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Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Cinematograficamente Falando ...

Quando só se tem cinema na cabeça, dá nisto ...

Arranca a 3ª edição do Cinalfama: "cheira bem, cheira a Cinema"

Hugo Gomes, 24.07.24

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O espírito da velha capital é projetado nas suas tradicionais ruas, mesmo que Lisboa esteja a ser despida dos seus habitantes, os carinhosamente apelidados de “alfacinhas”, dando lugar a um turismo voraz e padronizado. Mas não avancemos mais nesta crónica sobre a gentrificação, até porque o Cinalfama, na chegada da terceira edição, é uma iniciativa que visa captar o lado cinematográfico da cidade, fazendo dela um eco cultural. Do Largo de São Miguel ao Museu do Fado, serão projetados dezenas e dezenas de filmes provenientes dos quatro cantos do mundo, e ao contrário do que assola aquela região, não se trata de turismo, ao invés disso designemos orgulhosamente como Cinema.

João Almeida Gomes, diretor do festival, respondeu ao Cinematograficamente Falando… num plano geral deste evento que iniciou na passada segunda-feira, dia 22 de julho, e que terá o “The End” (calma, intervalo, voltará para o ano!) no dia 26 [ver programação completa aqui].

Chegamos à terceira edição do Cinalfama, olhando em retrospetiva como é que este festival cresceu ou ainda pode vir a crescer?

Tem crescido em número de filmes recebidos, em número de espectadores e atenção mediática e na criação de projetos de alcance comunitário como a recolha filmada de histórias e oralidades de Alfama. Mas tudo sempre com o ambiente de informalidade e intimidade que é a nossa essência desde a génese. 

O que pode dizer sobre a programação deste ano, e a sua relação com a nossa contemporaneidade?

Um exemplo: o filme de abertura é o “Judgment in Hungary” sobre um julgamento de crime de ódio racial contra ciganos na Hungria. Queremos perceber que tangentes poderão ter o atual clima político português com a situação húngara. 

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Judgment in Hungary (Eszter Hajdú, 2013)

Sobre os convidados do festival?

Vários realizadores nos visitarão para apresentar os seus filmes pessoalmente e realizadores como a Renata Sancho e a realizadora húngara radicada em Portugal Eszter Hajdu também estarão presentes. 

Poderia me falar sobre esse projeto - Recolhas Filmadas de Histórias e Oralidades de Alfama - que terá contribuição de Pedro Costa, Leonor Teles, Pedro Cabeleira, entre outros?

Convocaremos vários realizadores a verem através da sua própria lente e subjetividade o passado, presente e futuro de Alfama

Sobre a cidade, Lisboa, não apenas a menina e moça, mas toda esta gentrificação que estamos a testemunhar, existe algum receio que isso possa afetar o público do Cinalfama, o facto dos “lisboetas” estar cada vez longe do centro da cidade, ou até mesmo da cidade?

Talvez seja, pelo contrário, o que os possa atrair. Um desejo de fruir algo de real e profundo num wasteland cultural. 

Vemos neste festival um gesto de preservação da Lisboa antiga, e cinematográfica?

A Lisboa antiga também é um pouco romantizada. A Alfama antiga era, por exemplo, um cenário de enormes privações materiais. Por isso a nossa função é complexificar, densificar a própria ideia de Alfama e isso implica também (mas não só) falar da saudade e do espírito comunitário que se perdeu.

Ambições para o futuro?

Que os nossos projetos em torno da memória de Alfama entrem em velocidade cruzeiro e que o Cinalfama siga no seu processo gradual de legitimação.

20 Anos de Doclisboa: a Galeria Digital

Hugo Gomes, 08.10.22

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Para comemorar os seus 20 anos, o Doclisboa preparou-nos uma Galeria Digital de videos de 20 segundos, com contribuições de autores e artistas como Valérie Massadian, Avi Mograbi, Edgar Pêra, Teresa Villaverde, Regina Guimarães, Renata Sancho, João Pedro Rodrigues, James Benning, Pedro Florêncio, Karen Akerman, João Mário Grilo, Jorge Pelicano, entre outros.

Para visitar aqui.

“Avenida Almirante Reis Em 3 Andamentos”, ontem, hoje e amanhã pelo caule de Lisboa

Hugo Gomes, 07.10.19

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Entramos pela Avenida Almirante Reis adentro através de um travelling de outros tempos no cadente relato das suas origens extraído de um programa televisivo de ’82.  Aquela que é uma das principais artérias da cidade de Lisboa tem por fim o “filme que merece“, palavras que a realizadora e montadora Renata Sancho deseja acentuar como a natureza deste projeto – “Avenida Almirante Reis em 3 Andamentos” – que encarou como uma oportunidade de “vasculhar os arquivos e entrar na História da Avenida que tão bem conhecia“.

E não o fez sozinha. Ao seu lado esteve o geógrafo Aquilino Machado Ribeiro que procurava por essas mesmas bandas o “eixo republicano, vilas operárias e as raízes da implementação da república“. Ambos uniram esforços para conceber este vaivém pelo passado, presente e com um vislumbre do futuro da avenida.

Apresentado na edição de 2018 do Doclisboa, “Avenida Almirante Reis em 3 Andamentos” nasceu da ideia de mapear, quer geograficamente, quer historicamente, uma rua tão pessoal para a realizadora, habitante orgulhosa desta meia veia que atravessa a “burguesaAlameda até o cada vez mais centralizado Intendente. Tendo fundado em 2013 a produtora de cinema independente Cedro Plátano, que encontrou neste seu trabalho um feito de atingir por fim o circuito comercial, questionou primeiramente como levar a Avenidaa uma sala de cinema“. “É um filme de cinema, os enquadramentos foram feitos para o Cinema, a duração dos planos adequada para Cinema“, reforçou.”O filme tem 66 minutos, porque, segundo o Google, descer ou subir a rua dá exatamente 66 minutos.

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O ARQUIVO, A AVENIDA E O ALMIRANTE.

Há alguns dias, saía no jornal Público uma entrevista com Nicole Brenez, uma das curadoras da Cinemateca Francesa, no qual esta declarava o Cinema como o salvador das imagens. Afirmação curiosa que se translada para a iniciativa de Sancho. A realizadora, que fundou em 2013 a Cedro Plátano, concordou com esta migração de conceitos durante a nossa conversa, não na Almirante Reis, mas num café situado na Avenida Fontes Pereira de Melo: “o Cinema pode realmente salvar os arquivos“. De seguida, acrescentou que apesar de “todas as dificuldades que isso aplica, de acesso, financeiras, etc, os arquivos deveriam ser salvos através dos cuidados com os mesmos. Ou seja, pelo trabalho nos arquivos que os investigadores já o fazem pela vias da investigação, como também o próprio Arquivo como uma corrente de trabalho no contemporâneo dos artistas.

Para Renata Sancho, o trabalho de investigação foi dificultado pela falta de registos e a preservação dos materiais existentes. A realizadora salientou principalmente um vazio na década de 40 da Avenida, cuja disponibilidade de fotos iria transformar o filme noutro que não estava inicialmente idealizado: ”Ficou muita coisa de fora, mas não mudaria. Um filme acabado é um filme acabado. Acabou.” Revelando-se desapontada em relação aos arquivos da Avenida no Estado Novo, o qual apenas resumia a “Alameda, Alameda, Alameda, Areeiro e dois segundos do novo elétrico“, a sua pesquisa ficou-se somente pela colheita nacional: “não procurei nos arquivos estrangeiros“.

Uma das imagens mais marcantes do filme são os registos do Primeiro de Maio, em ’74, poucos dias depois da Revolução de Abril, estreitamente absorvidas do filme “As Armas e o Povo”, do Colectivo de Trabalhadores da Actividade Cinematográfica. Nelas era possível ver a Alameda invadida por um “mar de gente” que comemorava um sonho idealizado. À porta do Cinema Império, hoje cedido à Igreja Universal do Reino de Deus (“se houvesse um referendo, eu votaria contra“), é visível um enorme cartaz de “O Couraçado de Potemkin”, filme de Eisenstein que antes do 25 de Abril rodava pelos cineclubes marginais sem o conhecimento do regime, cópia essa adquirida por António da Cunha-Teles. Por entre a multidão era mais que certo encontrar caras reconhecíveis como Mário Soares, João César Monteiro, Margarida Gil e Fernando Lopes.

O som dessas imagens desapareceu e por minha decisão apresentei-as sem qualquer tipo de som. Isto pode ser problemático para muitas pessoas, que pensarão que estou a silenciar o Primeiro de Maio, o que não estou. (…) poderia ter colocado som sincronizado ou manipulado, mas montei-as de maneira na qual ouvíssemos o som. (…) os arquivos são de som direto quando existem editados com o som direto. (…) Uma razão muito performativa aqui, é que a Avenida Almirante Reis é das avenidas mais barulhentas de Lisboa, e aqueles 4 minutos e meio de silêncio antes de entrarmos para o presente é precisamente uma sensação muito boa.

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Renata Sancho

 

“Ó GENTE DA MINHA TERRA”

As imagens arquivadas compõem uma estrutura óssea na narrativa deste documento, que é preenchido pelo registo quase etnográfico e arquitectural da zona. Durante a nossa conversa, foi salientada a natureza dessas mesmas imagens captadas, uma colheita pelo multiculturalismo da rua em si, que entra em choque com a homogeneidade trazida pelo passado aí inserido: “O que faço no filme, com as imagens atuais, é mostrar a diversidade que a Avenida tem“. Nessa mesma instância, “Avenida Almirante Reis em 3 Andamentos” entra em acordo com a visão de Sérgio Tréfaut em “Lisboetas” (2004), o qual explicitava as mudanças da capital através da vinda de várias comunidades, tentando espelhar as definições não assertivas do que é ou não português. Renata Sancho, de certa forma, nega esse intuito no seu olhar pela diversidade da Avenida: “Não há aqui uma intenção política de definir o que é português e o que não é, existe apenas convivência.”.

De certa forma, a cineasta revela essas preocupações identitárias hoje servidas como base nos discursos da extrema-direita quando é mencionada a frase célebre de Almirante Reis proferida na Câmara dos Republicanos, após testemunhar uma iminente queda da sua causa republicana em 3 de outubro de 1910 – “Já não há portugueses” – “era uma frase que quando o ouvi, decidi que era com ela que iria abrir o filme, só não se tornou título porque obviamente poderia suscitar interpretações duvidosas e eu tento evitar esses caminhos.

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O FUTURO DA AVENIDA: NOVOS PROJETOS.

Renata Sancho prepara-se para regressar ao “Porto de Leixões”, documentário escrito em 2009/2010, dividido em duas partes e, cuja primeira, “muito experimental“, já trabalhada, obteve apoio da Gulbenkian. Com este projeto a realizadora poderá “voltar ao arquivo“, tendo na sua posse “material fotográfico do Porto de Leixões em que era projetado como uma grande epopeia“.

Curiosamente, o Porto de Leixões foi inaugurado em 1908, a Avenida Almirante Reis em 1908. Há qualquer coisa com o ano 1908 [risos]“, decidida a retornar à Avenida que sempre a acompanhou, Sancho revelou que para o seu filme deixou de parte imenso material – “os arquivos são uma espécie de casting” – e que muita dessa matéria, incluindo depoimentos recolhidos, poderão gerar um livro. Contudo, a realizadora tem noção dos desafios que a esperam:  “editar um livro não é o mesmo que construir um filme.

Existe ainda um projeto sobre o escritor Aquilino Ribeiro, avó de Aquilino Machado Ribeiro [argumentista de “Avenida Almirante Reis em 3 Andamentos”], que novamente trabalhará com a realizadora. Esta assumirá a produção, pelo que também dirigirá a convite do seu parceiro: “Estou a começar agora a trabalhar e a ler obras do Aquilino.