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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Duplo 'V'

Hugo Gomes, 15.05.14

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Cada indivíduo possui três identidades distintas: a ‘pessoa’ que julgamos ser, a que desejamos ser, e, finalmente, a que realmente somos. "The Double", de Richard Ayoade (após "viajar" no "Submarine"), é uma inquirição dessas três facetas, integrando-as nos diferentes atos da narrativa.

O enredo transporta-nos para um mundo difícil de identificar, obsoleto na sua tecnologia, decadente e renegado pela luz do dia. Nesse cenário, reminiscente da antiga ficção científica russa, seguimos Simon James (Jesse Eisenberg), talvez o sujeito mais infortunado de sempre, marginalizado pelos outros, incluindo a própria mãe, que, a cada visita do filho, tem a "amabilidade" de expressar a sua vergonha em relação a ele. Desconhecidos aconselham-no constantemente que o suicídio é o melhor remédio para a sua infeliz existência. Para piorar o seu quotidiano insuportável, um novo trabalhador chega à empresa de Simon James, sendo acarinhado e elogiado, um modelo a seguir. Contudo, este James Simon (nome do recém-chegado) é uma cópia exata do nosso protagonista, que só ele consegue perceber as semelhanças.

Baseado num homónimo livro de Fyodor Dostoevsky, o filme remete-nos às crises existenciais e individuais expostas numa ficção metafórica que, nas mãos do realizador, se revela num filme altamente estilizado e "embrulhado" numa atmosfera envolvente e desesperante. "The Double" é um exercício cuidado de estilo que revigora o seu existencialismo quase panfletário através de imagens embebidas em melancolia contaminadora para com os próprios atores. Jesse Eisenberg, a "metralhadora" oratória, parece enquadrar-se perfeitamente nesses "bonecos" vazios que o cenário distópico incute, mas ainda mais na dualidade, a grande anomalia das anomalias, o catalisador de toda a trama, quer física ou psicológica. Em complemento, Mia Wasikowska é a "princesa" do gótico e da tristeza falseada.

Há um cruzar de referências, desde Lynch a Tarkovski, Proyas a Gilliam, compondo uma partitura cinematográfica na qual é possível identificar contornos kafkianos, um labiríntico existencialismo com personagens à mercê da dissecação. Por fim, há que perguntar: será que conhecemo-nos realmente? Conforme a resposta, temos aqui uma proposta cativante de cinema!