Duplo 'V'
Cada indivíduo possui três identidades distintas: a ‘pessoa’ que julgamos ser, a que desejamos ser, e, finalmente, a que realmente somos. "The Double", de Richard Ayoade (após "viajar" no "Submarine"), é uma inquirição dessas três facetas, integrando-as nos diferentes atos da narrativa.
O enredo transporta-nos para um mundo difícil de identificar, obsoleto na sua tecnologia, decadente e renegado pela luz do dia. Nesse cenário, reminiscente da antiga ficção científica russa, seguimos Simon James (Jesse Eisenberg), talvez o sujeito mais infortunado de sempre, marginalizado pelos outros, incluindo a própria mãe, que, a cada visita do filho, tem a "amabilidade" de expressar a sua vergonha em relação a ele. Desconhecidos aconselham-no constantemente que o suicídio é o melhor remédio para a sua infeliz existência. Para piorar o seu quotidiano insuportável, um novo trabalhador chega à empresa de Simon James, sendo acarinhado e elogiado, um modelo a seguir. Contudo, este James Simon (nome do recém-chegado) é uma cópia exata do nosso protagonista, que só ele consegue perceber as semelhanças.
Baseado num homónimo livro de Fyodor Dostoevsky, o filme remete-nos às crises existenciais e individuais expostas numa ficção metafórica que, nas mãos do realizador, se revela num filme altamente estilizado e "embrulhado" numa atmosfera envolvente e desesperante. "The Double" é um exercício cuidado de estilo que revigora o seu existencialismo quase panfletário através de imagens embebidas em melancolia contaminadora para com os próprios atores. Jesse Eisenberg, a "metralhadora" oratória, parece enquadrar-se perfeitamente nesses "bonecos" vazios que o cenário distópico incute, mas ainda mais na dualidade, a grande anomalia das anomalias, o catalisador de toda a trama, quer física ou psicológica. Em complemento, Mia Wasikowska é a "princesa" do gótico e da tristeza falseada.
Há um cruzar de referências, desde Lynch a Tarkovski, Proyas a Gilliam, compondo uma partitura cinematográfica na qual é possível identificar contornos kafkianos, um labiríntico existencialismo com personagens à mercê da dissecação. Por fim, há que perguntar: será que conhecemo-nos realmente? Conforme a resposta, temos aqui uma proposta cativante de cinema!