Uma sandes de alface
Era inevitável que o sucesso televisivo de "Pôr do Sol" iria, porventura, chegar ao "formato-cinema" como imposição, uma marca da sua conquista, sendo que a sua glutonice funcionaria como o seu maior adversário. Até porque é através dessa transferência para a tela que o objeto deixa de ser o objeto pretendido, a tal sátira - a novela como alvo e a novela como farsa embutida - tudo despachado, esquizofrenicamente enfiado num "corpo que não é o seu". Este transformismo leva-o a despedir-se da sua interação com o objeto-alvo, a paródia com ares de Abrahams-Zucker, que se foi construindo através da exaustão e bloqueio criativo da produção telenovelesca portuguesa em voga, cede ao oportunismo mercantil e com isso à "chama das suas glórias".
Como cinema, "Pôr do Sol: O Mistério do Colar de São Cajó" é nulo, tal como muitas outras tentativas de "colar a cuspo" a televisão no grande ecrã, prevalecendo-se enquanto apêndice do fenômeno televisivo, e beneficiando-se da autovitimização do dito mito "cinema comercial português". Já no seu formato original, "Pôr do Sol" saiu-se como um hilariante impostor, assumindo as idiossincrasias e maneirismos formais das ficções que "gozava", reforçando o seu lado trocista e sintático (como sintomático) do alvo, assumidamente tido pelos criadores do projeto, como afirmaria Rui Melo, o ponta-de-lança disto tudo, numa passagem na Comic Con de 2021: "tirando os cavalos a andar para trás, tudo o que acontece no 'Pôr do Sol' acontece em novelas".
Foi com gestos camuflados como estes que Leslie Nielsen se tornou de ator dramático a astro da comédia popular... e de forma bem-sucedida... ao contrário desta migração do jingle do Toy, um passo falso (esperemos que seja remediável!), de um universo estabelecido apenas encontrado nesta conduta como prolongado fan service.