Jared Leto em "Suicide Squad" (David Ayer, 2016)
Atenção: a crónica que segue não deve ser vista como uma defesa ou ataque ao filme “Suicide Squad”.
Mais uma vez, a imprensa norte-americana não ficou impressionada com outro arranque da DC Comics no seu expansivo universo cinematográfico. Um pouco por todo lado fala-se e reflecte-se sobre uma eventual "campanha negra" que parece condenar Suicide Squad e os seus congéneres.
Nessas provas confirmamos desde os incontáveis artigos que prevêem um fim de um franchise (dias antes da estreia do filme em salas) até às críticas de teor difamatório que dão a entender que o filme de David Ayer é um dos piores (se não o pior) do seu género. Por outro lado, a histeria em massa deu resultado a uma petição para acabar com a Rotten Tomatoes, o site agregador de críticas, tendo em conta a negatividade que o Esquadrão e o anterior “Batman V Superman” obtiveram no meio crítico. Dentro dessa mesma "paranóia", assim por dizer, deparamos com uma teoria da conspiração de que a Marvel Studios em coligação com a Disney tem pago e manipulado a própria crítica de forma a causar um apelativo hype pós-estreia. Antes de avançarmos com teorias, histerias e julgamentos quanto ao filme, devo salientar um verdadeiro problema em todo este cenário, chama-se críticos, ou neste caso a falta deles.
Primeiro, o que é um crítico de cinema? Um crítico é uma pessoa especializada para analisar, idealizar, debater e teorizar sobre cinema. Uma definição justa que o leitor deve aperceber, mas o que significa realmente tudo isso? A arte da crítica, antes de mais, não serve simplesmente para dizer se o filme em causa é bom, ou não é bom, o crítico deve se estabelecer como um guia, não no sentido de aconselhar o espectador o filme que deve ou não ver, mas o de apresentar as ferramentas necessárias para um eventual debate com o filme. Trata-se da ligação do espectador com o filme, o lançamento de questões, provocações e o incentivo da cinefilia envolta. Não é apenas um jogo de estrelas, sabendo que as estrelas, por sua vez, são atrativas, adereços quase inseparáveis do senso comum da crítica.
Aliás, o crítico não deve somente focar no cinema, mas também explorar as outras vertentes que o filme possa indiciar, entre os quais ciências políticas, sociais, psicológicas e emocionais. Existe também uma exploração das outras artes: literatura; pintura; artes plásticas; televisão e até música, sendo possível criar ou recriar ligações entre as mesmas, paralelismos ou simplesmente implementar uma visão "avant-garde" desses meios artísticos.
O crítico não deve ter medo de ousar, de exprimir uma ideia tendo em conta que o mundo aponta para outra. Deve-se sobretudo ser imparcial, directo, intelectual e sempre disposto a entender perspectivas para trabalhar a sua própria ideologia. Reavaliar trabalhos e sempre conduzir um olhar por entre os tempos, assim como possuir um paladar diversificado do gosto cinematográfico. Isto é a definição clara e simplista de um crítico profissional, alguém que respira cinema e que faz desse ar uma linguagem audível e perceptível.
Roger Ebert
Agora o que um crítico nunca pode fazer é acorrentar-se a um sistema de avaliação consoante o seu mero júbilo, o seu prazer sem razão crítica. Infelizmente, é isso que temos evidenciado nessa "mão cheia de profissionais", muitos daqueles que criticaram “Suicide Squad” usaram o argumento de "not fun" sem qualquer fundamento para ir mais além… Como se isso resumisse a uma crítica e como se o entretenimento fosse a razão crucial para existir o cinema.
Os EUA têm essa tendência, uma escola que fora valorizada com a fama crescente de Roger Ebert, um crítico que se seguia sobretudo pelos seus padrões morais e pelo polegar, e cujo seu modo de operação conquistou verdadeiramente as massas. Há sim, com isto, um medo de serem complexos, o de pensarem sobre as imagens, um receio sobretudo de analisar, e nessa fobia, a de afastar da perceção e emotividade com o público. Como funciona este formato de crítica norte-americana? Uma preocupação extrema com os gostos do próprio público. Ebert, por exemplo, tinha sempre notas de quais os filmes que as crianças ou mais novos DEVEM ou não ver. Ou seja, um filme apto para um grande número de audiências era por si, à partida, um grande filme para inúmeros críticos norte-americanos que enchiam manchetes de colunas de jornais com expressões como "a fun ride" ou "two thumbs up".
Raramente saem da camada, dificilmente aprofundam a questão e, claro, evitam os case studies. É apenas a opinião do momento, que não terá grandes efeitos para o posteriori, que não edificam os filmes, nem os descrevem sobre filosofia cinematográfica. Existe uma maior preocupação em criar chamariz do que propriamente trabalhar em teses, o de enfrentar principalmente a "chuva de opiniões" que a internet suscitou. Claro que poderei estar a generalizar! Dentro desse seio "surpreendentemente" valorizado, há exemplos que se destacam, mas quando se referem a blockbusters e neste caso, super-heróis, existe um evidente clubismo e oportunismo de marketing, visto que em terra de Hollywood, são as majors que comandam. Depois existe a noção de que a crítica move mercados, e gera sucessos de bilheteira (uma ideia errada que tem condicionado a própria opinião crítica).
Quanto à conspiração, a Marvel tem sido "vergonhosamente" beneficiada pela crítica, mas não por "pagamentos ilícitos" nem nada disso e sim pela incompetência, pela falta do olhar crítico e sobretudo pela natureza destes "profissionais" o qual são enviados aos visionamentos de imprensa. A verdade, é que os critérios utilizados nos filmes da DC não tem sido os mesmos para os da sua concorrente, a prova disso é o de ignorar o formulaico sistema de industrialização (fórmulas podem fazer um filme, mas nunca Cinema), o argumento fraco e ilógico de “Civil War” (por exemplo), assim como as suas perversas ideologias políticas. Infelizmente, isso foi deixado de parte por essa suposta "comunidade pensante". No fundo, muitos deles [críticos] não passam de wannabes que estão num cargo equivocadamente, limitados a uma visão cada vez mais refém da própria industrialização e da massificação da internet.
Agora, a importância dada pelo mesmo público a este tipo de críticas tem sido, também ele, um absoluto exagero. A crítica não deve ser vista como uma voz imperativa, mas sim como um incentivo a um debate. Se um crítico mencionar “Suicide Squad” como o pior filme de sempre, há que aprofundar os seus argumentos, entendê-los e seguir a sua perspectiva para perceber a nossa. Por vezes ao entrarmos na "pele" de um outro advogado podemos aperfeiçoar o nosso ponto-de-vista. Se um crítico aclama que “Suicide Squad” é o melhor filme do Mundo, os mesmos processos acima referidos devem ser feitos.
O Cinema é moldável, e como tal a nossa perspectiva, o nosso argumento, e a nossa visão cinematográfica. Aliás, até mesmo os Cahiers du Cinéma tiveram que se desculpar por não terem apercebido a tempo do génio de John Ford. Por outras palavras, nem os críticos são perfeitos.