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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

No Pain, No Gain, No Genre

Hugo Gomes, 17.03.24

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Um animal estranho... e é dessa estranheza que um “Love Lies Bleeding” permanece vivo [“alive and kicking”], sem com isso ser-se reduzido a um mero “OFNI” - «objeto fílmico não identificável». Ao cedermos a tais etiquetas estamos a defender um território quebradiço que é o enquadramento de géneros. Com certeza, que hoje em dia, o tema transita para bandejas sociais e identitárias, o qual por vezes esquecemo-nos da categorização de géneros imposta pela indústria cinematográfica, ansiosa por capitalizar formatos e fórmulas. A realizadora Rose Glass (“Saint Maud”) lida com tais limitações, tornando as suas barreiras líquidas neste romance atípico entre a filha do “homem mais temido da região” (Kristen Stewart) e uma errante fisiculturista (Katy O’Brian) que por acidente atravessou o seu caminho.

Entre o teor romântico que passa pelo crime ambientada em sociologias de “América Profunda”, os dramas de dilema até à ação, e piscando os olhos, e em constância, ao body horror traçado algures entre David Cronenberg e Julia Ducournau, cujos corpos, as suas mutações e empenhos, a vontade de ser algo mais do que carne e osso, desejos impuros que ambicionam devaneios e “pedradas” à realidade. É certo que esta gincana de géneros cinematográficos, um “shaker” proteico com acréscimos de sangue e suor, físicos contrastados e sujo sexo, poderão levar, e aí a “estranheza” como mal predefinido, aos espectadores mais centrados na organização fílmica a repudiar a sua cadência obstinada. Porém, a transcendência desses géneros leva-nos a outros géneros, onde o tal espectador desanimado poderá “bufar” com mais afinco perante a identidade fluída e a sexualidade pregada neste conto ao peso da bala e de esteroides.

É um amor lésbico, signatário de uma tendência queer que renega a própria e dita estética, é trans na forma como coloca esses temas num corpo de cinema másculo, por vezes toxicamente masculino com aproximações a um universo Nicolas Winding Refn, obviamente sem a sua personalizada coloração neon embriagada. Nessa transmutação, permanecendo-se numa “estética de ódio” em substituição à badalada prótese queer, as porosidades desencantadas, a música em diegese temporal, conduzindo a um filme tipicamente 80's em spines introspectivos. Por outras palavras, é indigesto e seguidamente vintage, mas curiosamente estranho para causar nele um certo fascínio pelo bizarro, pelo transumano e pela subversão das expectativas enquanto o género, seja ele qual for, condiciona.

E o final é essa provocação, ao previsível, ao coerente, à razão de uma fluidez narrativa. Tudo é abate, desde géneros cinematográficos até a estéticas estabelecidas.