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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

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"A Minha Casinha": as quatros estações em Baião numa conversa com António Sequeira e Beatriz Frazão

Hugo Gomes, 19.12.23

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A Minha Casinha (2023)

"Que saudades que já tinha da minha alegre casinha, tão modesta quanto eu", nenhum português fica indiferente a estas palavras. O clássico cantado e interpretado pela banda Xutos & Pontapés (antes saído dos lábios de Milu no filme “A Costa do Castelo”) converteu-se num hino popular à distância infligida pela migração, seja de que natureza for. No caso do filme que adota um título aproximado do single, "A Minha Casinha", a primeira longa-metragem de António Sequeira, os Xutos não nem vê-los (ou será melhor dizer, nem ouvi-los), mas o espírito desse pregado sentimento de saudade, desse gradual desapego afetivo dos nossos "ninhos" em prol de uma libertação, de uma mudança, é sentido, aliás, vivido na primeira pessoa.

Sequeira, como tantos outros, tentou a sua sorte, fez-se à estrada e chegou a Londres para estudar Cinema. Ao regressar ao país que o viu nascer, trouxe consigo a ambição de realizar um filme, um ato glorioso mas hercúleo para quem deseja começar nestas andanças sem os devidos apoios ou incentivos. No entanto, isso não o desanimou, o jovem realizador, que entrou como pôde, conseguiu convencer um quarteto de atores (Salvador Gil, Beatriz Frazão, Miguel Frazão e Elsa Valentim), dirigiu-se para Baião e filmou durante um ano, representando as quatro estações na vida desta família que lida com a "síndrome do ninho vazio".

Em entrevista com o Cinematograficamente Falando..., o realizador revelou as suas projecções, o que pretende alcançar com o seu cinema e os muitos passos ainda por dar, ao seu lado, a atriz Beatriz Frazão junta-se à conversa.   

Dou o “pontapé de partida” com o “de onde e como surgiu a ideia para este filme”?

António Sequeira: A ideia de "A Minha Casinha" surgiu através de um processo demorado. Saí de Portugal aos 18 anos e fui para o estrangeiro. Lá fora, comecei a perceber que, embora as coisas fossem espetaculares, havia um sofrimento relacionado com o distanciamento para com a família, e sempre havia contato, esse sentimento era uma verdade escondida dela. Com o tempo, comecei a perceber que isso talvez não fosse algo que apenas me afetasse; também afetava outras pessoas. Quase todos os meus amigos estavam a passar pela mesma situação, sendo substituídos por animais de estimação, por exemplo, então, achei que havia potencial nisso, uma temática universal para ser discutida e abordada. Fui à procura de filmes que explorassem o tema e quase não encontrei nenhum que o desenvolvesse realmente. Eram sempre focados sob a perspetiva dos filhos que partiam, e nunca na perspetiva daqueles que ficavam.

Recordo-me de uma cena no final do filme do [Richard] Linklater  -"Boyhood" - em que a mãe (Patricia Arquette) fala sobre esse sentimento de vazio e o rapaz vai-se apercebendo das mudanças na casa. Acho que isso ficou-me na cabeça, incentivando-me a explorar mais a fundo essa temática e criar quase uma sequela espiritual de "Boyhood", desta vez acompanhando o filho à universidade e explorando as várias formas como ele volta para casa. Isso também inspirou um pouco o processo de filmagem, assim como foi feito no filme do Linklater que foi filmado ao longo de vários anos, 12 aliás, aqui, também queríamos capturar a ideia de crescimento verídico nos atores, em uma escala mais pequena, ou seja filmamos durante um ano nas estações. Portanto, foi um pouco essa a ideia por trás do projeto.

É sabido que este filme não contou com financiamento do ICA, praticamente o António entrou “porta adentro” e disse “tenho aqui um filme”.

AS: Basicamente. Há, obviamente, mais oportunidades lá fora para conseguir trabalhar na indústria. Um dos grandes problemas em Portugal, na minha opinião, é que a indústria é muito fechada, e entrar nela é bastante difícil. Parece que está guardada num castelo, e que para lá chegar é uma tarefa árdua, e sabia que a única maneira de entrar nesse "castelo", como muitos jovens realizadores lidam, seria passar anos a tentar obter financiamento e esperar pelo momento certo, muitas vezes acabando por desistir após anos de esforço em vão, devido à dificuldade de entrada e ao processo moroso. Pode acontecer, mas é muito demorado. Decidi, então, tomar as rédeas da situação e criar o meu próprio caminho. Optei por construir o meu próprio "castelo" e produzir o meu próprio filme. Vamos ver como corre.

Inicialmente, não tínhamos nenhum financiamento, mas eventualmente conseguimos o apoio do município de Baião. Apesar das limitações logísticas e do apoio dos atores, que concordaram em trabalhar por preços bastante baixos porque acreditavam no guião e também na equipa técnica, e viam potencial no projeto, foi a generosidade das pessoas envolvidas que tornou este filme possível.

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Beatriz Frazão em "A Minha Casinha" (2023)

Isso era algo que também pretendia perguntar, como conseguiu “convencer” um quarteto de atores a alinhar com a sua visão?

AS: Os períodos de filmagem foram comprimidos num curto espaço de tempo, e os atores tiveram que ajustar suas agendas para participar, desbloqueando outros compromissos para se dedicarem a este projeto. Aqui, tivemos que encontrar a liberdade de ocasionalmente dedicar uma semana inteira, auxiliando todos a deslocarem-se até Baião para filmar. Não foi uma tarefa fácil, mas esse foi o processo para encontrar os atores.

O desafio mais significativo foi identificar atores que fossem tão loucos como eu [risos], que estivessem dispostos a embarcar nesta jornada independentemente das dificuldades. Vale a pena mencionar o caso dela [dirigindo-se à Beatriz], que estava envolvida em outras produções enquanto filmava. Ela estava a participar numa peça de teatro em Lisboa ao mesmo tempo que estávamos a filmar em Baião, uma distância de 4 horas entre os dois locais. Foi graças a essa dedicação e entrega deles que conseguimos levar este projeto adiante.

Beatriz Frazão: Para mim não fazia qualquer sentido não fazer este filme. Já havia trabalhado com o António [“My Mum 's Letters”, 2020] e tinha mais vontade ainda de continuar a trabalhar com ele. Quando li o guião fiquei tão emocionante e empenhada em ajudá-lo a levar este filme à concretização. Portanto, o dinheiro não me preocupou muito, porque sabia que me ia divertir e que faço isto por paixão. 

Porém, o mais complicado foi o de termos que filmar ao longo do ano, pois tínhamos que estar disponíveis durante todas as estações, reservando uma semana a cada três meses. Além disso, houve um momento em que eu estava envolvida numa peça ao mesmo tempo e recordo do António entrar em pânico: "Ai meu Deus, ela agora não vai conseguir terminar o filme!", e nessa altura tinha o cabelo todo preto, mas conseguimos dar volta a isso, integrar essa mudança na personagem, como se ela também tivesse mudado o cabelo. Arranjei um motorista que me levava todos os dias de Baião até Lisboa para o espetáculo, e depois, à meia-noite, voltava para Baião para filmar. Tinha que filmar às oito da manhã no dia seguinte. Foi uma verdadeira loucura, foi incrível e valeu a pena. Esta é uma das razões pelas quais as pessoas realmente precisam de ver este filme.

Quase uma colónia de férias …

AS: Exacto, era uma colónia de férias. Só que férias … a trabalhar. [risos]

BF: Era, literalmente, porque estávamos a viver todos na mesma casa. Era uma colónia interessante. [risos]

AS: Queríamos também criar um ambiente baseado na direção de atores de filmes que recordo ter apreciado, por exemplo, "Blue Valentine", em que Ryan Gosling e Michelle Williams viveram juntos durante algum tempo, e essa abordagem contribuiu para construir relações mais autênticas nas filmagens. Da mesma forma, procurámos que os nossos atores, durante as filmagens, partilhassem momentos juntos e vivessem como uma espécie de família, fazendo pequenos-almoços e assim por diante. Foi uma forma de os fazer ficar mais à vontade uns com os outros e “parecerem” mais família no filme.

Julgo que para a Beatriz, esse processo de criar relações familiares com os demais atores, já se encontrava uma parte previamente concebida, visto que contracena com o seu pai [Miguel Frazão].

BF: Essa parte já estava feita. [risos] Mas a relação que temos é muito diferente do que a que está no filme.

Tentaram trazer alguma ‘coisa’ dessa vossa relação para com a relação no filme? 

BF: Acho que a nossa química é muito forte. Tentámos incorporar algo vosso na personagem, claro. Mas é curioso, porque ele é o meu pai, está sempre comigo, sempre me acompanhou, mas nunca tinha contracenado com ele. Sou super envergonhada, não consigo fazer nada à frente da minha família. [risos] No entanto, neste filme, o António “obrigou-nos” a contracenar. Mas foi uma experiência no mínimo engraçada, eu o via a representar e ele a mim. Por isso …

AS: Tenho uma curiosidade [volta-se para a Beatriz]. Alguma vez deste alguma dica ou sugestão ao teu pai, ou vice-versa?

BF: Claro que sim. [risos] Ela dava dicas a mim, eu a ele. Por vezes perguntava como deveria ser naquela cena - “Oh pai, tu sabes melhor que eu, tu és pai. Eu nunca passei pela tua situação” [risos] - ou como se tinha comportado, e eu também fazia o mesmo. 

Com o António a ter uma genuína relação de pai e filha, e considerando que as rodagens do filme ocorreram uma semana em cada estação do ano, isso proporcionou espaço para ajustar a trajetória do guião. Em outras palavras, a ótica do conflito familiar começou a inclinar-se para a relação específica entre a Beatriz e o Miguel?

AS: No nosso caso, seguimos bastante o guião, e uma das coisas importantes era manter uma certa flexibilidade, como a Beatriz acabou de mencionar sobre o cabelo, por exemplo, podendo trocar e adaptar conforme necessário. Era essencial ter essa flexibilidade, por isso mesmo era crucial filmar as cenas cronologicamente. Para quê? Para nós, filmarmos de acordo com as estações do ano, era importante compreender a história e os pontos a desenvolver, indicando as dinâmicas que se encaixavam melhor. A rodagem foi um processo de adaptação, mesmo com as performances dos atores, que conforme envolviam mais com o projeto, mais evoluíam. Conseguia-se quase perceber o ano a passar através dos detalhes, tanto na forma como mudavam a representação quanto na construção gradual da história ao longo desta.

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António Sequeira na antestreia portuguesa do filme

No documentário sobre a produção do filme ["Uma Casinha em Baião"], dirigido por Rui Pedro Tendinha, recordo do António ter afirmado que o seu cinema não tem bases no cinema português. Gostaria de saber qual é a sua relação com o cinema português e, já agora, que influências ou inspirações leva consigo enquanto realizador?

AS: Quando disse isso ao Tendinha, não foi totalmente verdadeiro, porque obviamente tenho algumas bases no cinema português, embora não tanto quanto muitos estudantes de cinema em Portugal. Como estudei no "estrangeiro", fomos expostos a outras influências, no meu caso, por ter estudado no Reino Unido, tive mais contato com cineastas como Ken Loach, Mike Leigh, entre outros, que me influenciaram, cada um deles, de maneiras diversas. Um dos cineastas que serve de inspiração, como já mencionei, é Linklater, cuja maneira de escrever e desenvolver diálogos e personagens de forma naturalista eu admiro, queria levar esse estilo na minha carreira - é curioso que Linklater tenha filmado grande parte de sua obra em Austin, Texas, e quando visitei a cidade, percebi que estava cheia de referências aos seus diálogos. Outro cineasta importante para mim é Noah Baumbach, conhecido por filmes como "Marriage Story" ou "The Meyerowitz Stories", que também cria personagens realistas no seu meio.

A minha família é toda da área da Saúde, eu fui o único estranho que segui Cinema. [risos] Diferentemente da maioria dos realizadores que crescem com "Citizen Kane" e os grandes da indústria, eu, por não vir tradicionalmente desse meio, tinha a tarefa de escolher filmes que pudessem entreter artisticamente a mim e, ao mesmo tempo, entreter o resto da família. Pensei recentemente sobre isto e percebi que esses episódios foram verdadeiramente influentes. Compreendi que é esse tipo de cinema que pretendo fazer: filmes que tenham um lado artístico e, ao mesmo tempo, entretenham aqueles que não estão necessariamente ligados ao mundo do cinema. Os meus pais, sem o saberem, influenciaram-me dessa forma. [risos]

Que realizador deseja ser no futuro?

AS: Sinto que em Portugal existe muito desprezo pela audiência, e acredito que deveria haver uma maior diversidade na produção cinematográfica. O que pretendo fazer no futuro, incluindo com este filme, é não subestimar o público, nem assumir que eles apenas desejam "comédias básicas" – isso também é uma forma de desprezo. Por outro lado, também não adoto a mentalidade de "a audiência não vai entender isso, então nem vou me esforçar". Quero fazer um filme que eu gostaria de ver, mas ao mesmo tempo, tenho em mente o que as outras pessoas gostariam de assistir.

Lembro-me de algo que me foi dito na escola de cinema: enquanto escreves, mantém alguém da audiência, uma perspetiva externa, não para te influenciar, é claro, mas para lembrar para quem realmente estás a escrever um filme. "A Minha Casinha" é uma obra desse género, em que o público pode relacionar-se, e não um filme que olhe de cima para baixo, assumindo que eles só gostam de "coisas" simples. As pessoas também procuram complexidades, que as façam pensar, mas hoje em dia, quando ligamos as notícias, sentimos vontade de espairecer, de compaixão e de esperança. É esse tipo de cinema que desejo fazer, um cinema que traga um pouco de luz ao mundo.

Soa um pouco patético, mas é verdade. [risos]

A Beatriz encontra-se presente nas três plataformas diferentes - Cinema, Teatro e Televisão. Gostaria de saber, tanto numa perspetiva de mercado quanto artística, como se vê enquanto atriz e que objetivos pretende atingir?

BF: Considero-me sortuda desde o ínicio, fiz de "Anne Frank" na peça, que é uma figura histórica muito importante, como também a mensagem que transmite. Este filme também alinha-se a uma mensagem que toca o coração das pessoas. No entanto, muitas vezes no mercado português, sinto que as produções são feitas somente para obter audiência, e frequentemente o produto parece um pouco superficial, com uma abordagem infantil. Isso ocorre muitas vezes com as personagens de novelas.

Gostaria de criar personagens que não se enquadrem nessa abordagem superficial, que não sejam apenas orientadas para o entretenimento fácil. Quero seguir um caminho mais artístico, focando-me em transmitir uma mensagem significativa, tocar as pessoas e ser uma luz na vida delas, um pouco como o António estava a dizer. Quero trazer essa luz para os projetos em que me envolvo, em vez de criar algo apenas para atrair audiência.

Pelo que sei, a peça “O Diário de Anne Frank” manteve-se em cartaz durante meses.

BF: Sim, tivemos quatro meses no [teatro] Trindade e depois fomos para o ‘Maria Matos. Foram 135 espetáculos no total. 

No teatro, onde a repetição da performance é uma das essências, e que pessoalmente me fascina, questiono como lidou com isso na sua experiência teatral. Como conseguiu aprimorar o seu desempenho ao longo das sessões? Ou, por outro lado, essa repetição tornou-se um desafio performativo?

BF: Isso é fascinante, eu também adoro, mas isso também tem um lado bom e um lado mau. Como disse fizemos 135 espectáculos, corríamos o riscos de ficarem cada vez melhores, visto que iamos aperfeiçoando por sessão, como também poderia acontecer o oposto, porque quando fazemos a mesma ‘coisa’ durante 135 vezes podemos tornar-nos mecanizados. Por isso mesmo, tínhamos que relembrar em todos os espectáculos que haveria sempre alguém que estava a ver a peça pela primeira vez, portanto, teríamos que viver aquilo todos os dias como fosse a primeira vez. Mas o que adoro no teatro é que a peça é sempre igual todas as noites, mas todas as noites são completamente diferentes. 

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Beatriz Frazão na peça de "O Diário de Anne Frank", no Teatro Trindade

Eu sei que é um bocadinho cedo para falar nisso, visto que o António está a aproveitar este momento com a primeira longa-metragem, mas há novos projetos à vista?

AS: De momento, quero ver como o público reage ao meu trabalho, isso irá determinar como irei fazer o próximo ou acabarei na rua. [risos] Agora a sério, é muito importante ter em conta em relação, porque gostaria muito de ter mais projetos em Portugal e para isso é importante se é possível ter este tipo de filmes aqui, se não tentarei avançar em projetos mais internacionais, em Londres especificamente. Outra alternativa seriam as co-produções, que seria uma solução interessante. 

BF: A esta altura estou praticamente de férias [risos], é o Natal. Para o ano terei alguns projetos, mas ainda é cedo para falar deles.

15 Anos, Escritos de Resistência [Índice]

Hugo Gomes, 12.08.22

Quando a crítica olha para a crítica

Hugo Gomes, 19.07.22

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Damien Chazelle dirige Emma Stone em "La La Land" (2016)

Bergman dizia que o cinema lhe permitia comunicar com o mundo, literalmente de alma com alma. Quem está do lado da crítica sabe que é esse desejo que alimenta a pena. Mas pena é como quem diz… A crítica hoje tornou-se polivalente, pode ter relevância no Youtube como num direto de televisão ou de rede social. E democratizou-se, ficou de todos.

Já há muito que venho dizendo que esta ideia de partilhar o amor cinéfilo pode ser confundida como “críticos de bancada”, mas também é de bom senso não fazer disso um papão. O cinema de autor precisa de maior divulgação e é proibido proibir essa ideia de pluralidade. Sou dos que pensam que é saudável esgrimir opiniões na caixa de comentários de um post no Instagram ou no Twitter – os gostos discutem-se e a maneira do outro olhar para um filme pode ser uma porta para compreendermos melhor o nosso gosto. Tudo isto não invalida as escolas dos olhares, embora não faça do academismo militante uma bandeira. É óbvio que a crítica hoje continua a ter de saber olhar para um passado e história do cinema mas também é de novas ordens e correntes que se faz a dissecação dos olhares cinematográficos inovadores.

Quando vemos um filme há algo a decidir: como equilibrar o valor do sonho com a ordem do real. O cinema fantasiado, o cinema do real. É por aqui que os atuais códigos do cinema contemporâneo passam e torna-se natural que se cerrem fileiras. Nessa escolha de posições sou dos que voto pela incoerência, acredito piamente que cada caso é um caso. Um tipo de cinema não anula outro. O novíssimo cinema do real não tem que ferir mortalmente o cinema lúdico. Vem aí o novo Damien Chazelle, que, ao que parece, terá vénia de overdose a Fellini. Babylon não tem que ser inimigo do próximo Wang Bing ou deste assombroso “Tourment sur les Iles”, de Albert Serra… É nessa polivalência que o crítico, encartado ou não, tem de saber navegar, eventualmente ter o direito ao sentido de desorientação.

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Jonás Trueba na rodagem de "La Virgen de Agosto" (2019)

Mas, afinal, o que acontece quando a crítica olha para a crítica? Talvez apenas sirva para reavaliarmos os nosso conceitos de vigilância perante as imagens e as suas políticas. Mas igualmente códigos e éticas. Porque se o cinema pode ser um atiçar artístico do imaginário da imitação da vida real, é bom perceber se ainda é legítimo perceber como em Portugal alguma da crítica perca o tesão pelo cinema de Hong Sang Soo ou como, de repente, David Pinheiro Vicente é levado ao colo. Independentemente de tudo isso, a crítica, sobretudo em festivais, consegue “fazer” cineastas. Aliás, talvez mais do que nunca, festivais e cineastas precisam da crítica, sobretudo de uma crítica que não faça clube de fãs mas que saiba encontrar pontos de ajuda para se refletir sobre um processo autoral de uma obra. Se em Portugal há elitismo em quem tem espaço para escrever ou ser voz de recomendação, creio que não é importante. O importante é reconhecer que há um auto-da-fé de muitos que estão presos (que encantatória prisão...) no labirinto do cinema. Um auto-da-fé que eu julgo ser puro e sem rodeios.

Acusam-me de não dar muitas cinco estrelas – nada contra a quem as dá, mas estou cada vez mais órfão do cinema de que me formou. Assayas não é o novo Truffaut, Cronenberg já não é o Cronenberg dos 80 ou dos 90 e Licorice Pizza está longe da genialidade de “Magnolia”, embora continue a ter esperança que Tarantino, Steven Spielberg e Nanni Moretti vão voltar a superar-se. É uma fé minha, só minha, se calhar. E tenho Julie Ducournau, Ari Aster ou Jonás Trueba para me contradizer...

 

*Texto da autoria de Rui Pedro Tendinha, jornalista e crítico do jornal Diário de Notícias e autor do site / blog / rúbrica Cinetendinha.

Filmes de Negros também importam

Hugo Gomes, 10.05.21

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“Straight Outta Compton”, “Harriet”, “Sorry to Bother You”, “Hustle & Flow” e agora “Judas and the Black Messiah”, o que há em comum nestes filmes além de serem apelidados de "filmes de negros"?

A resposta é bem simples: não estrearam (nem hipótese tiveram) nos cinemas portugueses. E no caso do último exemplar, pelos vistos o facto de ter conseguido 6 nomeações, incluindo a de Melhor Filme, e ter conquistado duas estatuetas (a de Melhor Ator Secundário para Daniel Kaluuya) não foram o suficiente para lhe garantir espaço nas nossas salas, condenado a ser despachado para o “videoclube”, ou seja, um nicho constrangedor. O que indigna nisto tudo, é que existe um padrão e quiçá, um racismo sistémico com disfarces de capitalismo. Seja as majors mães que “comandam” estas produções, seja as nossas representantes, uma coisa é certa, há que questionar e acabar com as persistentes “tradições”, essas que nos garantem filmes de teor direct-to-video nas salas e que colocam para VOD (nem streaming é) obras que mereciam um pouco mais de respeito e risco.

Tendo conhecimento das existências de taxas de publicidade requerida para estes filmes, e o historial de más bilheteiras em território português (assim nos fazem acreditar), é também incompreensível que uma das nossas principais distribuidoras – NOS – que declarou nos “Encontros de Cinema Português” de 2020, que, mesmo em contexto pandémico (onde os hábitos de consumos dos espectadores alteraram drasticamente), iriam continuar apostar em “filmes para millennials”, e entendendo nós que são essas novas gerações (o seu suposto “publico-alvo”) que mais preocupados estão com as questões de representação e diversidade. Por isso, abram os “cordões às bolsas” e soltam os “filmes de negros” nas nossas salas.

Isto tudo para avisar, com alguma tristeza, que o filme de Shaka King [“Judas and the Black Messiah”] encontra-se disponível em VOD.

Deixo ainda como leitura o artigo de Rui Pedro Tendinha no Diário de Notícias - https://www.dn.pt/cultura/o-filmes-dos-oscares-que-portugal-nao-quis-estrear-13695773.html

Vítor Norte: "José Fonseca e Costa talvez tenha sido um dos expoentes máximos do cinema em Portugal"

Hugo Gomes, 13.12.20

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Foto.: Loulé Film Office

Até Amanhã! O Futuro é Amanhã e obrigado!” Foi com estas palavras que o já veterano ator Vítor Norte agradeceu o Prémio de Carreira que lhe foi atribuído na 1ª gala dos Prémios Cinetendinha, que decorreu no passado sábado (05/12) no Auditório do Solar da Música Nova em Loulé, e será transmitida neste domingo (13/12) na Sic Radical.

Com intuito de promover e galardoar o melhor que se produziu num ano de cinema, a 1ª edição dos Prémios Cinetendinha contou com a presença do seu anfitrião, o crítico e jornalista de cinema Rui Pedro Tendinha, assim como com a das madrinhas, as atrizes Victória Guerra e Maria Leite (ambas louletanas), e ainda personalidades como os atores Ricardo Pereira, Rúben Garcia e Ruben Alves e a realizadora Ana Rocha de Sousa (“Listen”). Mas foi com Vítor Norte, também presente, que o evento teve um dos seus momentos altos.

Contabilizando 40 anos de carreira, Vítor Norte é um dos atores mais reconhecidos pelo público português, presente constantemente em diferentes ecrãs e palcos. No cinema orgulha-se de ter sido dirigido por um vasto leque de realizadores, entre os quais José Fonseca e Costa, o qual colaborou em 4 filmes (“A Mulher do Próximo”, “Nos Cornos de Cronos”, “Cinco Dias, Cinco Noites”, “O Fascínio”). No final da cerimónia, o ator conversou sobre o significado deste Prémio de Carreira, sobre novos projetos e sobre o seu “amigo e padrinho de casamento” José Fonseca e Costa.

Visto que declarou na gala que não está velho e que a sua carreira não termina aqui, para si, o que representa este Prémio de Carreira?

Não, eu estou velho [risos]. Mas é um facto que a minha carreira ainda não terminou. Acúmulo e possuo projetos e pessoas com quem vou trabalhar para o ano e para o próximo. É um prémio de carreira, mas não deixa de ser um prémio igual a tantos outros. E fico contente por ter-me sido atribuída tal láurea, e ainda mais ter sido fruto de uma reunião de pessoas. Fico grato.

Quanto à carreira propriamente dita, eu não me considero um carreirista. Sou um ator, e sou-o há vários anos. Faço teatro, televisão, cinema, tudo o que é inerente à minha profissão, só que não me sinto um carreirista, sinto-me um sonhador, alguém que aspira por um mundo melhor, por um teatro melhor, assim como cinema, e mais Cultura. Isso sim, agora carreira?

Quanto a esses novos projetos e filmes ainda por estrear, este ano estava previsto chegar às nossas salas “Terra Nova” de Artur Ribeiro, só que a pandemia alterou os planos. Já há nova data de estreia?

Não, ainda não há data de estreia. Para além do “Terra Nova”, tenho ainda “A Casa Flutuante” de José Nascimento, com quem trabalhei em “Tarde Demais”, “Para Cá do Marão”, de José Mazeda, e o novo filme de Bruno Gascon, realizador com quem trabalhei no “Carga”, e que tem como título “Sombra”.

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Cinco Dias, Cinco Noites (José Fonseca e Costa, 1996)

Numa entrevista ao SAPO Mag, o realizador Francisco Manso, o qual trabalhou como Aristides de Sousa Mendes em “O Cônsul de Bordéus”, referiu que tem na gaveta um projeto que continua esse filme de 2012 e tem colaboração na escrita do neto de Sousa Mendes. Devido à falta de apoios e meios, essa espécie de sequela encontra-se no limbo. O que pode dizer sobre esta possibilidade e se aceitaria regressar ao papel?

Sim há, aliás eu e o Francisco Manso já falamos sobre isso mesmo há uns anos: um projeto que abordava a vida de Aristide Sousa Mendes depois do salvamento daqueles judeus dos nazis, e o seu regresso a Portugal. Mas sobre o seu avanço? Não sei. Só espero que ele consiga concretizá-lo, e isso seria ótimo, o que não quer dizer seja eu a voltar ao papel.

“O Cônsul de Bordéus” foi um êxito, visto por mais de 35 mil espectadores, o que na altura revelou para muitos portugueses uma história diversas vezes ocultada. Possivelmente essa divulgação levou à transladação de Aristide de Sousa Mendes para o Panteão Nacional. Acredita que o sucesso e a popularidade do filme tiveram como impulsionador o seu protagonismo?

O filme foi um êxito sim, só que não acredito que a minha participação tenha realmente contribuído para isso. Qualquer ator que se preze, e digo ator com "A", conseguiria interpretar Aristides melhor que eu. As coisas são notáveis. Sim, o filme de Manso contou comigo no papel principal, mas então e os outros atores? A luz? A técnica? Eu não tenho bem o culto da personalidade do cinema, a mim começaram a chamar-me Vitinho e até hoje continuam [risos] …

Um dos realizadores com quem mais trabalhou e com quem fez alguns dos filmes mais importantes da sua carreira, foi com José Fonseca e Costa…

O meu amigo e padrinho de casamento José Fonseca e Costa talvez tenha sido um dos expoentes máximos do cinema em Portugal. E tinha uma cultura extraordinária, era possuidor de um conhecimento… Nós passávamos os jantares a ouvi-lo, e não custava nada, mas no plateau era um homem duro, melhor, um realizador duro que não abdicava nada.

Hoje em dia José Fonseca e Costa é recordado como um autor do nosso cinema, mas em tempos era dizimado pela crítica e desprezado como um “realizador comercial”. O próprio queixava-se dessa constante denominação...

Mas a crítica, bem, a crítica neste país é toda ela composta de ilhas, movimentos, de conhecidos e de amigos. Portanto, as críticas não são bem aquilo que deveriam ser, que era apontar os “bons” ou “maus” de um trabalho artístico, e são usadas para se fazerem ataques pessoais. Talvez seja isso que tenha acontecido ao José Fonseca e Costa, que era sobretudo um homem vertical.

2020: uma odisseia na crítica de cinema

Hugo Gomes, 28.03.20

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 Les Sièges de l'Alcazar (Luc Moullet, 1989)

Uma “nova normalidade” que poderá ditar uma futura revalorização do cinema como experiência de sala, mas por enquanto é o trabalho do crítico de cinema a derradeira prova de fogo para estes dias negros. Há uns dias a comunidade da crítica de cinema sofria com um abalo sísmico: o fim anunciado da Cahiers du Cinèma, a revista francesa encarada, mesmo nos dias de hoje, como a sagrada instituição deste ramo profissional. Atualmente, a profissão, à semelhança de praticamente todas as outras, sofre com a vinda de uma nova realidade, a de uma declarada pandemia do Covid-19, que desencadeou uma série de alterações sociais, económicas, culturais, etc.

A quarentena forçada levou ao cancelamento de diversos eventos cinematográficos, pois nenhum é imune à ameaça patológica. A própria ida à sala do cinema tornou-se restrita, para não dizer nula,  e nem mencionamos o trauma que virá a seguir e que a China – país onde já reabriram centenas de salas – está já a revelar. Na verdade, o cinema isolou-se agora em múltiplas plataformas de streaming, no VOD, Home Video ou simplesmente na incerteza. O trabalho do crítico de cinema tem novos desafios e a questão que se coloca é: como sobreviver perante estes novos (e forçados) hábitos de ver e escrever sobre cinema sem diluir-se na esfera da opinião pública, onde se competirá com milhares de vozes que habitam as redes sociais e outras plataformas de partilha? Será que a profissão vai-se desintegrar perante a crise financeira anunciada e suscitada como efeito secundário desta epidemia?

EUA, Reino Unido e França, três países onde a crítica de cinema ainda goza do estatuto presencial na cultura popular e intelectual, debatem-se nas “sombras” pela futura existência deste modo de pensar em cinema, e como se enquadrará no mundo pós-2020. Em Portugal, mesmo que o mercado e público seja menor que nos países referidos, a preocupação não é menor, até porque os críticos de cinema profissionais são “espécies em vias de extinção”, que tentam ainda encontrar novos meios de comunicação para com os seus seguidores. Alguns deles usufruem mesmo da imagem de “guru”, figuras de culto de uma cinefilia em perpétua mudança. Como encaram os nossos profissionais neste novo cenário? Como irá evoluir a crítica de cinema, ou como muitos vão subsistir perante este hiato? Será esta a derradeira ameaça para a definição tradicional de crítica de cinema?

Nem todas as perspetivas são catastróficas, como aponta Vasco Câmara, um dos três críticos em atividade no jornal Público e editor do suplemento Ípsilon. O mesmo partilhou uma feliz experiência desse “enclausuramento“, dando o exemplo do número saído na passada sexta-feira (20/03), “todo ele feito em isolamento” e que mesmo assim resultou, segundo as suas palavras, “nas melhores coisas” que o jornal já fez. Para Câmara, estamos a viver “uma nova normalidade”, conceito que é partilhado por outros colegas.

Jorge Leitão Ramos, um dos críticos do semanário Expresso, desmonta a preocupação alarmista que muitos vêem nesta realidade ainda por digerir: “até agora, a grande diferença profissional é não escrever sobre filmes em sala, mas sobre ‘coisas’ na Internet.“. Já João Lopes, crítico veterano do Diário de Notícias, para além de colaborar na rubrica Cartaz Cultural da SIC Notícias, sublinha que “não há volta a dar: todas as atividades humanas, das mais essenciais (a defesa da saúde pública) às de reflexão e pensamento (em que, melhor ou pior, se inclui a crítica de cinema), estão a ser desafiadas nos seus pressupostos e fronteiras.“. O mesmo salienta, sem uma visão completamente catastrófica sobre o seu ramo profissional, que “não deixámos de ser espectadores e a dimensão drástica daquilo que estamos a viver tem, para muitos de nós, o efeito paradoxal de reforçar a nossa atividade enquanto espectadores. Nesta perspetiva, o labor específico do crítico de cinema não muda: ‘Lawrence of the Arabia’ não foi feito para ser visto na estreiteza do nosso ecrã de computador (muito menos de telemóvel), mas resiste a todas as dimensões de ecrã e contextos de visão…

Já para Inês Lourenço, também ela colaboradora do Diário de Notícias, para além de ser a voz do programa de rádio A Grande Ilusão, é difícil neste momento perspetivar, a longo prazo, o efeito desta situação no seu trabalho como crítica e jornalista. “Naturalmente, a cessação abrupta das estreias em sala é algo que, desde logo, se impõe como uma mudança no quotidiano e provoca uma sensação de estranheza e apreensão. Mas depois há as alternativas do streaming e da televisão (entre outras), que ganham terreno nisto que se espera ser uma considerável fatia de tempo até que tudo volta à “normalidade“. Talvez com o correr desse tempo a angústia aumente, mas por agora tenho algum otimismo de que quando se puder regressar às salas de cinema haverá uma revalorização da experiência – um bocado aquela ideia de que é quando estamos privados de algo que aprendemos a dar valor. Nestes dias, o mais importante é tentar ser criativo para contornar a limitação dos “conteúdos” habituais.

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Lawrence of Arabia (David Lean, 1962)

Essa revalorização não é somente uma ideia de Inês, pois o seu colega João Lopes referiu também esse regresso da sala de cinema como um marco de superação da era de confinamento e sequencialmente a sua ribalta: “O “lugar” de consumo dos filmes envolve uma questão adensada ao longo dos últimos anos: creio que é fundamental continuar a defender a especificidade do cinema como um acontecimento da sala escura, para a sala escura — um acontecimento social, enfim. Ao mesmo tempo, seria um ‘lirismo’ sem fundamento negar, ou renegar, o modo como as alternativas do streaming criaram uma nova paisagem de consumo, não só recheada de oportunidades como também, convém não esquecê-lo, quase sempre menos dispendiosa do que a visão dos filmes em sala. A situação de pandemia agravou esta clivagem, transformando-nos a todos em espectadores online, ao mesmo tempo que, mesmo por perversa ironia, nos faz (re)valorizar a experiência insubstituível da sala. Já com saudade.

Para Rui Tendinha, também crítico do Diário de Notícias, para além dos seus trabalhos na televisão sob o formato Cinetendinha, esta “nova normalidade” defendida por alguns dos seus colegas são “dias de apocalipse“. O crítico expressou as suas preocupações, confessando que estes tempos poderão prejudicar o seu trabalho, mesmo que “felizmente”, ainda haja cinema online. “Mas não é o mesmo”, remata, acrescentando: “Sou crítico de cinema e não de Home Cinema. Acredito muito no cinema em grande ecrã. Também estou a ser prejudicado como programador – 3 dos festivais que trabalho foram adiados… Perdi também entrevistas que tinha marcado no estrangeiro e uma série de outras possibilidades. O melhor de tudo isto é que estamos todos a levar um curso crash para sabermos viver com menos. O streaming vai crescer e poderá deixar marcas de hábito. Quem descobre um ‘Uncut Gems’ na Netflix talvez comece a querer perder o hábito de pagar um bilhete de cinema. Preocupa-me muito a situação dos cinemas mais independentes. A pirataria vai voltar a ter dias mais felizes e isso dos festivais online também vai proliferar. Se me perguntam se isso é melhor do que não haver, sou o primeiro a dizer que não, mas temo os efeitos futuros. A ressaca de tudo isto vai fazer com que haja depois um período longo em que muitos não vão querer estar numa sala escura cheia a ver cinema. Será psicossomático. O cinema vai mudar, a vida de um crítico de cinema também.“ Não foi apenas Rui Tendinha a expressar uma visão negativa em todo este cenário: um crítico que preferiu não ser identificado, mencionou que como “não há estreias, as páginas de cultura diminuíram ainda mais”. “Não publico, logo não ganho“, concluiu.

Terminando esta ronda pela crítica profissional, João Lopes terminou a nossa conversa com ambiguidade, mas sobretudo crença na conservação do papel do crítico no futuro pós-coronavírus: “o crítico de cinema, seja qual for o seu talento, não é um profeta, muito menos um adivinho. Quando se pergunta a um crítico ‘…quem vai ganhar os Oscars’, convém começar por responder o mais rudimentar: ‘Não sei.’ Ou seja: ninguém consegue antecipar o que está para vir, desde a economia global até ao universo tão particular do cinema. Digamos apenas o óbvio: nada será como dantes. O que quer dizer que o labor específico do crítico — e, em particular, do crítico ligado às formas clássicas de imprensa — vai enfrentar dúvidas e temas para os quais, em boa verdade, não estava preparado. De um modo ou de outro, será preciso continuar a defender/pensar o cinema, não como um mero “gadget” de usar e deitar fora, antes como uma forma de expressão artística & industrial com mais de um século de história (com coronavírus ou sem coronavírus, comemorar-se-ão este ano 125 anos da primeira projeção pública de filmes). As incertezas desse futuro obrigam-nos a sermos suficientemente ágeis e inteligentes na preservação da memória cinéfila.

E os Óscares?

Hugo Gomes, 25.02.19

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A convite do Cinetendinha e do caro amigo crítico e jornalista de cinema Rui Tendinha, estive presente (indiretamente) na noite de entrega das estatuetas douradas para mandar uns quantos bitaites sob o gosto dos comes e bebes e do cansaço sempre habitual desta espera pelo hipoteticamente Melhor do Ano. E sempre bem acompanhado por Paulo Portugal (da Insider) a mostrar novamente aqui o seu encanto. Muito grato pelo convite e pela oportunidade.

PS: a nossa intervenção surge a partir das 4:50:00

Enquanto isso, e após a “surpresa” do Green Book, expressei numa crónica corrida no C7nema. “Poderia ter sido o ano da mudança nos Oscars, mas não o foi. Preferiram ficar à sombra da bananeira.” Ler crónica completa aqui.