Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

8º Porto Femme : Seis dias para confirmar que o Cinema e as Mulheres não são antípodas.

Hugo Gomes, 06.04.25

Photo-5-SNHRTS_Still_05_Cred._Cris_Lyra.jpg

Ladies (Mykaela Plotkin, 2024)

Falemos de mulheres, com “M” grande, se faz favor — não apenas como um elemento no nosso discurso, mas celebrando-as como parte intrínseca do Cinema. Aliás, faremos dois festejos num só gesto: Mulheres e Cinema. O Porto Femme International Festival prova essa capacidade, mantendo um perpétuo memorando de que não existe Cinema sem Mulheres, nem Mulheres sem Cinema, e como tudo o que o Cinema dispõe na nossa “mesa”, as mulheres fazem parte da sua natureza. Mas convém fazer o disclaimer: não se trata apenas de mulheres - trata-se de Cinema de, com e na maestria das Mulheres - filmes, workshops, homenagens, ciclos e outras atividades encherão o Porto com toda a sua feminilidade, feminismo, performance, experimentalidade, perspectivas e olhares — vários e multiplicados.

Este ano, na sua 8.ª edição, o Porto Femme (de 7 a 13 de Abril) providenciará vénias, e muitas, a Rita Azevedo Gomes, ou uma narrativa fora dos cânones com o ciclo “A História do Mundo Segundo uma Lésbica”. Da Batalha Centro de Cinema aos Maus Hábitos, Passos Manuel à Casa Comum, da Universidade Lusófona com trajeto às MIRA Galerias, todos espaços de braços abertos a uma programação rica e envolvente com animação, documentário, ficção, experimentação, classicismo a até ao disruptivo.

Rita Capucho, produtora, curadora e diretora artística do festival, aceita mais uma vez o convite do Cinematograficamente Falando… para desvendar mais uma edição com Mulheres no centro, de fora e de dentro, e o Cinema como a matéria que as une.

Como é que o Porto Femme International Film Festival tem contribuído para dar visibilidade ao trabalho feminino no cinema desde a sua criação em 2018 e que novos desafios trará esta nova edição?

O Porto Femme nasce com a missão de dar visibilidade ao cinema feito por mulheres. Um festival de cinema é sempre um espaço de reconhecimento, mas um festival de género, como o Porto Femme, tem o propósito específico de destacar filmes realizados por mulheres e pessoas não binárias, assim como obras de realizadores de qualquer género que abordem temáticas relevantes ou contem com equipas com representação feminina.

A exibição dos filmes permite dar a conhecer as visões artísticas das cineastas e aproximá-las do público. A seleção e premiação em festivais conferem visibilidade e reconhecimento à qualidade artística dos trabalhos apresentados. Para além das exibições, o festival promove conversas e mostras que criam espaços de diálogo e reflexão. A cada edição, procuramos melhorar a proposta do festival, questionando sempre como podemos torná-lo mais inclusivo e representativo da diversidade. A curadoria é feita com o objetivo de exibir uma ampla variedade de narrativas e linguagens cinematográficas. Esta nova edição reflete sobre como podemos continuar a ser esse espaço de visibilidade e de que forma podemos aprimorar essa missão.

Um dos grandes destaques deste ano é a homenagem à cineasta Rita Azevedo Gomes. Que elementos distintivos marcam a sua filmografia e como é que o festival pretende celebrá-los?

Rita Azevedo Gomes é uma artista que merece todas as homenagens. Ao longo da sua carreira, explorou diversas áreas artísticas, do cinema ao teatro, passando pela ópera e pelas artes gráficas. A sua filmografia é única no panorama do cinema português, marcada por uma singularidade que nos prende e fascina. Os seus filmes dialogam com outras artes, criando um universo cinematográfico profundamente visual e sensorial.

Como refere Rita Benis no seu texto de homenagem, os filmes de Rita Azevedo Gomes distinguem-se pelo "assombro convulsivo da beleza e dos amantes". São mais de 16 obras que deixaram uma marca no cinema português. A nossa homenagem será simples, mas sentida. Exibiremos “Altar (2003), seguido de uma conversa com a cineasta, moderada por Rita Benis. Será um momento de celebração da sua obra, trazendo a beleza do seu cinema para a tela do Porto Femme.

1603175-b8344d9cda8136973434f7cf51d51b8a-r.jpeg

Sobre "Altar", o filme escolhido para ser exibido no contexto de homenagem à Rita Azevedo Gomes, com que critérios foi seleccionado a obra para representar a realizadora?

A escolha de “Altar” baseou-se na vontade de exibir um filme menos conhecido da Rita Azevedo Gomes, proporcionando ao público a oportunidade de descobrir uma obra que reflete profundamente a sua liberdade artística. “Altar” nasceu de um gesto de criação pura, feito sem apoios institucionais, onde a realizadora pôde explorar plenamente a sua visão estética e narrativa. Esse ato de independência e experimentação toca-nos especialmente, pois representa o compromisso da cineasta com a arte na sua forma mais livre.

Além disso, Altar insere-se numa linha temática recorrente na obra de Rita Azevedo Gomes, explorando o amor na juventude, tal como em “O Som da Terra a Tremer” (1990) e “Frágil Como o Mundo” (2002). Trata-se de um filme experimental de uma beleza arrebatadora, que traduz com intensidade o lirismo e a profundidade emocional que caracterizam a sua filmografia.

O programa especial "A História do Mundo Segundo uma Lésbica" propõe um olhar sobre a representação lésbica no cinema. De que forma esta selecção de filmes contribui para a expansão das fronteiras do cinema queer?

O programa "A História do Mundo Segundo uma Lésbica" representa um marco especial na visibilidade do cinema lésbico, especialmente por decorrer no mês da Visibilidade Lésbica. Esta seleção propõe um percurso cinematográfico que atravessa décadas e geografias, resgatando obras fundamentais que ajudaram a moldar e a desafiar as representações da experiência lésbica no ecrã.

A mostra que Joana de Sousa apresenta é uma constelação de gestos queer que percorre obras experimentais, narrativas e documentais, ecoando entre gerações e geografias. Será possível assistir a trabalhos pioneiros de realizadoras como Barbara Hammer e Su Friedrich, que reinventaram a linguagem do cinema lésbico, até às perspetivas contemporâneas de cineastas como Cris Lyra, Ritó Natálio, Inês Ariana Pereira, Tatiana Ramos e Chantal Partamian. Mais do que estabelecer definições, esta mostra expande as fronteiras do cinema lésbico ao dar espaço à multiplicidade de vozes, estilos e olhares, reafirmando que o cinema queer é um território em constante construção, transformação e reinvenção.

Para além das exibições de filmes, o Porto Femme oferece workshops e oficinas. Como poderão estas actividades complementar a experiência do festival e incentivar a participação do público?

Desde a primeira edição, o Porto Femme aposta na formação como parte essencial do seu projeto educativo. As oficinas, orientadas por realizadoras, distribuidoras, programadoras, argumentistas, diretoras de arte e animadoras, criam um espaço de partilha de conhecimentos e de aprendizagem. Estas atividades complementam a experiência do festival ao promoverem a troca de experiências, permitindo que participantes absorvam diferentes visões e formas de criação, ampliando horizontes. A formação oferecida não só enriquece quem deseja aprender mais sobre cinema, como também incentiva a experimentação e a colaboração, tornando o festival um espaço ainda mais inclusivo e dinâmico.

A parceria com o Goethe-Institut Portugal e a curadoria de Joana de Sousa reforçam a dimensão internacional do festival. De que modo a programação do Porto Femme tem vindo a consolidar-se como um evento de referência global para o cinema feito por mulheres?

Esta é uma edição especial para o Porto Femme, pois, pela primeira vez, conta com o apoio do ICA, um reconhecimento que fortalece a identidade do festival e valida a importância deste projeto no panorama cinematográfico nacional. Além disso, o apoio do Goethe-Institut Portugal e da Portugal Film Commission reforça a sua relevância e a sua projeção internacional.

Acreditamos que o festival tem vindo a consolidar-se como um evento de referência global ao longo dos anos, não só pela qualidade e identidade da sua programação, mas também pelo estabelecimento de parcerias estratégicas que o fortalecem. A colaboração com instituições de prestígio e a presença de profissionais reconhecidos, como Joana de Sousa na curadoria, demonstram o compromisso do Porto Femme em apostar na qualidade e ampliar o alcance do cinema feito por mulheres e pessoas não binárias.

Quebramar (Cris Lyra, 2019)

Greetings from Africa (Cheryl Dunye, 1994)

Rote Ohren Fetzen Durch Asche / Flaming Ears (Ursula Pürrer, Dietmar Schipek, Ashley Hans Scheirl) 1991

 

A exposição fotográfica "Invisibilidades" surge como um espaço para artistas mulheres e não-binárias. Qual a relevância deste tipo de iniciativa num festival que procura dar palco a vozes sub-representadas no cinema?

Desde a primeira edição, a secção expositiva do Porto Femme tem sido um espaço de diálogo entre o cinema e outras formas de expressão artística, como a pintura, a instalação, a videoarte e a fotografia. O objetivo é criar um cruzamento de linguagens que amplie as possibilidades de representação e visibilidade das artistas.

A exposição Invisibilidades reúne mais de 100 obras de diferentes geografias e perspetivas sobre o tema da invisibilidade, oferecendo um espaço de encontro entre diversas artistas e modos de expressão. Ao integrar esta iniciativa na programação do festival, o Porto Femme reforça o seu compromisso com a inclusão e a valorização de vozes sub-representadas, promovendo um olhar mais amplo e diversificado sobre a arte feita por mulheres e pessoas não-binárias.

Toda a programação aqui

7º Porto Femme: em Abril ser Mulher é continuar na Luta

Hugo Gomes, 18.04.24

Sew_to_Say_still-1-768x432.jpg

Sew to Say (Rakel Aguirre, 2023)

Abril, Águas Mil, contudo, nos último ano, na cidade do Porto parece ser costume clamar Abril, Mulheres Mil. Tendo arrancado na passada terça-feira (16/04), o festival Porto Femme apresenta-nos uma nova edição, a sétima para sermos mais exactos, novamente com destaque nas vozes femininas e acima de tudo nas suas histórias e Histórias.

Este ano, as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril contamina a programação, de lutadoras de gema a revoluções, pequenas ou grandes, redefinidoras de um cosmo feminino. Além disso, Margarida Cardoso, realizadora com sensibilidades atentas a um Moçambique historicamente colonial, é homenageada no palco (e tela) dos Maus Hábitos e do Cinema Batalha (estendendo-se para a Casa Comum do Porto, Casa das Artes e a Universidade Lusófona do Porto).

Em conversa com o Cinematograficamente Falando …, Rita Capucho, co-diretora artística do evento, aborda as novidades, os filmes (122 oriundos de 38 países), os desafios, workshops, masterclasses, e todos esses elementos que constituem este 7º Porto Femme.   

Que desafios trazem esta nova edição do Porto Femme?

A cada edição lidamos com alguns desafios que são constantes, sendo o financiamento o principal. A dignidade que pretendemos alcançar, a devida e justa para todas as pessoas que trabalham no projecto e que nele participam mobilizam-nos todos os anos.

Para esta edição em particular o maior desafio foi olhar para a nossa trajetória e pensarmos em termos de interseccionalidade e de diversidade e de que modo poderíamos trilhar um caminho mais inclusivo.

O festival tem sido programado no mês de abril desde a sua sexta edição e neste ano de 2024 ganhou um sentido especial além do desafio de pensar um programa para o mês com a enorme carga simbólica que são os 50 anos da Revolução dos Cravos. Longe de fugir ao tema, resolvemos mergulhar e refletir sobre o seu contexto histórico e como afetou a vida das mulheres. A escolha do tema recaiu sobre as mulheres e as revoluções, com intuito de refletir sobre a luta dos direitos das mulheres que ainda está bastante aquém, e tão pouco chegou com o 25 de abril, se se pensa com relação à igualdade de género, à liberdade e ao poder de decisão sobre o próprio corpo, entre outros aspectos. A decisão de apresentar o tema “Mulheres e Revoluções” no plural, quer refletir a diversidade em termos de contextos político, sociais, geográficos e étnicos. O movimento feminista funciona a diferentes ritmos consoantes esses contextos. 

Um dos destaques desta edição é a homenagem à cineasta Margarida Cardoso, das suas visões oriundas de um Moçambique colonial e pós-colonial, assim como o fortalecimento no olhar feminino nestas mesmas “visões”. Gostaria que me falasse no trajeto até à proposta desta homenagem, e a importância de Cardoso, não só no cinema português e para lá do continente, como também nas correntes discussões sobre o colonialismo.

Desde o início do projeto que a Margarida Cardoso esteve presente na lista das cineastas que pretendíamos homenagear. Com a decisão de abordarmos o tema a partir da perspetiva do 25 de Abril, pareceu-nos o melhor contexto para trazê-la ao palco do festival. Os filmes da Margarida abordam o passado colonial e pós-colonial, debates cada vez mais presentes na sociedade portuguesa, além de seu olhar muito particular que traz as mulheres para o centro, dando visibilidade e que nos parece ser um olhar necessário, atento, sensível e reflexivo. Interessa-nos sobretudo este tipo de olhar e de sensibilidade.

17805_36084_22251.webp

A Costa dos Murmúrios (Margarida Cardoso, 2004)

O que poderá destacar na programação, dos filmes aos convidados?

Gostava de destacar a secção especial “Mulheres de Câmara na Mão, Cinema e Revolução” que apresenta filmes realizados entre 1975 e 2015, e que em sua maioria reperspectivam o 25 de abril. Poderão ser conferidos obras de Ana Hatherly,  Catarina Alves Costa, Margarida Rêgo,  Solveig Nordlund, Monique Rutler e  Luísa Sequeira, co-curadora deste programa. Além disso, os filmes da competição temática traz uma seleção de narrativas revolucionárias, como por exemplo, “Analogue Revolution: How Feminist Media Changed the World” (2024) de Marusya Bociurkiw, faz um apanhado das comunicações feministas entre os anos 70 e 90, precedendo a era #MeToo; “Šagargur” (2024) de Nataša Nelević, é o testemunho sobre um campo de prisioneiros na ilha de São Gregório, onde mais de 600 mulheres foram torturadas entre 1949 e 1952; “Sew to Say” (2022) de Rakel Aguirre, apresenta um protesto feminista que durou quase duas décadas, em que mulheres se fixaram num acampamento para protestar contra as armas nucleares; “Uma Mulher Comum” (2023) de Debora Diniz, é a história de uma mulher que viaja à Argentina para realizar um aborto.

Gostaria que me falasse sobre o workshop - “Desconstruindo estereótipos - o cinema como linguagem para transformação” - e as pretensões e objetivos deste evento.

Este workshop é realizado em parceria com o CineDelas e procura explorar temas da contemporaneidade no cinema e debater de que modo é possível democratizar e criar melhores condições para alterar o atual paradigma do setor no que diz respeito a igualdade de géneros, a condições laborais e a condições de inclusão.  

O objectivo é refletir sobre os estereótipos tendo como temas orientadores o feminismo, a colonização, o patriarcado, a democratização da cultura e do cinema, a importância da cultura local e regional, entre outros. De uma proposta de reflexão surgirá o desafio de criarem uma curtíssima de um minuto que apresente o olhar particular de cada participante.

O recente filme de João Salaviza e Renée Nader Messora - “A Flor do Buriti” - menciona a luta das mulheres indígenas em “empoderar-se” (palavra que extraiu do português do Brasil) num país constantemente alavancado num capitalismo feroz e nas constantes ameaçadas do ultraconservadorismo que relegam os povos originários à condição subhumana. Trago isto como mote de conversa sobre a especial secção “Uma Revolução Íntima. De Monstros e Mulheres no Cinema Indígena”, se a idealização deste espaço prendeu-se com a influência da estreia do filme, e que propósitos tem essa mesma secção especial?

A ideia para esta secção especial já vem de edições anteriores, mas não deixa de ser interessante esta coincidência, inclusive porque possibilita ampliar o diálogo com outras iniciativas afins. Esta secção especial com a curadoria da Maria Luna-Rassa — coordenadora e programadora associada da Muestra Internacional Documental de Bogotá — apresenta filmes produzidos em outros países da América Latina, Colômbia e México, que poderá ser um interessante complemento à produção brasileira. O propósito desta secção, como também da “Enfim o Amor”, é criar espaços de visibilidade, trazendo novas narrativas e novos protagonismos para o centro do festival. 

porto_portofemme.jpg

Quais os próximos desafios para a Porto Femme em edições futuras? Haverá extensões por outro lugares fora da cidade da Invicta (e as sessões de Lisboa)?

Mensalmente, na última quarta do mês, apresentamos as nossas Femme Sessions no Maus Hábitos no Porto e já deixo o convite para a do dia 24 que trará alguns premiados da edição. 

Ao longo do ano percorremos o país com as nossas sessões itinerantes. No ano passado, estivemos em Leiria, Viseu, Coimbra, Águeda, Amarante, Aveiro e Amadora. Habitualmente programamos sessões ao nível internacional, tendo realizado no ano passado sessões no Brasil e no Canadá. Este ano o objectivo é regressar a algumas destas cidades e claro levar o festival a novos locais e a outros países.

Toda a programação aqui