema

Hugo Gomes, 28.03.20

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 Les Sièges de l'Alcazar (Luc Moullet, 1989)

Uma “nova normalidade” que poderá ditar uma futura revalorização do cinema como experiência de sala, mas por enquanto é o trabalho do crítico de cinema a derradeira prova de fogo para estes dias negros. Há uns dias a comunidade da crítica de cinema sofria com um abalo sísmico: o fim anunciado da Cahiers du Cinèma, a revista francesa encarada, mesmo nos dias de hoje, como a sagrada instituição deste ramo profissional. Atualmente, a profissão, à semelhança de praticamente todas as outras, sofre com a vinda de uma nova realidade, a de uma declarada pandemia do Covid-19, que desencadeou uma série de alterações sociais, económicas, culturais, etc.

A quarentena forçada levou ao cancelamento de diversos eventos cinematográficos, pois nenhum é imune à ameaça patológica. A própria ida à sala do cinema tornou-se restrita, para não dizer nula,  e nem mencionamos o trauma que virá a seguir e que a China – país onde já reabriram centenas de salas – está já a revelar. Na verdade, o cinema isolou-se agora em múltiplas plataformas de streaming, no VOD, Home Video ou simplesmente na incerteza. O trabalho do crítico de cinema tem novos desafios e a questão que se coloca é: como sobreviver perante estes novos (e forçados) hábitos de ver e escrever sobre cinema sem diluir-se na esfera da opinião pública, onde se competirá com milhares de vozes que habitam as redes sociais e outras plataformas de partilha? Será que a profissão vai-se desintegrar perante a crise financeira anunciada e suscitada como efeito secundário desta epidemia?

EUA, Reino Unido e França, três países onde a crítica de cinema ainda goza do estatuto presencial na cultura popular e intelectual, debatem-se nas “sombras” pela futura existência deste modo de pensar em cinema, e como se enquadrará no mundo pós-2020. Em Portugal, mesmo que o mercado e público seja menor que nos países referidos, a preocupação não é menor, até porque os críticos de cinema profissionais são “espécies em vias de extinção”, que tentam ainda encontrar novos meios de comunicação para com os seus seguidores. Alguns deles usufruem mesmo da imagem de “guru”, figuras de culto de uma cinefilia em perpétua mudança. Como encaram os nossos profissionais neste novo cenário? Como irá evoluir a crítica de cinema, ou como muitos vão subsistir perante este hiato? Será esta a derradeira ameaça para a definição tradicional de crítica de cinema?

Nem todas as perspetivas são catastróficas, como aponta Vasco Câmara, um dos três críticos em atividade no jornal Público e editor do suplemento Ípsilon. O mesmo partilhou uma feliz experiência desse “enclausuramento“, dando o exemplo do número saído na passada sexta-feira (20/03), “todo ele feito em isolamento” e que mesmo assim resultou, segundo as suas palavras, “nas melhores coisas” que o jornal já fez. Para Câmara, estamos a viver “uma nova normalidade”, conceito que é partilhado por outros colegas.

Jorge Leitão Ramos, um dos críticos do semanário Expresso, desmonta a preocupação alarmista que muitos vêem nesta realidade ainda por digerir: “até agora, a grande diferença profissional é não escrever sobre filmes em sala, mas sobre ‘coisas’ na Internet.“. Já João Lopes, crítico veterano do Diário de Notícias, para além de colaborar na rubrica Cartaz Cultural da SIC Notícias, sublinha que “não há volta a dar: todas as atividades humanas, das mais essenciais (a defesa da saúde pública) às de reflexão e pensamento (em que, melhor ou pior, se inclui a crítica de cinema), estão a ser desafiadas nos seus pressupostos e fronteiras.“. O mesmo salienta, sem uma visão completamente catastrófica sobre o seu ramo profissional, que “não deixámos de ser espectadores e a dimensão drástica daquilo que estamos a viver tem, para muitos de nós, o efeito paradoxal de reforçar a nossa atividade enquanto espectadores. Nesta perspetiva, o labor específico do crítico de cinema não muda: ‘Lawrence of the Arabia’ não foi feito para ser visto na estreiteza do nosso ecrã de computador (muito menos de telemóvel), mas resiste a todas as dimensões de ecrã e contextos de visão…

Já para Inês Lourenço, também ela colaboradora do Diário de Notícias, para além de ser a voz do programa de rádio A Grande Ilusão, é difícil neste momento perspetivar, a longo prazo, o efeito desta situação no seu trabalho como crítica e jornalista. “Naturalmente, a cessação abrupta das estreias em sala é algo que, desde logo, se impõe como uma mudança no quotidiano e provoca uma sensação de estranheza e apreensão. Mas depois há as alternativas do streaming e da televisão (entre outras), que ganham terreno nisto que se espera ser uma considerável fatia de tempo até que tudo volta à “normalidade“. Talvez com o correr desse tempo a angústia aumente, mas por agora tenho algum otimismo de que quando se puder regressar às salas de cinema haverá uma revalorização da experiência – um bocado aquela ideia de que é quando estamos privados de algo que aprendemos a dar valor. Nestes dias, o mais importante é tentar ser criativo para contornar a limitação dos “conteúdos” habituais.

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Lawrence of Arabia (David Lean, 1962)

Essa revalorização não é somente uma ideia de Inês, pois o seu colega João Lopes referiu também esse regresso da sala de cinema como um marco de superação da era de confinamento e sequencialmente a sua ribalta: “O “lugar” de consumo dos filmes envolve uma questão adensada ao longo dos últimos anos: creio que é fundamental continuar a defender a especificidade do cinema como um acontecimento da sala escura, para a sala escura — um acontecimento social, enfim. Ao mesmo tempo, seria um ‘lirismo’ sem fundamento negar, ou renegar, o modo como as alternativas do streaming criaram uma nova paisagem de consumo, não só recheada de oportunidades como também, convém não esquecê-lo, quase sempre menos dispendiosa do que a visão dos filmes em sala. A situação de pandemia agravou esta clivagem, transformando-nos a todos em espectadores online, ao mesmo tempo que, mesmo por perversa ironia, nos faz (re)valorizar a experiência insubstituível da sala. Já com saudade.

Para Rui Tendinha, também crítico do Diário de Notícias, para além dos seus trabalhos na televisão sob o formato Cinetendinha, esta “nova normalidade” defendida por alguns dos seus colegas são “dias de apocalipse“. O crítico expressou as suas preocupações, confessando que estes tempos poderão prejudicar o seu trabalho, mesmo que “felizmente”, ainda haja cinema online. “Mas não é o mesmo”, remata, acrescentando: “Sou crítico de cinema e não de Home Cinema. Acredito muito no cinema em grande ecrã. Também estou a ser prejudicado como programador – 3 dos festivais que trabalho foram adiados… Perdi também entrevistas que tinha marcado no estrangeiro e uma série de outras possibilidades. O melhor de tudo isto é que estamos todos a levar um curso crash para sabermos viver com menos. O streaming vai crescer e poderá deixar marcas de hábito. Quem descobre um ‘Uncut Gems’ na Netflix talvez comece a querer perder o hábito de pagar um bilhete de cinema. Preocupa-me muito a situação dos cinemas mais independentes. A pirataria vai voltar a ter dias mais felizes e isso dos festivais online também vai proliferar. Se me perguntam se isso é melhor do que não haver, sou o primeiro a dizer que não, mas temo os efeitos futuros. A ressaca de tudo isto vai fazer com que haja depois um período longo em que muitos não vão querer estar numa sala escura cheia a ver cinema. Será psicossomático. O cinema vai mudar, a vida de um crítico de cinema também.“ Não foi apenas Rui Tendinha a expressar uma visão negativa em todo este cenário: um crítico que preferiu não ser identificado, mencionou que como “não há estreias, as páginas de cultura diminuíram ainda mais”. “Não publico, logo não ganho“, concluiu.

Terminando esta ronda pela crítica profissional, João Lopes terminou a nossa conversa com ambiguidade, mas sobretudo crença na conservação do papel do crítico no futuro pós-coronavírus: “o crítico de cinema, seja qual for o seu talento, não é um profeta, muito menos um adivinho. Quando se pergunta a um crítico ‘…quem vai ganhar os Oscars’, convém começar por responder o mais rudimentar: ‘Não sei.’ Ou seja: ninguém consegue antecipar o que está para vir, desde a economia global até ao universo tão particular do cinema. Digamos apenas o óbvio: nada será como dantes. O que quer dizer que o labor específico do crítico — e, em particular, do crítico ligado às formas clássicas de imprensa — vai enfrentar dúvidas e temas para os quais, em boa verdade, não estava preparado. De um modo ou de outro, será preciso continuar a defender/pensar o cinema, não como um mero “gadget” de usar e deitar fora, antes como uma forma de expressão artística & industrial com mais de um século de história (com coronavírus ou sem coronavírus, comemorar-se-ão este ano 125 anos da primeira projeção pública de filmes). As incertezas desse futuro obrigam-nos a sermos suficientemente ágeis e inteligentes na preservação da memória cinéfila.

E os Óscares?

Hugo Gomes, 25.02.19

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A convite do Cinetendinha e do caro amigo crítico e jornalista de cinema Rui Tendinha, estive presente (indiretamente) na noite de entrega das estatuetas douradas para mandar uns quantos bitaites sob o gosto dos comes e bebes e do cansaço sempre habitual desta espera pelo hipoteticamente Melhor do Ano. E sempre bem acompanhado por Paulo Portugal (da Insider) a mostrar novamente aqui o seu encanto. Muito grato pelo convite e pela oportunidade.

PS: a nossa intervenção surge a partir das 4:50:00

Enquanto isso, e após a “surpresa” do Green Book, expressei numa crónica corrida no C7nema. “Poderia ter sido o ano da mudança nos Oscars, mas não o foi. Preferiram ficar à sombra da bananeira.” Ler crónica completa aqui.