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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Curtas, curtinhas, a origem: 1ª edição dos Prémios Curtas

Hugo Gomes, 13.03.23

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Os premiados e os jurados / Fotografia.: Ricardo Fangueiro

Foi através de uma curta que Portugal desbravou caminho em direção à Kodak Theater, a nomeação à tão cobiçada estatueta norte-americana automaticamente entrou para a História audiovisual do nosso país, e então porquê de estarmos constantemente a reduzi-los a "protótipos" de futuras longas-metragens?

André Marques teve um sonho, criar uma cerimónia de festividades, premiações e de comunhão a esse universo bem português, a resistência do Cinema na sua mais natural essência, a simples e de rápida dicção, a curta. Para isso juntou oito magníficos* e fundou um júri, aliciou e arrecadou apoios, e “convidou” a todos os participantes a inscrever o seu trabalho. A sua vontade fez com que o seu desejo se materializasse. No passado dia 10 de março, sexta-feira nervosa devido à nomeação de “Ice Merchants”, cujos Óscares seriam revelados no domingo seguinte (“será desta?” pensavam todos os que presentes), o Auditório Fernando Pessa em Lisboa encheu-se (deve-se sublinhar), para receber a primeira edição, modesta, ainda com o seu quê de improviso, muitas vezes ocultado graças ao malabarismo e carisma de Rui Alves de Sousa, radialista da Antena 1, que assumia o papel de anfitrião. Intercalado pela dita premiação e pela projeção de três curtas referentes aos três géneros-base (ficção, documentário e animação), a cerimónia ficou marcada pelas promessas do seu fundador, ambicionando seguintes edições em maior escala e a ambição de um “microfestival” em celebração daquilo que a curta-metragem tão bem representa - o Cinema, aqui e agora.   

Quanto à premiação, a noite consagrou “Azul” de Ágata de Pinho com cinco prémios, no qual incluem as categorias de Curta de Ficção, Realização, Argumento, Atriz (também Pinho) e Fotografia (assinado por Leonor Teles). “O Homem do Lixo” de Laura Gonçalves arrecada três distinções (Curta de Animação, Curta Documental, Banda-Sonora), igualando com “Punkada” de Gonçalo Barata Ferreira (Montagem, Caracterização, Guarda-Roupa). Os outros prémios; Vítor Norte recebe o de Melhor Ator (“O Caso Coutinho” de Luís Alves), Nuno Nolasco como Ator Secundário (“Tornar-se um Homem na Idade Média” de Pedro Neves Marques), Rita Tristão na categoria de Atriz Secundária (“As Feras” de Paulo André Ferreira), Rodrigo Manaia em Interpretação Infantil (“By Flavio” de Pedro Cabeleira), e ainda a animação “Garrano” de David Doutel e Vasco Sá no campo dos Som / Efeitos Sonoros juntamente com a ‘dobradinha’ de “2020: Odisseia no 3.º Esquerdo” de Ricardo Leite (Direção Artística, Efeitos Visuais).

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Rui Alves Sousa e eu / Foto.: Ricardo Fangueiro

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Vítor Norte brama ao Cinema após vencer o Prémio de Ator / Foto.: Ricardo Fangueiro

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André Marques, fundador do evento, discursa / Foto.: Ricardo Fangueiro

*Bruno Gascon (realizador de “Carga” e “Sombra”), Mia Tomé (atriz e radialista), Edgar Morais (ator), Inês Moreira Santos (crítica e blogger do Hoje Vi(Vi) um Filme), Teresa Vieira (curadora, crítica e radialista da Antena 3), Rafael Félix (crítico e fundador do Fio Condutor) e André Pereira (videografo e editor de vídeo da Renascença).

Prémios Curtas - 1ª Edição

Hugo Gomes, 07.03.23

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Na próxima sexta-feira (10 de março) irá decorrer a 1ª Cerimónia de entrega dos Prémios Curtas, Auditório Fernando Pessa (Lisboa), apresentado por Rui Alves de Sousa (jornalista e radialista da Antena 1) e com exibição de três curtas-metragens (“Glória de Fazer Cinema em Portugal” de Manuel Mozos, “Arena” de João Salaviza e a animação “Nestor” de João Gonzalez [o mesmo de “Ice Merchants”, nomeado ao Óscar]). Integrei o júri em conjunto com Bruno Gascon (realizador de “Carga” e “Sombra”), Mia Tomé (atriz e radialista), Edgar Morais (ator), Inês Moreira Santos (crítica e blogger), Teresa Vieira (curadora, crítica e radialista da Antena 3), Rafael Félix (crítico) e André Pereira (videografo e editor de vídeo). 

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Os nomeados poderão ser conferidos aqui.

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O Prazer da Ignorância

Hugo Gomes, 12.07.22

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The Great Dictator (Charles Chaplin, 1940)

Já tentei começar este texto de várias maneiras, mas não há como evitar a mesma ideia, pouco cinéfila, que me está na cabeça: não é a cena de um filme, uma história engraçada de bastidores ou uma citação imponente de um dos grandes cineastas. É, antes, um sketch do Gato Fedorento em que nos deparamos com um curso de literatura para porteiras. Depois de uma pequena introdução do professor a “Madame Bovary”, uma das alunas decide intervir:

“’Tá bem ‘tá, filho. Olha, eu é que não tenho pena nenhuma dela, ‘tás a perceber? Porque a Madame Bovary se quer ser respeitada primeiro tem que se dar ao respeito, ouvistes? (…) É ela e a outra que vamos dar pr’a semana, essa Maria Eduarda da Maia. É da Damaia… da Damaia sou eu e não sou tão badalhoca!”

Esta menção pode parecer descabida: mas por que raio é que alguém se lembraria disto para começar um texto sobre os 15 anos do blog do Hugo Gomes, que me pediu uma reflexão toda supimpa e, se possível, revolucionária, sobre a cinefilia?

Por duas razões: a primeira é porque fica muito giro. Quebra expectativas, tira-me um certo peso dos ombros, quebra o gelo entre mim e vós, leitores. A segunda, mas não menos importante, é que eu me identifico um pouco com esta personagem no que à cinefilia diz respeito. Na verdade, eu sou mesmo aquela porteira ficcional, menos o lenço na cabeça e a verruga no rosto.

Recuemos agora a 2007. Quando o blog Cinematograficamente Falando surgiu, eu estava a dar os meus primeiros passos pelo cinema adentro. Foi por essa altura, no quinto e no sexto ano, que comecei a ver os filmes de outra forma. Não estou a querer dizer que era precoce, a papar sete Bergmans por semana enquanto lia a obra completa de Dostoievski e compunha sinfonias para a orquestra da Gulbenkian. Muito pelo contrário: tal como a maioria dos miúdos da minha geração, passei demasiado tempo a ver desenhos animados - quanto aos videojogos cresci somente com um daqueles primeiros Game Boys a preto e branco (ou a preto e verde?), herdado da irmã mais velha, com o qual joguei tanta vez ao Tetris e ao Super Mario.

Mas foi por volta desse ano que me iniciei, aos poucos, a olhar os filmes com outros olhos. É em 2007 que vejo, pela primeira vez, as “20 000 Léguas Submarinas”, a versão que Richard Fleischer realizou para a Disney do livro de Júlio Verne, com um elenco fabuloso encabeçado por Kirk Douglas, Peter Lorre e James Mason. É nesse mesmo ano que vejo, e revejo, e re-revejo, “O Grande Ditador” de Chaplin, oferecido no Natal anterior em DVD, cuja magnífica selecção de conteúdos extra devorei até à exaustão.

Foi por essa altura que não me tornei um cinéfilo nem uma sumidade na matéria (que ainda hoje não sou, e que nunca serei), mas que comecei a querer ver os filmes para lá dos filmes, a querer analisar porque é que esta cena era feita com aqueles planos, o que era a montagem, etc etc etc. Não fossem esses dois encontros imediatos e hoje não teria a casa cheia de DVDs, discos de bandas sonoras e livros sobre cinema.

Aos poucos, e da forma mais irregular possível, fui aprendendo, vendo mais, lendo muito, escavando, qual arqueólogo pouco realista, em busca de uma arca perdida metafórica que mais não era o conhecimento, para ter mais informação sobre realizadores, actores, argumentistas, diretores de fotografia, montadores…

E uma das melhores fontes dessa incessante e infinita pesquisa, além das bibliotecas e da crítica especializada, estava nos fóruns e na blogosfera, que trouxeram outras maneiras de compreender os filmes, outras vozes dissonantes, um coro de escritores que também me serviram (e ainda servem) de guias por esses caminhos sinuosos e cheios de armadilhas que são os do simples acto de escolher um filme para ver depois do jantar. Também me aventurei pela escrita, ou algo parecido a isso, durante uma porção de tempo em blogs e sites, mas felizmente já me deixei dessas coisas, não sou drogado* o suficiente para acrescentar alguma coisa realmente importante nesse campo.

(* sempre ouvi dizer que é melhor gastar dinheiro em filmes, livros e discos do que na droga, mas há cinéfilos que são autênticos “junkies”. É preciso ter cuidado com eles: uma pessoa aproxima-se e depois já só quer passar todos os seus dias na Cinemateca.)

Voltamos agora ao presente (cuidado com os prováveis enjoos causados por tão repentinas viagens no tempo!). Continuo a aprender todos os dias e a testemunhar a minha crescente ignorância perante tanta coisa do cinema. Quando descubro um filme maravilhoso que ninguém conhece, partilho a informação com os meus comparsas e logo me recomendam sete ou oito títulos que eu próprio desconhecia.

Continuei, e continuo, sempre a aprender, nunca deixando de me sentir um valente ignorante perante todos os sabedores da matéria que fui conhecendo ao longo dos anos.

Mas eu gosto de ser ignorante. Ao contrário daquele núcleo de pessoas que acredita que não fomos à Lua e que a Terra é plana, esta é uma ignorância saudável que nos faz querer sair da nossa zona de conforto e, graças a uma curiosidade inesgotável, descobrir sempre mais. E nesta parte é sempre importante termos pessoas que nos fazem evoluir. Gosto de me poder rodear de gente que sabe mais do que eu e com quem posso trocar ideias. Se algum dia parar de aprender, a vida perde um pouco do seu significado.

Creio, por tudo isto, que se a minha cinefilia pudesse ganhar carne e ossos e falar, seria como aquela porteira dos Gato Fedorento. Rude, a falar de coisas sérias e canónicas com uma grande, mas acidental, falta de respeito.

Sinto-me sempre pequenino ao redor de outros cinéfilos, e o convite para participar nesta celebração de 15 anos de Cinematograficamente Falando deixou-me perplexo (o que é que uma aventesma como eu tem a acrescentar perante o painel de restantes convidados?). Daí que não consigo fazer “aquele texto que vai ficar para a História” sobre a cinefilia. A única coisa que posso acrescentar é que ela é um processo em construção, hoje com mais possibilidades do que nunca por termos todos os filmes do mundo à distância de um clique, de um torrent ou de um disco.

E que bom que é ser eu um ignorante em contínua desconstrução.

 

* Texto da autoria de Rui Alves de Sousa, grumete da Antena 1, autor do programa sobre BD “Pranchas e Balões” e do futuro programa sobre bandas sonoras “De Olhos Bem Fechados”.