Continuamos a acreditar que um homem pode voar?

"You'll believe a man can fly", a tagline promocional de 1978 para "Superman", de Richard Donner, conquistou o imaginário de um geração nessa sua aparição. Foi a renascence de uma personagem até então em desuso, cujo na altura desconhecido Christopher Reeve (oriundos dos palcos), garantiu o sucesso da obra em tempos de blockbusters escassos e ainda experimentais no paladar do público. Ao encabeçar este Kal-El / Clark Kent, alienígena exilado na Terra, cuja sua diferença física e fisiológica o coloca na pele de uma super-heroi com missão de proteger os terráqueos das mais infames ameaças, Reeve comprometeu-se a mais três sequelas que, mesmo sob qualidade decrescente, o manteriam como a encarnação perfeita desta personagem. E o resultado está à vista, o facto de o Super-Homem atravessar gerações até ao início dos reboots deve-se a essa representação indissociável.
Em 2006, começou o recast ["Superman Returns", 2006]. Mesmo com os burburinhos de um projecto abortado — o de Tim Burton com Nicolas Cage no papel do kryptoniano — foi o também então desconhecido Brandon Routh quem herdou o papel de sucessão a Reeves (devido a um acidente em ‘95 ficou tetraplegico, tendo falecido em 2004). Para Donner, mesmo que posteriormente com um Henry Cavill imponente na pele do sobre-humano, era o seu Reeve que “voava tão bem”. Quanto a este novo e simples "Superman", o seu surgimento deve-se ao efeito de reparação de um franchise descarrilado após mudanças bruscas de tom e de liderança. Desesperada, a Warner Bros. entrega a James Gunn e a Peter Safran a missão de salvar a sua chancela. Um reboot, inevitavelmente, concretizou-se: a DCU, um outro universo cinemático, começa, e, à semelhança do anterior, através de um concerto performado do Super-Homem, e mais uma vez interpretado por um “desconhecido”, David Corenswet.
Podemos garantir que o elenco deste novo capítulo é bem-sucedido, meticuloso até, desde o protagonista, passando por Rachel Brosnahan como Lois Lane, até Nicholas Hoult, que oferece um Lex Luthor convicente, condensando o zeitgeist dos tecno-oligarcas. Neste aspecto, James Gunn acerta e arrisca em igual medida. Nota-se, desde o início, um regresso à ingenuidade do género, visível nas relações entre personagens, nas intenções das suas jornadas, e no world-building que define o tom deste universo por explorar. Personagens marginais dos comics ganham centralidade narrativa (já é um modus operandi do realizador nestas patentes condensadas à tela); e há um cão com capa que voa; o ambiente familiar estabelece-se sem atrito, mesmo quando surgem consequências em cena. James Gunn transforma tudo isto num risco: acreditar, não no homem que voa, mas no espectador disposto a crer nessa possibilidade. Mesmo que afogado em tecnologia, o filme assume-se como segunda demão num subgénero bafiento que tenta captar um último fôlego.

Infelizmente, há buracos que o filme não consegue evitar: a saturação do enredo, a acção dependente de CGI que pouco impressiona o olhar treinado, e as ‘politiquices’ que rebentam à tona como o seu próprio zeitgeist. Se Nicholas Hoult é uma espécie de Musk sem patetices, já o sub-conflito entre dois países fictícios, numa guerra e consequente invasão, remete-nos para actualidades... resolvidas, como é habitual no cinema de super-heróis, com a mais fácil das facilidades.
Por sua vez, "Superman" tenta restaurar a fé na descrença. A questão é: conseguirá? Ou já estaremos noutro tempo? Seja como for, é o mais nostálgico dos Super-Homens em ecrã desde a dupla Donner / Reeve.

















































