["luz" (luce) e "fazer" (fece)]
Com “Lucefece: Where There Is No Vision, The People Will Perish” ficamos por aqui: um autor a posicionar-se no mundo, no seu e no dos outros, da infância às memórias, do passado colonial do pai à Troika e à consciência ideológica, pelo meio, Yuri Gagarin e a sua trajetória solitária num espaço aberto como representação de jornada ao inexplorável.
Ricardo Leite não esconde a autobiografia, não camufla o evidente umbigo, o filme é dele: a sua visão e a sua relação com esta existência contemporânea. Talvez um filme-testamento precoce, um ensaio que persiste à luz da vivência. O cinema tem disso, por vezes, a história do “eu” montada e selecionada como pretexto para a experimentação e ficamos nessa pegada, aquela que James Joyce, com a pena atarefada em “Ulisses”, identificava com um certo reparo: a época das descobertas, do desconhecido que o mundo ainda nos reservava; os avanços, os mistérios partilhados em volta da fogueira, em comunhão ou como consolo na escuridão, essa mesma que, como o breu, esconde o que ainda havia por esconder, esses mesmos tempos passaram, desvaneceram, tal como as grandes epopeias: Fernão Mendes Pinto ou a Rota da Seda, o avistamento da criatura de Loch Ness ou a Antártida. O escritor fez do “eu” o novo épico: a viagem aos confins do interior. Ricardo Leite apenas aprendeu com a herança que carrega nos ombros: essa postura, esse movimento ou conformação aos limites do nosso redor. Sem mística, somos apenas nós e a exploração verniana dessa intimidade.
Como Yuri Gagarin, o homem, o primeiro, diga-se de passagem, a trespassar a fronteira... o limite, o que falta ainda explorar, evidenciar e vivenciar. “Lucefece” exercita essa primeira pessoa do singular.
Agora, se irá transformar o cinema, e o português em particular, duvidamos muito … não será tão especial assim.