Cavalos de Guerra
Seguindo os trilhos da América Profunda, deparamo-nos com um cruzamento onde se determina o destino da estreia americana da britânica Andrea Arnold ("American Honey") com "War Pony", não apenas unificada pela presença da atriz virada realizadora Riley Keough, mas é dela partido essa ramificação. Conta-se que durante as filmagens dos "meninos perdidos" em terras indomáveis, a estrela conheceu dois figurantes de origem Lakota [Franklin Sioux Bob e Bill Reddy], criando assim uma amizade possivelmente impulsionada pela ancestralidade da própria Keough (neta de Elvis Presley, cujo próprio músico tinha ligações, do lado da mãe, com nativos da tribo Cherokee). No término das filmagens, de forma a manter o contacto com os seus "novos" amigos, ela visita a reserva onde ambos residem. Para além das experiências, é aí que as sementes de "War Pony" são devidamente colhidas.
O filme recorre a um realismo desengonçado, dito e formalizado em muito do cinema norte-americano independente - a linguagem instável que oferece ao espectador uma voraz inquietação com o seu ambiente de violência social. Joga-se em duas histórias cruzadas, em infâncias negligenciadas e juventudes roubadas, fruto do desespero do seu próprio estatuto e das fracassadas políticas, quer de integração ou de reconstituição do nativo americano nos EUA. No entanto, esta panóplia de personagens são figurantes olvidadas, acima do white trash (esses seres humanos mal-amados e restringidos à “porno-miséria”, seja social ou até moral), persistindo na sobrevivência pelos seus escassos meios, desonrados ancestrais e às místicas entidades (o bisonte, que surge como alucinação, é a réstia dessa dignidade, a memória de uma ligação natural, desvanecida pelos vícios do capitalismo).
Portanto, "War Pony" é um filme que anseia captar as “vibrações” de uma miséria condenável, sem condescender os seus "peões" (era o que faltava!), mas a sua constante ficção “salta-pocinhas” faz com que se perca esse retrato, incentivando o espectador a conectar os dois pontos narrativos que nos são apresentados ao invés de “vislumbrar” pelo ecossistema aí registado (possivelmente funcionaria como documentário, mais do que qualquer outra ‘coisa’). É um regresso à comunidade, e ao que isso permite e insiste. Keough (com a sua amiga e argumentista Gina Gammell creditada na co-realização) revela-se emocionalmente dedicada à sua causa e às suas experiências materializadas, uma visão que lhe garantiu a Caméra D'Or para melhor primeira obra em Cannes, igualmente sustentando a tese de uma "fórmula" de simulacro realista (ou o que achamos ser realismo) que muito desse cinema tem vindo a apostar como a sua ofensiva indie e alternativa às produções megalómanas.